2020/07/30
Bendito caruncho que desfez a perna da cadeira
«tem uma vozinha de padreco a afogar-se, uma coisinha quase de menina, que só num país com fátima a tapar os olhos ao povo é que isto se admite. já reparou, perguntava-me ele, tem uma vozinha de cagão que sabe que está a falar com cagarolas. raios partam este portugueses que puseram a virilidade na lama a ouvir este bezerro prepotente. já ouviu um discurso dele como deve ser, ó senhor silva. parece a missa. só não nos põe a rezar porque a ele lhe interessa pôr a pata em cima da igreja também. é um génio, e os padres, desde que fiquem no poleiros garantidos para engordarem, estão sempre felizes. que melhor discurso pode haver para os padres do que a promoção da beleza de se ser pobrezinho. a promoção da beleza de se ser pobrezinho. é um casamento perfeito. o político que gosta dos pobrezinhos e os mantém pobrezinhos, com a igreja que gosta dos pobrezinhos e os mantém pobrezinhos. mas, quer o político, quer a igreja, dominam ou podem dominar o fausto. não é brilhante. isto inventado seria mentira. ninguém teria cabeça para inventar tal porcaria, só sendo verdade mesmo. sabe, senhor silva, é preciso que se suje o nome de salazar para todo o sempre. é preciso que o futuro lhe reserve sempre a merda para seu significado, para que os povos se recordem como foi que um dia um só homem quis ser dono das liberdades humanas, para que nunca mais volte a acontecer que alguém se suponha pai de tanta gente. este tem de ser um nome de vergonha. o nome de um porco. para que ninguém, para a esquerda ou para a direita, volte a inventar a censura e persiga os homens que têm por natureza o direito de serem livres. e eu respondia-lhe, cala-te, miúdo, ainda me arranjas umas férias nos calabouços. fica calado. é um padreco lingrinhas, cínico, padreco lingrinhas, gritava ele eufórico. eu mexi-me como uma barata tonta a por a rádio mais alta, mas adoraria sentir coragem para me pôr ali aos berros também, mesmo exagerando, mesmo que dizendo parvoíces só pelo prazer de as poder dizer, de poder ajuizar por mim o que quisesse ajuizar. na minha barbearia. ao menos na minha barbearia. ao menos na minha casa. na minha casa e com a minha boca livre. é um porco.»
Valter Hugo Mãe, "a máquina de fazer espanhóis", porto editora
2020/07/29
Cultura e Luta de Classes
Imperialismo & imperialismos, SA
(Manuel Augusto Araújo, AbrilAbril, 2020/07/27)
Nos tempos actuais há uma evidente preponderância do capitalismo neoliberal cujo foco principal é a financeirização da economia e a adopção de políticas que visam reduzir os custos do factor trabalho, sejam quais forem as consequências sociais e económicas dessas políticas que precarizam o trabalho, atacam os direitos dos trabalhadores, fragmentam e proletarizam a força de trabalho, ainda que muitos não reconheçam a proletarização a que estão sujeitos.
Para impor e consolidar essa nova ordem, que se começa a definir a partir dos finais dos anos 60, é tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como o controle dos meios de comunicação social que preparam e justificam as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos proporcionados pelas redes informáticas, e a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas com dois grandes objectivos: um económico, pela captura pelos mercados dos bens culturais e pela concentração das indústrias culturais e criativas; outro político-social impondo a hegemonia da cultura anglo-saxónica pela exportação massiva dos seus produtos de entretenimento, tratando a cultura como uma campanha publicitária. Uma situação em que Adorno surge como um quase profeta quando, em 1944, com Horkheimer(1), define a indústria cultural como um sistema político e económico que tem por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros, música popular, programas de televisão, etc. – como mercadorias, com uma estratégia de controlo social modelando as consciências das massas populares.
Essa tendência torna-se mais evidente quando o Estado-nação vai progressivamente renunciando à sua soberania e se alarga a superfície global onde se dissolve o território, a língua e a identidade cultural, tornados conceitos móveis e transitivos. Acelera-se com o fim da equivalência do dólar-ouro e a primeira grande crise do petróleo em 1973, impõe-se nos anos 80 com as novas tecnologias.
