Perante o brutal assalto do capital aos direitos do Trabalho, a central sindical portuguesa decidiu fazer do dia do trabalhador um dia de luta pelo trabalho digno e com direitos.
Acordou com a Direcção Geral de Saúde as normas de segurança sanitária, chamou 800 activistas sindicais, transportou-os aos grupos de 16 em autocarros de 60 lugares, com máscaras e dispensadores de gel desinfectante e, ordeira e organizadamente, os 800 activistas colocaram-se a 4-5 metros uns dos outros com a bandeira do seu sindicato a representar o trabalho que paga a crise. Em Lisboa, Porto e mais 16 capitais de distrito o trabalho esteve na rua graças à coragem dos seus activistas sindicais.
E sim, os activistas sindicais deslocaram-se dos conselhos limítrofes até à Alameda cumprindo as regras de distanciamento social e ao abrigo da lei que permite deslocações por motivos laborais, e de facto eles foram trabalhar em prol dos nosso direitos.
Cumpriram-se as regras de distanciamento social e mostrou-se ao país o crescente número de desempregados, a precariedade a justificar desemprego, os despedimentos abusivos e fora da lei, os recursos ao lay-off por empresas que distribuem lucros, as necessidades de quem já nem trabalho tem, a fome mais mal do que bem escondida,
É dever de cada um de nós reconhecer o valor de quem ali esteve, por nós, a fazer ver ao capital que não é por termos de ficar em casa, que nos vamos deixar roubar sem dar luta.
E ela vai ser necessária para reverter o big brother que se agigantou a reboque da pandemia.
Aqui ficam outras opiniões à revelia da ideologia dominante e dominada pelas aChegas ben-turristas.
Os indignados
(Anabela Fino, Avante!, 2020/05/07)
«É inaceitável.» «É uma pouca vergonha.» «Assim não!» A ruidosa indignação, revolta, fúria, ira, raiva de Rui Rio, logo secundada pela opinião publicada de uns quantos cães de guarda do establishment e replicada por quantos, no seu profundo reaccionarismo ou infinita ignorância não atinam em distinguir emergência sanitária de emergência totalitária, é digna de registo.
E porquê? Porque numa altura em que o País tem um milhão de trabalhadores em lay-off e mais de 350 mil desempregados, o que os indigna é a ousadia da CGTP em comemorar o 1.º de Maio.
Porque numa altura em que as empresas estão a descartar os trabalhadores com vínculos precários – em 2019 havia cerca de 850 mil sem contrato de trabalho permanente, embora a esmagadora maioria ocupasse postos de trabalho permanentes – o que os revolta é o facto de a CGTP e os malvados dos comunistas, claro, não abrirem mão do direito a assinalar o dia do trabalhador.
Porque numa altura em que milhões de trabalhadores sofrem as consequências das opções políticas e económicas ditadas pela União Europeia, agora agravadas pela pandemia, o que os enfurece não são as brutais perdas nos magros salários, de um terço ou mais, de quem trabalha, mas sim que os legítimos representantes dos explorados tenham a coragem de prosseguir a luta.
Porque numa altura em que disparam os atropelos aos direitos laborais – férias forçadas, pressão para baixas médicas, pressão para licenças sem vencimento, alteração de horários de trabalho, confinamento forçado, etc., etc., etc. –, o que lhes desperta a ira é que a CGTP e os malvados dos comunistas, claro, não abdiquem de ser a voz que não se cala.
Quem ouviu os «indignados de Maio» podia pensar que o País devidamente confinado tinha vindo à janela num monumental caçarolaço de protesto. Qual quê! Foi mesmo só nos media e nas redes sociais, no velho jogo de espelhos para simular multidões.
Quem não soltou um pio quando a Altice, só para dar um exemplo, mandou trabalhadores madeirenses para casa com um corte de 50% nos vencimentos, deixando-os a receber cerca de 300 euros, não obstante ter tido no último ano 814 milhões de euros de lucros antes de impostos, só em Portugal, ficou tão enraivecido com a celebração do 1.º de Maio que contou «milhares» onde nos anos sem restrições só a custo conta «centenas».
Quem do computador não enxerga a «insegurança de transportes públicos a abarrotar, locais de trabalho em que não se garante o distanciamento físico nem a provisão pelas entidades patronais dos equipamentos de protecção individual, a que se junta a pressão e chantagem», nas palavras de CGTP, indignou-se contra a liberdade e a democracia e bolsou ódio de classe. Nada de novo. É por isso que há Maio.
