2017/12/10

Dicionário de Assepticismos ou Ideologia Dominante?



«A CIA já não mata ninguém, neutraliza pessoas ou desocupa zonas. O governo já não mente, envolve-se em desinformação. O pentágono mede radiação numa coisa a que chama unidades de brilho solar. Os assassinos israelitas chamam-se comandos e os árabes terroristas».

Não sou eu que o digo, é um tal de George Carlin, comediante e ativista com um humor alegadamente bastante negro. Tomando-o como mote, aproveito para listar alguns dos meus favoritos, grande parte deles com raizes no bolorento Estatudo do Trabalho Nacional do botas:

Ajustes Estruturais - Miserabilização generalizada para os mais pobres imposta pelo FMI aos países que já não conseguem pagar a usura da finança globalista. VTbm Pacto Social e Austeridade Expansionista.

[Os] Ativistas Laborais - Prova acabada do horror que os meus amigos bloquistas têm ao trabalho e aos sindicatos de classe é o novo conceito de ativismo laboral. Mais abrangente, menos proletário, mais intelectual [sei lááá!], serviu de chapéu para reunir as parcas centenas de adeptos do bloco que se ocupam dessas trivialidades. Antes chamávamos-lhes sindicalistas, sei lááá!

Austeridade Expansionista - Leia-se austeridade-para-o-trabalho-e-os-salários expansionista-para-o-capital-e-a-usura. Política do FMI destinada a roubar o trabalho para pagar as dívidas dos empréstimos que o capital contraiu para jogar na bolsa dos mercados mundiais. Vtbm Ajustes Estruturais e Pacto Social.

Bairros Precários - Nada disso! Não, não são bairros com contratos a prazo. São os antigos e démodès bairros da lata, agora feitos de plástico, nylon e cartão, rebaptizados na capa do público de 2018/04/06.

Campos de Triagem - ... a criar em países do norte de áfrica ou do médio oriente. Errado! Não, não são campos de tendas brancas rodeados por cercas de madeira, com médicos e enfermeiros, destinados a conter epidemias de ébola ou de cólera. Campos de triagem é o eufemismo inventado pelos governos da UE para campos de tendas amarelas e telheiros, rodeados por arame farpado, destinados a "alojar temporariamente", leia-se prender em regime de morte lenta, os migrantes resgatados das águas mediterrânicas, até se concluir se são legais por estarem a fugir das guerras que os governos da UE fomentam nas terras deles, ou se são ilegais, por estarem a fugir da fome que os governos ocidentais fomentam no sul global.

Campos de Retenção - ... a criar nos países da UE que para tal se voluntarizem. É verdade, a ideia é que sejam, não verdejantes campos de golfe rodeados de elevadas sebes, mas campos daqueles com barracos de madeira, ou tendas de campanha, ou uns telheiros de zinco rodeados de arame farpado. Chamavámos-lhes campos de concentração, lembram-se? E serviam para "concentrar" os diferentes a caminho do matadouro. Hoje os governos europeus decidiram abrir campos de concentração, perdão, de retenção, para prender, perdão, reter, migrantes que entrem ilegalmente no espaço da UE. Lembram-se? Nós chamávamos-lhes c a m p o s   d e   c o n c e n t r a ç ã o.

Choque fiscal - inversão do valor semântico que a direitalha liberalha, mascarada de socialmente procupada, usa para esconder o corte de impostos para os ricos e as empresas e que conduziria à falência do estado e à privatização dos cada vez menos serviços disponibilizados à população.
[Os] Colaboradores - Os trouxas que aceitam ver pago em "Espírito de Equipa" o trabalho que executam para o patrão. Antes chamávamos-lhes trabalhadores. (Ver o Apêndice com um texto escrito de acordo com o Acordo Onomástico do Patronato Português)

Comentariado - De acordo com (José Goulão, 2024) trata-se de um conceito agregador d'«o conjunto de pessoas acima dos cidadãos banais, iluminadas e predestinadas com níveis de sabedoria inatingíveis pelo comum dos mortais e que, por isso, ganharam assento no Olimpo dos meios de comunicação corporativos e aparentados. A gíria usa a expressão «cáfila de farsantes» para apelidar os membros do comentariado. (ver a entrada «Comentadeiros» no Wikicionário da refer&ncia)»


Compensação dos colaboradores - formas pecuniárias e não pecuniárias de "compensar" o explorado pela mais valia por ele produzida e pelo compensador extorquida.  Neologismo paleoideológico repescado na crítica de um artigo intitulado "a importância do salário emocional (*Vdf) na compensação dos colaboradores" (**Vda)

Convenção Colectiva - está aí para substituir o conhecido Contrato Colectivo de Trabalho. Vejam lá como, o que se convencionou chamar, modernização vocabular dá um jeitaço para, de uma penada, remover duas incomodidades vocabulares. Substitui-se a sacrosanta obrigatoriedade de um Contrato por uma feminina modernidade, comum e voluntariamente "convencionada", e remove-se o incómodo e tão ideológico, cruzes canhoto, termo trabalho. O que fica? A bela voluntariedade colectiva, patronato e trabalho juntos na mesma luta até à escravização final de quem produz.