(Manuel Augusto Araújo, AbrilAbril, 2020/07/27)
Nos tempos actuais há uma evidente preponderância do capitalismo neoliberal cujo foco principal é a financeirização da economia e a adopção de políticas que visam reduzir os custos do factor trabalho, sejam quais forem as consequências sociais e económicas dessas políticas que precarizam o trabalho, atacam os direitos dos trabalhadores, fragmentam e proletarizam a força de trabalho, ainda que muitos não reconheçam a proletarização a que estão sujeitos.
Para impor e consolidar essa nova ordem, que se começa a definir a partir dos finais dos anos 60, é tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como o controle dos meios de comunicação social que preparam e justificam as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos proporcionados pelas redes informáticas, e a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas com dois grandes objectivos: um económico, pela captura pelos mercados dos bens culturais e pela concentração das indústrias culturais e criativas; outro político-social impondo a hegemonia da cultura anglo-saxónica pela exportação massiva dos seus produtos de entretenimento, tratando a cultura como uma campanha publicitária. Uma situação em que Adorno surge como um quase profeta quando, em 1944, com Horkheimer(1), define a indústria cultural como um sistema político e económico que tem por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros, música popular, programas de televisão, etc. – como mercadorias, com uma estratégia de controlo social modelando as consciências das massas populares.
Essa tendência torna-se mais evidente quando o Estado-nação vai progressivamente renunciando à sua soberania e se alarga a superfície global onde se dissolve o território, a língua e a identidade cultural, tornados conceitos móveis e transitivos. Acelera-se com o fim da equivalência do dólar-ouro e a primeira grande crise do petróleo em 1973, impõe-se nos anos 80 com as novas tecnologias.
2020/07/19
Pandemia e luta de classes
Pandemia e luta de classes
(Atónio Avelãs Nunes, O Militante, nº 367, 2020/07)
1. Em 2008, a Sr.ª Merkel defendeu que a origem da crise estava nos excessos do mercado. Agora, a pandemia veio mostrar que o mundo depende da aspirina que (quase só) se produz na Índia e que a Europa e os EUA dependiam da China no que toca à produção de máscaras de protecção individual e de ventiladores utilizados nas unidades de cuidados intensivos. Há quem fale dos excessos da deslocalização de empresas industriais e até da necessidade de salvaguardar a «soberania farmacêutica e sanitária.» Tudo bem. Mas é ainda mais importante garantir aos povos a soberania alimentar, energética, financeira, a soberania no que toca ao controlo dos portos e aeroportos e das empresas de telecomunicações, das empresas de transporte aéreo e de todo o conjunto das empresas estratégicas, aquelas em que assenta a verdadeira soberania.
Em nome da liberdade de circulação do capital (a mãe de todas as liberdades do capital), inventou-se a internacionalização, a deslocalização de empresas industriais para os paraísos laborais, em busca de mão-de-obra barata e sem direitos. Os países emergentes seriam a fábrica do mundo, ficando as ‘metrópoles’ com os serviços ‘nobres’ (estratégicos) da investigação e concepção, os serviços financeiros e o turismo. Tudo para permitir ao grande capital aumentar a taxa de exploração (nas ‘metrópoles’ e nas novas ‘colónias’) e contrariar a tendência para a baixa da taxa média de lucro que as chamadas crises do petróleo (anos 1970) trouxeram à luz do dia.
A desindustrialização registada nos países mais industrializados arrastou consigo a subversão da estrutura produtiva (e da estrutura do emprego) e a ruptura das fileiras produtivas em vários sectores, ficando a nu os perigos destes excessos do capital. Fala-se agora da necessidade de re-industrialização. E fala-se também da necessidade de temperar o radicalismo do comércio livre imposto ao mundo através da OMC.
(Atónio Avelãs Nunes, O Militante, nº 367, 2020/07)
1. Em 2008, a Sr.ª Merkel defendeu que a origem da crise estava nos excessos do mercado. Agora, a pandemia veio mostrar que o mundo depende da aspirina que (quase só) se produz na Índia e que a Europa e os EUA dependiam da China no que toca à produção de máscaras de protecção individual e de ventiladores utilizados nas unidades de cuidados intensivos. Há quem fale dos excessos da deslocalização de empresas industriais e até da necessidade de salvaguardar a «soberania farmacêutica e sanitária.» Tudo bem. Mas é ainda mais importante garantir aos povos a soberania alimentar, energética, financeira, a soberania no que toca ao controlo dos portos e aeroportos e das empresas de telecomunicações, das empresas de transporte aéreo e de todo o conjunto das empresas estratégicas, aquelas em que assenta a verdadeira soberania.