E o rapaz do 10 de Junho volta a atacar
(Vitor Dias, O Tempo das Cerejas, 2020/05/02)
Sobre tudo isto mas também a pensar nas pessoas respeitáveis que alinharam no incómodo e oposição à iniciativa da CGTP, aqui ficam 8 pazadas de cal:
- as celebrações do 1º de Maio estavam expressamente referidas como excepção no decreto (que Rui Rio aprovou) do estado de emergência o que protege explicitamente as deslocações inter-concelhos que a iniciativa englobou ;
- as iniciativas da CGTP foram acertadas ao pormenor com as autoridades de saúde e ninguém consegue invocar a mais pequena violação das regras de protecção e segurança recomendadas;
- os autocarros transportaram apenas 16 pessoas cada um com distribuição de gel desinfectante;
- como as imagens documentam, as filas de activistas (com máscaras) estavam distanciadas 5 metros e dentro de cada fila a distância era de 3 metros;
- os críticos da CGTP que a este respeito falaram da «ordem» para estar em casa (JMT proclama mesmo absurdamente que «todos os portugueses necessitam de permanecer em estrito confinamento doméstico» ) esquecem-se de que todos os dias centenas de milhares de trabalhadores saem de casa para ir trabalhar e muitas vezes em transportes públicos onde não há 3 metros de distância;
- estes mesmo críticos, tal como eu, quando andam nos passeios das nossas ruas e se cruzam com outros cidadãos não conseguem, em regra, manter uma distância de 3 metros;
- anoto que jamais verei J.M. Tavares e Rui Rio referirem-se a qualquer iniciativa da UGT associando-a ao PS e ao PSD;
- registo que J.M. Tavares, ao acenar com a compra pelo governo da paz social de que precisaria, mostra que 50 anos de vida da CGTP não lhe ensinaram nada sobre esta central sindical.
Na linha da frente
(Ladrões de Bicicletas, 2020/01/01)
Vamos comemorar este 1º de Maio num momento de grande complexidade no país e no mundo. A actual situação de pandemia inspira cuidados a todos, mas atinge de forma particular os trabalhadores. São os trabalhadores que estão na linha da frente deste combate, assegurando os serviços públicos, a produção de bens e serviços essenciais entre outras funções. Sem os trabalhadores nada funciona!
Assim começa a resolução da CGTP neste 1º de Maio. Afinal de contas, de quem depende o funcionamento de tudo o que tem valor, a criação de tudo o que tem valor?
Esteve bem o maior movimento social deste país em mostrar desta forma a força e a disciplina do trabalho organizado. E tudo em conformidade com a Direcção-Geral da Saúde, como sempre foi óbvio para quem não tem preconceitos.
Há quem prefira um sindicalismo virtual, cedendo à campanha em curso também contra o 1º de Maio. A CGTP não cedeu. Está na linha da frente. Vamos precisar de um movimento social assim.
A luta de classes existe de forma cada vez mais nítida e eles querem continuar a ganhá-la, usando esta crise com mais um pretexto.
Acusar quem luta no espaço público «não é compatível com a democracia»
(AbrilAbril, 2020/05/03)
A CGTP-IN lembra que esteve na rua «por direito e por dever» e que as acções do 1.º de Maio cumpriram as regras do distanciamento sanitário.
Centenas de activistas e dirigentes sindicais cumprem as regras de distanciamento nas celebrações do 1.º de Maio, na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa
Créditos
«As iniciativas que a CGTP-IN realizou no 1.º de Maio em 24 localidades deram voz aos milhões de trabalhadores que em Portugal estão a sofrer as consequências das opções e desequilíbrios das medidas decididas no plano económico e social, que estão a ser brutalmente agravadas no quadro do surto epidémico», refere a Intersindical numa nota emitida este domingo, na qual «repudia veementemente o exercício persecutório aos que ousam lutar ocupando o espaço público».
A posição surge dois dias depois de as acções levadas a cabo no Dia do Trabalhador terem denunciado abusos e exigido medidas que valorizem o trabalho, com respeito integral pelas regras de segurança e protecção individual e colectiva, com alguns sectores a ensaiar um exercício de silenciamento das reivindicações.
A CGTP-IN entende que «tal acção não é compatível com a democracia», sublinhando que, nomeadamente na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, os activistas deslocaram-se de vários pontos da área metropolitana «em transporte individual ou em autocarros, cuja lotação não ultrapassou um terço da capacidade, usando todos os equipamentos de protecção individual».
«Não houve proximidade entre trabalhadores, nem o habitual convívio, mas apenas o exercício de um direito que conquistámos em Abril de 1974 e do qual não abdicamos», lê-se no comunicado.