Critérios Editoriais - ultra-objetivíssimo conceito usado pelas media nacionais para substituir a horrívelmente fascizada censura, como se pode constatar a cada telejornal que não aborda um comício comunista por critérios editoriais, não cobre a iniciativa de um candidato comunista por critérios editoriais, ou ainda pelos canais dos bolsanamão que não têm um único comentador comunista nos seus programas de opinião devido aos seus critérios editoriais.

Ditadura Constitucionalizada - é o eufemismo que a lixívia da ideologia dominante encontrou para chamar ao salazarento fascismo, constitucionalizado num plebiscito onde os votos brancos, nulos e abstenções contaram como votos a favor, juntamente com os votos dos mortos, paralíticos e dos ausentes no estrangeiro que votaram pela mão do legionário chefe de quadra.

Empregador - Eufemismo de patrão destinado a encapotar o papel de apropriador de mais valia debaixo da falsa capa de fabricante de empregos.

[As] Famílias - Anteriormente cidadãos contribuintes e trabalhadores, passaram a agora a ser tratados pelo termo a quem se "retira" ou "aumenta" os rendimentos ao sabor do dictat neo-liberal.

Flexibilidade - É o termo que, no linguajar dos capitalistas, designa a disponibilidade dos trabalhadores para serem mais explorados.

Fundo Europeu para a Paz - Criado no início deste ano [2021], trata-se, para já, de um saco de cinco mil milhões de euros para financiar operações militares no exterior geridas pela União Europeia e que incluem treino e fornecimento de armas a exércitos estrangeiro. Para a paz! Paz? ok!

Gorduras do Estado - disfemismo inventado pelo neo-liberalismo mais reagano-tatcherista para enganar tolos com bolos e convencer os eleitores de que: o serviço nacional de saúde público e universal, a educação pública e universal, os monopólios naturais como a água, as energias e as comunicações, o setor público da finança, incluindo seguros e banca, a segurança social e as pensões deveriam ser todos privatizados para emagrecer o estado e torná-lo mais ágil e eficiente. Creio que é óbvio para qualquer ser pensante que um estado tão emagrecidinho seria como o cavalo do inglês: no dia em que deixou de comer morreu e com ele a possibilidade de o inglês andar a cavalo, que é como quem diz, o que eles querem é matar os últimos resquicios de regulamentação da selva que ainda os impedem de escravizar meio mundo.

Indústria de produção de meios de defesa - É o comboio eufemisticamente retórico a que o ex-ministro da defesa xuxalista recorre para se referir aos  fabricantes de armamento, ou, como realisticamente lhes chamam os pacifistas: fabricantes de morte.

Missão - Errado! Se estão a pensar naquela igreja-católica-protestante-ou-outra-coisa-qualquer com dois padres e umas palmeiras com relva à volta, usadas para evangelizar os "nativos", tirem daí o sentido. O valor semântico foi estendido para as invasões e outros violentos ataques de menores dimensões como em: «os EUA deram por terminada a missão no Afeganistão» para referir a forma como foram expulsos pelos talibão por eles criados, financiados, treinado e armados para assassinarem, torturarem e destruirem as forças progressistas no poder durante década de 80 do século XX.

Movimento Social - no Aeroporto Paris-Charles De Gaule desapareceram as greves, agora só há movimento sociais a atrasar voos da AirFrance. Acho que esta ainda não chegou cá.

Pacto Social - nome usado pelo FMI para os pacotes de medidas de miserabilização do tecido social que obriga os governos a impor aos seus povos quando aqueles já não conseguem pagar a usura da finança globalista. VTbm ajustes estruturais e austeridade expansionista.
 
População com cargo de gestão - A bem da "inclusão" diz a ideologia dominante, ou para mascarar a real oposição entre quem manda, e é por isso pago com prebendas, e quem é forçado a obedecer, recebendo, em troca da mão de obra vendida, salários cada vez mais miseráveis, o Expesso dos bolsanamão, noticía que os gestores foram transformados em população com cargos de gestão ... a bem da inclusão. Pois.