Em nome da liberdade de circulação do capital (a mãe de todas as liberdades do capital), inventou-se a internacionalização, a deslocalização de empresas industriais para os paraísos laborais, em busca de mão-de-obra barata e sem direitos. Os países emergentes seriam a fábrica do mundo, ficando as ‘metrópoles’ com os serviços ‘nobres’ (estratégicos) da investigação e concepção, os serviços financeiros e o turismo. Tudo para permitir ao grande capital aumentar a taxa de exploração (nas ‘metrópoles’ e nas novas ‘colónias’) e contrariar a tendência para a baixa da taxa média de lucro que as chamadas crises do petróleo (anos 1970) trouxeram à luz do dia.
A desindustrialização registada nos países mais industrializados arrastou consigo a subversão da estrutura produtiva (e da estrutura do emprego) e a ruptura das fileiras produtivas em vários sectores, ficando a nu os perigos destes excessos do capital. Fala-se agora da necessidade de re-industrialização. E fala-se também da necessidade de temperar o radicalismo do comércio livre imposto ao mundo através da OMC.
2020/07/18
O Sindicalismo para os tele-trabalhadores
«A tecnologia deve servir para fazer avançar a sociedade e não para a fazer retroceder. [...] Seja sob a forma de automação, digitalização ou aposta na inteligência artificial: a tecnologia, em si fruto do trabalho, deve ser colocada ao serviço dos trabalhadores e das suas condições de vida e de trabalho, ao serviço do desenvolvimento soberano do País, dando um contributo para a promoção da coesão social e territorial» salientou Isabel Camarinha, lembrando a posição da CGTP-IN sobre o desenvolvimento tecnológico.
Concordo quase plenamente, deixando de lado a conservadora territorialidade do país com odor a inexplicáveis nacionalismos e substituindo-os pela humanidade e o internacionalismo proletário.
E Cuidado.
O sindicalismo começou a perder o comboio quando não soube antecipar a ofensiva ideológica com que o capital acompanhou a precarização e o endividamento dos trabalhadores, formas de fortificar o exército de desempregados usado pelo capital para combater os direitos do trabalho.
Perdeu-o quando não soube identificar a massiva terceirização do trabalho proporcionada pela, ainda em fase de plena implantação, robotização dos setores primário e secundário.
Se quisermos voltar a colocar o sindicalismo no centro da luta de classes, se quisermos fazer dos sindicatos veiculos de progresso social, se quisermos que o sindicalismo lidere o proletariado (que hoje, no ocidente imperialista, transcende já largamente o operariado) nas imprescindiveis transformações sociais que dêem lugar a outras formas de propriedade dos meios de produção, importa ir além da denúncia dos males do teletrabalho, importa procurar e encontrar as formas de mobilizar as massas de tele-proletários precarizados, desprotegidos e sobre-explorados que inexoravelmente vão ocupar o lugar dos grandes e ineficientes centros de escritórios.
A robotização e a generalização do tele-trabalho são felizmente imparáveis, tal como imparável foi no século XIX a industrialização dos setores primário e secundário que exterminou o garimpo e a produção artesanal, e no século XX, a informatização e as comunicações, que revolucionaram os setores terciário e financeiro, e como o são em qualquer momento histórico as deslocações massivas de sobre-explorados das terras da fome e da guerra para as do pão e do mel. Chama-se processo histórico segundo os canhanhos do marxismo-leninismo.
Marx e Engels souberam ver e exprimir no século XIX a inexorabilidade da emancipação humana do trabalho com dor, imposto pela necessidade de sobreviver, rumo ao prazer do trabalho criativo voluntário, numa sociedade em que os meios de produção fossem propriedade colectiva de todos os produtores.
Cabe-nos a nós encontrar as formas de impor a distribuição justa e equitativa dos frutos do trabalho. Para tal não podemos deixar-nos encurralar em meros discursos de denúncia ou tentativas de parar ou mesmo retardar a enxurrada.