A central sindical insiste que, não só cumpriu «todas as regras», como exige que as mesmas sejam efectivadas para os que diariamente são confrontados com a «insegurança de transportes públicos a abarrotar, locais de trabalho em que não se garante o distanciamento físico nem a provisão pelas entidades patronais dos equipamentos de protecção individual, a que se junta a pressão e chantagem», e a «imposição de directrizes que violam direitos fundamentais, numa acentuação da exploração».
Lembra, por outro lado, que tem «propostas alternativas» capazes de «romper com a política que gera desigualdades, precariedade, baixos salários» e que, sustenta, «mantém o País amarrado a uma economia assente na fraca incorporação de valor acrescentado e sujeita a instrumentos supranacionais que atacam o desenvolvimento soberano».
A formação da Intersindical em 1 de Outubro de 1970 (I)
A Intersindical no limiar do 25 de Abril – 1970-1974 (II)
O Vírus como Instrumento do Big Brother Global
(Aram Aharonian, Estratégia.la/O Lado Oculto, 2020/04/29)
A pandemia de COVID-19 é mais que um “cisne negro” (um facto inesperado, pouco frequente). A pandemia certamente passará, mas a crise ficará – a social, a económica, a política – significando um mundo diferente que nem os mais ousados cientistas sociais e politólogos podem imaginar, com uma estimativa de mais de três mil milhões de desempregados.
A necessidade de “ficar em casa” obrigou trabalhadoras e trabalhadores a continuarem a produzir a partir dos seus lares na modalidade de “teletrabalho”; professores e estudantes continuam com parte das matérias dadas de maneira virtual; e também os grupos de risco, entre os quais se encontram os pensionistas, são obrigados a todas as reservas de actividade.
Em que mundo irão viver as novas gerações? No mundo feliz (Admirável Mundo Novo, 1932) do britânico Aldous Huxley as pessoas vivem drogadas com o imaginário “soma” e felizes, manipuladas por um plano superior em que a ciência de ponta serve apenas uma estrutura de dominação.
Não temos “soma”, mas na verdade temos Netflix e um número infinito de aplicações e serviços grátis elaborados especificamente para nos convertermos em adictos felizes e nos verdadeiros recursos que geram a acumulação de riqueza no novo capitalismo – o capitalismo de vigilância – que formata o mundo. Nunca nos sentimos tão livres apesar de sermos observados ininterruptamente.
O ser humano converteu-se num terminal de fluxos de dados. Hoje sabemos que com este conhecimento se podem influenciar, controlar e dominar totalmente as pessoas, através dos algoritmos e da inteligência artificial. A pandemia suscitou a voracidade dos vendedores de dispositivos de vigilância e de tecnologia de rastreio de pessoas, pressupondo-se assim que a ciência dos dados será essencial para derrotar o inimigo invisível.
Entusiasmados com o êxito da China e da Coreia do Sul (entre outros países asiáticos) no combate ao COVID-19, dirigentes políticos de democracias liberais, de direita e ditos de esquerda revelam-se encantados com a capacidade de controlo dos dispositivos digitais e do modelo estatístico dos algoritmos que apuram padrões e fazem previsões.
Câmaras, software, sensores, smartphones, aplicações, detectores são apresentados agora como as armas mais sofisticadas para combater o vírus… e para domesticar populações.
Extrair dados, vender previsões
A indústria de telecomunicações e informática – que juntamente com a farmacêutica serão as ganhadoras desta crise – prospera graças a um princípio básico que é o de obter dados pessoais e vender previsões sobre os comportamentos dos utilizadores aos anunciantes. Até agora conseguiam-se prognósticos que facilitavam a previsão de factos, acontecimentos (e a sua manipulação, claro), mas não de certezas.
As empresas (e os governos) perceberam que para aumentarem os lucros (financeiros mas, sobretudo, de manipulação) seria necessário conseguir modificar os comportamentos humanos em grande escala.
A mão de obra deixou de estar configurada por empregados que recebem um salário em troca de trabalho, mas sim por utilizadores de aplicações e serviços gratuitos, satisfeitos por adquiri-los em troca de cederem, sem consentimento, um registo das suas experiências de vida a múltiplas empresas.
No novo capitalismo, os dados pessoais acumulam-se para produzir os bens que serão postos à venda no mercado: previsões sobre nós próprios. Os proprietários dos meios de produção não são mais do que os possuidores do monopólio do negócio digital: Google, Facebook, Apple e Amazon, sublinha Patricia Serrano na publicação espanhola El Economista.
