2024/07/28

Sobre culpados e inocentes, invasores e invadidos, democracias e quando nos dá jeito

Eu já tinha prometido a mim mesmo não voltar ao tema e preocupar-me com a Palestina e o ressurgimento do neo-nazismo que são temas interessantes, mas como este meu amigo já escreveu tudo e eu concordo com tudo o que ele por aí verte, vou voltar ao assunto.

Sem titulo

(José Braz, Facebook, 2024.07.28)

[nome de um senhor] Ajudar a Ucrânia é ajudá-la a sentar-se à mesa das negociações, não é dar-lhe armas para continuar(mos) a matar ucranianos.

1. Ajudar a Ucrânia teria sido respeitar a vontade ucraniana expressa nas urnas (em eleições presidenciais vigiadas pela UE, pelos EUA e pela OCDE e reconhecidas pelo Ocidente Alargado como justas e democráticas) em vez de deixar a Victoria (Fuck Europe) Nulland, às ordens do então Vice-Presidente Joe Biden, organizar o golpe de estado de 2014 que pôs no governo os nacionalistas neonazis assumidos.

2. Ajudar a Ucrânia teria sido ajudá-la a cumprir os acordos de Minsk, abalizados pela F.R., U.K., França e Alemanha (entretanto assumidos como resolução do Conselho de Segurança da ONU) que reintegravam as províncias separatistas do Donbass como repúblicas com elevado grau de autonomia e (re)estabeleciam o principio da neutralidade ucraniana, em lugar de os usar para ganhar tempo, rearmar a Ucrânia e manter a guerra civil no Donbass que entre 2014 e 2022 matou 28 000 civis (como acabaram por reconhecer a Merkel e o Hollande).

3. Ajudar a Ucrânia teria sido ajudá-la a aceitar e reconhecer os acordos de Istambul, rubricados pelos representantes ucranianos nas negociações em Março de 2022, e que restabeleciam a soberania da Ucrânia nos termos dos acordos de Minsk, em lugar de enviar o Boris (Brexit) Johnson a Kiev dizer ao Zelenskiy que o Ocidente Alargado não poderia garantir a segurança da Ucrânia nos termos desses acordos mas que, se optasse pela guerra, o Ocidente Alargado, lhe fornecería os meios para a Ucrânia se defender e derrotar a Federação Russa, até ao último ucraniano (o regime de Kieav não teve em conta o subentendido de que os EUA e seus apêndices defendem sempre as liberdades, nas terras dos outros, até ao último afegão, líbio, croata, vietnamita ... e quando já não há mais afegãos, líbios, croatas ou vietnamitas para morrer se retiram calmamente para o quentinho dos seus países).

Já sobre democracias e liberdades importa lembrar que, tal como Churchill fez logo no principio da 2ª guerra mundial, também o regime ucraniano proibiu todos os partidos, alguns mesmo com deputados eleitos na RADA, que se opunham à guerra. Foram 11, onze partidos proibidos em 20 de Março de 2022.

Tudo o que fosse de esquerda ou parecido foi ilegalizado. Os sociais democratas de lá? Ilegais por pró-russos! O PS de lá? Ilegal. Pró-russo! Nem falo dos vários partidos mais ou menos comunistas porque esses são sempre os primeiros a serem ilegalizados pelas democracias. Na Rada ficou o Svaboda e os que lhe estavam à direita. O quê? O Churchill não proibiu os partidos pró-nazis no inicio da 2ª guerra? Talvez porque fossem de extrema direita e não de esquerda? Talvez tenha sido por isso, ou por isso, ou porque a Grâ-Bretanha ainda tinha preocupações em parecer uma democracia.

