2018/07/08

Expressões de Cultura Popular?

Ainda aceito a argumentação do Miguel Tiago que consegue evitar, navegando entre escolhos, as «expressões da cultura popular».

Não aceito que o pcp se vergue aos olés dos filhos dos latifundiários que nos incendiaram os centros de trabalho há 45 anos.

O PCP é ... Comunista ... isso implica ser a vanguarda do proletariado (eu sei, eu sei, são conceitos muito pesados), isso implica estar à frente, liderar a evolução ética, estética, social, política da época.

Estamos em 2018, o sofrimento animal, à medida que ganhamos consciência de que o planeta não está aqui para nos servir, vai-se tornando inaceitável. Em vez de liderarmos o processo, pior do que deixar a liderança para a burguesia, contrariamos o processo?

Interessante notar que enquanto os comunistas lideraram a luta pela evolução estética, cultural, social, política e ética, até meados do séc XX, fomos crescendo de forma imparável, não só no seio do proletariado, mas também entre todos os que se identificavam com essa liderança coletiva, com essa vanguarda.

Quando se consolidou o realismo-socialista como a verdadeira arte e "as tradições populares" como real expressão da cultura popular, deixámos de liderar, passámos a deixar arrastar-nos pela conjuntura. Foi causa, consequência, ou foram meros fenómenos correlacionados, ambos consequências de algum outro fator?

Sabiamos a polémica que ia dar? Se não adivinhávamos é porque continuamos muito afastados da realidade, pelo menos tanto como quando perdemos Almada na freguesia da Sobreda. Sabiamos que podia (e devia?) ser usado para ocultar a luta dos outros mamíferos, dos racionais, por melhores condições de vida? Tinhamos de pensar estrategicamente a posição face às touradas e taticamente face à proposta de projeto de lei. Não temos tempo para isso? Como também não soubemos ter sobre a morte medicamente assistida? E como não tivemos para ver a realidade na véspera de perder Almada?

Não temos tempo para tudo? Temos poucos deputados para o serviço? Uma declaração do tipo «votamos contra porque este tema é relevante e merece ser devidamente apreciado e legislado e somos contra esta tentativa de esconder a discussão (hoje!) da melhoria da qualidade de vida dos animais racionais que lhes foi roubada». Isto eu aceitaria e batia palmas. Sabia que assim que tivessemos oportunidade teriamos legislação à altura sobre a selvajaria tauromáquica.

Mas defesa das «expressões de cultura popular»!??

Quais "popular"? Dos cavaleiros de oliveira filhos e netos dos latifundiários que incendiaram (e voltavam a queimar e a matar, se pudessem, nas praças de touros!) os nossos centros de trabalho?

Popular??? Popular o Spinola e os seus apaniguados?? O Spinola das vésperas do 28 de Setembro, a apelar à maioria silenciosa que das bancadas aplaudia o seu bolorento salazarista e vaiava o Primeiro Ministro Vasco Gonçalves?

Cultura? Qual "cultura"? A da arte de espetar ferros no dorso do mamífero e fugir com os quadris do cavalo à investida dos cornos cerrados?

Cultura??? Qual? A do marialva? Da porrada na mulher quando o Benfica perde?

Qual "expressão"? A de regozijo por um ferro bem espetado nas trombas dos basbaques faz-de-conta-que-sou-latifundiário e dos quero-ter-um-porshe-comó-dele?

Se o PCP quisesse fazer alguma coisa para começar a limitar a barbárie das touradas, mesmo evitando a proibição, e eu tenho horror às proibições, por isso uso o menos possível, podia propor o fim do financiamento público das touradas, o fim da emissão das touradas, remetê-la para os canais pagos, proibir-lhe a publicidade em locais públicos como se faz com outros tipo de pornografia, aumentar o IVA dessa "indústria de entretenimento" e aproveitar para voltar a propor a diminuição do IVA na cultura, do teatro e da música, ... legislar sobre o tamanho e espessura dos ferros que se podem espetar no dorso do mamífero e sobre a àrea de dorso que pode ser, legalmente, coberta de sangue e sobre os decilitros de sangue que o mamífero pode cuspir até ser retirado da arena, ainda vivo, e libertado na campina até ao fim de semana seguinte.

Se o PCP se opusesse à proposta do pan pelas suas fragilidades, ou pelo momento em que foi apresentada, tinha bom remédio, apresentava outro projeto de lei ou dizia claramente: votamos contra porque isto é uma provocação destinada a esconder o que hoje se vota de realmente relevante: o direito a uma vida condigna para os animais racionais, vamos deixar a discussão a sério dos direitos dos irracionais para outra altura.

Não o fez. Embrulhou-se na defesa de um conceito retrógrado e semi-paternalista de cultura popular.

Um dos erros desta posição reside nessa visão retrógrada e semi-paternalista de cultura-popular, uma visão que no limite ainda obrigaria a legitimar outras "tradições", bem mais “populares, diga-se de passagem, recentemente proibidas (por iniciativa de quem, com propostas de quem e os votos de quem?) no âmbito de legislação apropriada. Barbariedades como queimar gatos para subirem a postes, ou as há mais tempo ilegalizadas lutas de cães, nunca chegaram a cair debaixo do recente guarda chuva pseudo-cultural e neo-patrioteiro das «expressões de cultura popular», expressões de selvajaria antes apadrinhadas por um fascismo salazarento como forma de deixar os basbaques verem os filhos dos latifundiários a pavonear-se em cavalos ajaezados e que nós tão bem caricaturizámos pela voz do Fernando Tordo vão lá mais de 40 anos.

O meu problema é ver o pcp a deixar cair o caráter decisivo de vanguarda para se remeter a pseudo-multiculturalismos que relativizam os aspetos retrógrados das “tradições”, mais das vezes impostas como escapes por um fascismo salazarento. O meu problema é vê-lo a vergar a neo-patriotismos conjunturais e seguidistas. Irrita-me, deixa-me triste e preocupado, muito preocupado. Pela segunda vez em poucos meses.

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