As medidas de excepção adoptadas, a chamada flexibilização de direitos, os cortes de salários, a falta de respeito pelos princípios básicos da cidadania, as violações de privacidade com o objectivo declarado de enfrentar o vírus e a crise poderão deixar de ser ocasionais para se tornarem permanentes. E até ampliar-se. O vírus não destruirá o capitalismo. Tudo indica que a vigilância (policial, cibernética) conseguirá consolidar-se.
“Acima das pessoas”
O capitalismo industrial, com todas as suas crueldades, era um capitalismo para as pessoas. No capitalismo de vigilância, pelo contrário, as pessoas são, acima de tudo, fontes de informação. “Não é um capitalismo para as pessoas mas que está acima das pessoas”, afirmou Shoshana Zuboff, professora emérita da Harvard Business School numa entrevista à BBC.
A tua smartTV observa-te. Mas também o teu telefone, o teu automóvel, o teu robot de limpeza, o teu assistente de Google e até essa pequena pulseira que conta o número de passos que dás. Uma pista: todos os produtos identificados com a palavra smart ou que incluem a referência de “personalizado” comportam-se como fiéis soldados ao serviço do capitalismo de vigilância – resume Shoshana Zuboff.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor da Universidade das Artes de Berlim e autor de uma dezena de livros, aprofunda esta ideia: “O ser humano é um terminal de fluxos de dados, o resultado de uma operação algorítmica. Com esse conhecimento podem influenciar-se, controlar e dominar totalmente as pessoas”.
“Na prisão há uma torre de vigilância. Os presos não podem ver nada mas podem ser vistos. Actualmente estabelece-se uma vigilância na qual os indivíduos são vistos mas não têm a sensação de vigilância, mas sim de liberdade”, explica Byung-Chul Han na sua obra “A expulsão do diferente”, que analisa o impacto da hipercomunicação e da hiperconexão na sociedade.
“Liberdade enganadora”
Para Han, a sensação de liberdade que brota dos indivíduos é enganadora: “As pessoas sentem-se livres e despojam-se voluntariamente. A liberdade não é restringida, mas sim explorada. Acrescenta que “a grande diferença entre a internet e a sociedade disciplinadora é que nesta a repressão sente-se. Hoje, pelo contrário, sem que estejamos conscientes somos dirigidos e controlados”.
Paloma Llaneza, advogada, especialista em cibersegurança e autora de Datanomics, sublinha que o consentimento na realidade não existe quando escrevemos os nossos dados pessoais para fazer o download ainda mais rápido de uma aplicação grátis ou receber uma newsletter semanal. “O consentimento é uma das grandes mentiras da internet”, diz.
O problema começa quando os nossos são usados para outras finalidades e cedidos a terceiras empresas que pretendem conhecer-nos melhor e extrair um perfil de como somos. “Sem sabê-lo, o utilizador pode estar a ser scaneado em redes sociais e daí extrai-se o perfil de quem é. Só com as fotos no Instagram podem deduzir-se aspectos comportamentais”, explica Llaneza.
Enquanto alguns dirigentes políticos apelavam à “unidade” na guerra contra o inimigo invisível e os negacionistas arrastavam a sua gente para o genocídio apareceram algumas linhas de fractura. Através das redes sociais (e dos protestos batendo caçarolas) obrigavam-se os governos a adoptar medidas drásticas para proteger as populações, a saúde comum.
O coronavírus afecta toda a indústria de manufacturação de elevada componente tecnológica (incluindo a indústria automóvel, aeronáutica e de telecomunicações) basicamente porque a sua produção implica aglomeração de pessoas, não é considerada essencial e, em definitivo, ajusta-se às projecções da procura, nada alentadoras hoje em dia.
Nesta análise apenas escapam alguns sectores, principalmente de serviços, entre os quais temos o caso das OTT (over the top), as empresas de telecomunicações que oferecem serviços de streaming. Ou seja, usam a internet para chegar aos utilizadores com vídeo (Netflix), áudio (Spotify) ou mensagens (Whatsapp, do Facebook) e/ou aplicações de teleconferências (como Skype ou Zoom).
Com o isolamento social, as plataformas que recolhem dados pessoais e os vendem no mercado caminham para converter-se não só em grandes intermediárias do entretenimento mas também da educação, o que não pode aceitar-se como algo natural e muito menos como solução excepcional”, considera Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal de ABC, Brasil.
O COVID-19 passará certamente. O neoliberalismo é uma pantomima que durante quatro décadas infectou até forças ditas de esquerda, que deveriam tê-lo combatido. Enfrentamos duas pandemias…
*Jornalista e especialista de comunicação do Uruguai. Master em integração. Fundador da Telesur. Preside à Fundação para a Integração Latino-americana (FILA) e dirige o Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE)
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