Talvez seja mesmo de fazer notar que o Churchill foi eleito em Maio de 1940, já em plena guerra na europa, enquanto os "democratas" ucranianos, legalmente claro, uma vez que o estado de sitio está em vigor, se vão mantendo com os resultados da eleições de 2020 em que o Zelenskyi foi eleito com um programa eleitoral de pacificação e restabelecimento dos acordos de Minsk, merecendo por isso uma esmagadora vitória no Donbass, programa esse que rapidamente guardou na gaveta quando os nacionalistas (neonazis!) lhe explicaram que qualquer tentativa de levar à prática as promessas eleitorais conduziria à sua rápida eliminação física.

Ainda sobre democracias e liberdades, e como elas são valiosas para o Ocidente Alargado, lembro-lhe como os EUA criaram e apoiaram os Libertadores Mujahedin's (fundamentalistas islâmicos) afegãos para expulsarem os invasores bolcheviques (que defendiam um regime laico).

Ou como puseram no poder o sanguinário Xá do Irão, com um golpe de estado que depôs o regime democrático nacionalista iraniano, para 30 anos mais tarde ver a "nossa" ditadura sanguinária do Xá ser deposta pelos ayatollahs a que demos abrigo na Europa ... ou como apoiámos o "democrata" Saddam, que chacinou comunistas e nacionalistas para se impor como aliado do Ocidente, enquanto ele ajudou esse Ocidente a combater o Irão, e o entregámos à turba quando ele quis ser pago em petróleo do golfo.

Ou ainda como o Rei da Arábia-Saudita era um democrata que combatia as insurgências nacionalistas do mundo árabe, até ao dia em que cortou em postas o agente da CIA que andava a preparar a sucessão que mais convinha ao ocupante de serviço da sala oval. E sobre democratizações os exemplos são tantos que nunca mais saíamos daqui e a resposta já vai longa.

Sabe, [nome do senhor], é fácil ver o mundo a preto e branco: os russos são os invasores, os russos são os culpados, o Putin é maluco e quer conquistar a Europa e roubar-nos as liberdades! Mas (felizmente) o mundo e a história não são a preto e branco, são a cores e se não integrarmos o conhecimento histórico nos nossos juízos de valor, facilmente acabamos a navegar na espuma dos dias ao sabor do último twitter ou do mais recente whatshapp bolsonarista.

Se na leitura deste embróglio da guerra na Ucrânia, que quanto mais dura mais arrisca tornar-se numa hecatombe nuclear, não integrarmos um bocadinho de geografia, demografia, história e geopolítica, arriscamo-nos a fazer leituras simplistas que em nada contribuem para resolver o problema.

Peço-lhe que vá ao sótão buscar o globo dos seus filhos e olhe para ele, não para o mapa plano que lhe comprime o tamanho, e veja o tamanho da federação russa. Por segundos, ponha de lado o que o milhazes diz que pensa e que o isidoro efabula. Olhe só para o globo que tem à frente. Pensando com a sua cabeça, ainda acha que a Rússia se metia numa guerra para ocupar mais território?

A Rússia tem 147 milhões de habitantes, a esmagadora maioria na parte europeia. Se não me engano para lá dos urais há 10 milhões de Russos (mais coisa menos coisa). Ainda acha que o Putin quer mais território quando tem meio planeta desabitado à espera de ser explorado?

Quantas vezes é que a Rússia entrou pela europa dentro? Duas: a dos czares atrás do Napoleão e depois voltou ás suas fronteiras históricas; e a soviética atrás do Hitler e, depois de acordar com o ocidente umas áreas de influência que prevenissem futuras leviandades ocidentais, voltou às fronteiras históricas.

Quantas vezes é que países europeus quiseram uma fatia da Rússia? Além do fracassado Napoleão que chegou a Moscovo, a Inglaterra e a Turquia quiseram bocados da Crimeia, a França quis um bocado da ucrânia no litoral do mar negro, a europa capitalista entrou pelo ártico e pela parte ocidental para acabar com o poder bolchevique,  e finalmente o nazismo chegou às portas de Moscovo até ser corrido da Europa Oriental pelo exército vermelho soviético. Quem é que o João Santos acha que deve ter medo de quem?