Para voltarmos a colocar o sindicalismo no centro da luta de classes, temos de procurar e encontrar os meios, as formas, os discursos e as acções que nos permitam voltar a mobilizar as massas proletarizadas que nem disso têm consciência, identificá-las e trabalhar no seu seio, temos de reaprender o proselitismo dos dealbares sindicalistas, resgatar das mãos religiosas as instituições de caridade transformando-as em palcos de solidariedade que nos permitam dialogar com os mais desprotegidos. Não podemos deixar-nos encurralar em nacionalismos conservadores mas antes procurar e encontrar, muito além das imprescindiveis solidariedades internacionalistas, a internacionalização das causas e das lutas por essas causas. Se não conseguimos fazê-lo com as nossas, temos de trabalhar nas lideradas por outros demonstrando-lhes a necessidade de mais profundas e radicais transformações. É na luta que se cria a consciência de classe. Atualmente, onde há luta falta organização e consciência de classe e onde está esta não se divisa a primeira.
Que parte do "Proletários de todo o mundo uni-vos" é que nos está a escapar?
Concordo quase plenamente, deixando de lado a conservadora territorialidade do país com odor a inexplicáveis nacionalismos e substituindo-os pela humanidade e o internacionalismo proletário.
E Cuidado.
O sindicalismo começou a perder o comboio quando não soube antecipar a ofensiva ideológica com que o capital acompanhou a precarização e o endividamento dos trabalhadores, formas de fortificar o exército de desempregados usado pelo capital para combater os direitos do trabalho.
Perdeu-o quando não soube identificar a massiva terceirização do trabalho proporcionada pela, ainda em fase de plena implantação, robotização dos setores primário e secundário.
Se quisermos voltar a colocar o sindicalismo no centro da luta de classes, se quisermos fazer dos sindicatos veiculos de progresso social, se quisermos que o sindicalismo lidere o proletariado (que hoje, no ocidente imperialista, transcende já largamente o operariado) nas imprescindiveis transformações sociais que dêem lugar a outras formas de propriedade dos meios de produção, importa ir além da denúncia dos males do teletrabalho, importa procurar e encontrar as formas de mobilizar as massas de tele-proletários precarizados, desprotegidos e sobre-explorados que inexoravelmente vão ocupar o lugar dos grandes e ineficientes centros de escritórios.
A robotização e a generalização do tele-trabalho são felizmente imparáveis, tal como imparável foi no século XIX a industrialização dos setores primário e secundário que exterminou o garimpo e a produção artesanal, e no século XX, a informatização e as comunicações, que revolucionaram os setores terciário e financeiro, e como o são em qualquer momento histórico as deslocações massivas de sobre-explorados das terras da fome e da guerra para as do pão e do mel. Chama-se processo histórico segundo os canhanhos do marxismo-leninismo.
Marx e Engels souberam ver e exprimir no século XIX a inexorabilidade da emancipação humana do trabalho com dor, imposto pela necessidade de sobreviver, rumo ao prazer do trabalho criativo voluntário, numa sociedade em que os meios de produção fossem propriedade colectiva de todos os produtores.
Cabe-nos a nós encontrar as formas de impor a distribuição justa e equitativa dos frutos do trabalho. Para tal não podemos deixar-nos encurralar em meros discursos de denúncia ou tentativas de parar ou mesmo retardar a enxurrada.
Para voltarmos a colocar o sindicalismo no centro da luta de classes, temos de procurar e encontrar os meios, as formas, os discursos e as acções que nos permitam voltar a mobilizar as massas proletarizadas que nem disso têm consciência, identificá-las e trabalhar no seu seio, temos de reaprender o proselitismo dos dealbares sindicalistas, resgatar das mãos religiosas as instituições de caridade transformando-as em palcos de solidariedade que nos permitam dialogar com os mais desprotegidos. Não podemos deixar-nos encurralar em nacionalismos conservadores mas antes procurar e encontrar, muito além das imprescindiveis solidariedades internacionalistas, a internacionalização das causas e das lutas por essas causas. Se não conseguimos fazê-lo com as nossas, temos de trabalhar nas lideradas por outros demonstrando-lhes a necessidade de mais profundas e radicais transformações. É na luta que se cria a consciência de classe. Atualmente, onde há luta falta organização e consciência de classe e onde está esta não se divisa a primeira.
Que parte do "Proletários de todo o mundo uni-vos" é que nos está a escapar?