População desempregada - Informa-nos o Expesso dos bolsanamão que, a bem da inclusão, o individual "desempregado" foi promovido a plural "população desempregada". Diria eu que já existe uma categoria para esta pluralidade, chama-se "Exército de desempregados" e serve para explicar uma das armas que o Capital usa para baixar o preço da mão de obra, mas isso são perigosos marxismos e «a ideologia dominante não deixa».

[As] Reformas Estruturais - As «reformas estruturais» continuam sempre presentes no discurso do PSD e CDS-PP, ainda que os últimos anos tenham revelado o seu real significado: cortes nos salários, nas pensões, nos direitos e nos serviços públicos.

Remuneração Mínima - a alternativa têvêista ao ideologíssimo Salário Mínimo Nacional, vulgo SMN, o famoso e perigosissimamente marxista salário ... buuuu ... fujam que vêm aí os bolcheviques com os salários deles, as explorações deles e as buuuuu ideológicas mais valias. Vamos acabar com os ultrapassados e passadistas salários do século XIX e substaituailos pelas ultra moderns remunerations high-tech.

Salário emocional - Extras não pecuniários destinados a enganar tolos com bolos. De acordo com a crítica de um artigo intitulado "a importância do salário emocional na compensação dos colaboradores" (ver definição acima) refere-se a «por exemplo, maior flexibilidade de horários e melhor conciliação com a vida familiar, acesso a programas de formação, adaptação de espaços para melhorar o bem-estar dos trabalhadores, criação de locais para exercício físico, etc. Ou seja, coisas que já existem, mas sem qualquer relação com a questão salarial. Práticas que fazem já parte do dia-a-dia de empresas decentes (e inteligentes), mas que aqui apenas são mobilizadas, num linguajar de hipocrisia delicodoce, como «compensação» pelo não aumento dos salários.»

«Não se é “precário”, é-se “flexível”. Não se leva marmita para o emprego por condicionalismos económicos, mas porque é a “nova onda”. Partilha-se casa, com 20, 30, ou 50 anos, não por causa do salário insuficiente ou da especulação imobiliária, mas porque estamos a praticar coliving. Não se sai de casa ao fim-de-semana para poupar, mas porque a nova tendência é o nesting. Seria cómico, se não fosse trágico. É este o nosso mundo. Questiona-se, e bem, práticas de consumo, mas nunca se interroga o todo sistémico. Isto não é estar na moda. É dissimular a pobreza. É estar na merda, é ser Joker e nem sequer o perceber.» Diz um cronista no Público.

* Vdf - ver definição mais à frente
** Vda - ver definição acima

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Apêndice 1: Exemplo de um texto «Escrito de acordo com o Acordo Onomástico do Patronato Português»

Quem não colaboruca não manduca
(António Filipe, Facebroncas, 2020/02/12)

A colaboração assume um papel central na vida de todos nós.

Desde logo, a Constituição consagra a sua dimensão de direito fundamental. Todos têm o direito à colaboração, refere o artigo 58.º da Lei Fundamental. Mais: consagra amplos direitos dos colaboradores, designadamente o direito à contratação coletiva da colaboração, à constituição de comissões de colaboradores e o direito à colaboração em condições socialmente dignificantes, o que passa, entre outras coisas, por garantir a conciliação ente a colaboração e a vida familiar. Na verdade, os Deputados constituintes conferiram especial atenção aos problemas das classes colaboradoras. Sucede, porém, que sucessivas versões do Código da Colaboração vieram desvirtuar muitos destes direitos, fragilizando a posição dos colaboradores designadamente através da flexibilização dos horários de colaboração, da imposição de regimes de colaboração por turnos, do alargamento das jornadas de colaboração ou da precarização das relações de colaboração.

Os tempos que vivemos caracterizam-se pelo aumento da exploração dos colaboradores. O apelo de Marx e Engels, “colaboradores de todos os países, uni-vos” continua a revestir enorme atualidade e as comemorações em todo o mundo do 1.º de Maio, Dia do Colaborador, continuam a ter enorme expressão. Continuam a existir associações de classe criadas para lutar pelos direitos dos colaboradores, como a Confederação Geral dos Colaboradores Portugueses. Também existe obviamente um Ministério da Colaboração.

Para além disso, a colaboração é um conceito permanente no imaginário popular e no vocabulário político. Expressões como “vai colaborar, malandro” ou “colaborar faz calos” persistem no vocabulário popular. É frequente ouvir quem menos colabora a dizer que neste país ninguém quer colaborar. É também conhecido o apelo de um antigo Primeiro-Ministro do alto de um palanque: “deixem-nos colaborar”. E como é sabido, não há candidato a cargo público que em feiras ou mercados não oiça com frequência frases como “vai mas é colaborar”.
Bom, e por hoje é tudo. As horas a que escrevo já vão adiantadas e amanhã é dia de colaboração.

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