No rescaldo da guerra fria, quando o Gorbatchev extinguiu o Pacto de Varsóvia, o Clinton da época prometeu-lhe que a NATO não se alargaria para leste e que não haveria bases da NATO na Alemanha oriental. Quando o Putin foi eleito, a primeira coisa que quis foi entrar para a NATO e para a UE, e os EUA usaram essa ingenuidade para ir alargando a NATO até às portas da Ucrânia. E foi então, em 2008, que o já não tão ingénuo presidente da Federação Russa bateu com a mão na mesa e disse ao ocidente que já chegava de alargamentos. E era ou isso ou entornava-se a sopa toda. E pronto, em 2014 os EUA e seus apêndices decidiram entornar a panela da sopa e começar a incorporar a Ucrânia e a Geórgia na NATO.

Imagine que os russos tentavam integrar Cuba e a Venezuela numa aliança militar "defensiva"? Afinal a Rússia está tão longe de Cuba como os EUA estão da Ucrânia e tanto Cuba com o Maduro estão desejosos de entrar para o Tratado de Defesa Coletiva. Eu respondo: da última vez que os Russos (então ainda Soviéticos) quiseram pôr misseis em Cuba, o Kennedy bateu com o punho na mesa e disse-lhes que tinham 48 horas para os tirar de lá, depois disso ele carregava no botão. Felizmente, nesses idos de sessenta, os dirigentes não eram tão bananos com os atuais e lá chegaram a um acordo: os EUA comprometeram-se a não voltar a tentar invadir Cuba (pois), retiraram os misseis de médio alcance da Turquia, os russos os de Cuba, e ambos tiraram os dedos dos botões.

Desde 1959 que Cuba exige que os estados unidos abandonem a base de Guantánamo que estes últimos ocupam (ilegalmente) em Cuba. Imagine que Cuba atacava a base para recuperar o seu território, ilegalmente ocupado com uma base norte americana? Como responderiam os EUA? Precisamente, foi assim que a Rússia respondeu quando o regime ucraniano se preparava para exigir a sua saída das bases que tem na Crimeia. Como, ainda por cima, 90% da população da Crimeia era russófila, fez um referendo e anexou a coisa. Foi mais do que a NATO fez com a independência da Croácia que nem a referendo teve direito.

Sabe como é que eu vejo o imperialismo russo? Como o "puto" que queria jogar à bola com os crescidos. Tudo o que o Putin queria era jogar à bola com os EUA, a NATO e a UE. E os crescidos prometeram-lhe que sim, que quando crescesse mais uns aninhos podia jogar com eles, e que, até lá, até o deixavam ver os jogos desde que ele fosse apanhando as bolas que saiam do campo. O Putin esteve uns anos a crescer e a apanhar bolas e vai ele, um dia, chateou-se e furou-lhes a bola com uma naifa. E agora aqui del rei que o puto nos furou a bola só porque o andámos a endrominar meia dúzia de anos. Agora resta-nos ter esperança que se sentem todos numa almoçarada a combinar quem é que joga com quem e em que campos para pelo menos não andarmos a mandar pedradas para o campo do adversário porque assim ninguém joga á bola.

Enfim, caríssimo [nome do senhor], é preciso ver para além da espuma dos dias, do senso comum e do "Quem é que invadiu quem?". A Geografia, a Demografia, a História e a Geopolítica são áreas de conhecimento essenciais para navegarmos na espuma dos dias sem cairmos nas estórias do "são todos iguais e todos uns corruptos, todos uns culpados" cantadas pelos Andrébices Venturistas deste mundo.

2 comentários:

  1. Texto simples, claro, rigoroso no seu conteúdo, e esclarecedor. As realidades para serem assimiladas têm de ser diretas e rigorosas. O que é o caso. As imagens e os seus conteúdos ajudam ao esclarecimento. PARABÉNS

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