Mas, que fique claro, a "geringonça" foi uma enorme vitória da esquerda. Primeiro, porque permitiu reverter muitos dos crimes praticados ao abrigo do pacto de agressão pelas duas troikas, a externa da ce-bce-fmi, e a interna do cavaco-psd-cds, segundo, porque provou que a esquerda pode e sabe assumir responsabilidades na área da governação, e, finalmente, porque o entendimento à esquerda ficou definitivamente atravessado na garganta da direita que tudo fará para que não se repita. E nós, a esquerda, vamos deixar que outra maioria absoluta faça vir ao de cima o pior do socratismo? Vamos abster-nos e abrir o caminho a uma direita revanchista com sede de sangue? Ou vamos reagir, votar massivamente à esquerda e pugnar por outra oportunidade?
Entretanto proponho-vos reler o Pedro Tadeu, o André Solha e o José Soeiro, pela ordem dos tempos e dos factos. E acabar com uns números do António Filipe.
Quem matou a geringonça?
(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 2021/10/28)
Quando em 2019 o governo de António Costa aprovou alterações ao Código do Trabalho e passou o período experimental de 90 para 180 dias (mas em que planeta é preciso seis meses para verificar se um trabalhador é competente?!…) deu um tiro de pistola na geringonça.
Quando, nesse mesmo Código do Trabalho, reforçou as possibilidades do patronato ficar livre das regras da contratação coletiva, ao ampliar os motivos para a caducidade dos acordos feitos entre sindicatos e patrões, prejudicando a capacidade de negociação dos trabalhadores, deu um tiro de espingarda na geringonça.
Quando em todos estes seis anos o ministério das Finanças usou, de forma sistemática, excessiva e arbitrária, as cativações de verbas e eliminou na prática o financiamento atempado de muitas medidas que tinham sido acordadas com os partidos que viabilizavam o governo de minoria, deu rajadas de metralhadora na geringonça.
Quando António Costa, ao longo de seis anos, permitiu que o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) resultasse numa constante subcontratação de serviços ao sector privado, social e farmácias, que ronda já os 2 mil e 800 milhões de euros por ano, em vez de contratar mais pessoal e mais equipamento, lançou uma granada sobre a geringonça.
Quando em plena pandemia por Covid-19 o governo começou a contratar mais enfermeiros a prazo, dispensando-os logo a seguir, deu um disparo de morteiro na geringonça.
Quando na campanha eleitoral para as autárquicas António Costa acusou a GALP de “irresponsabilidade social” pelo fecho da refinaria em Matosinhos, que atirou diretamente 400 pessoas para o desemprego, depois de meses e meses de complacência do seu governo com esse processo desencadeado pela empresa, fez explodir uma mina terrestre no caminho da geringonça.
Quando na discussão do orçamento para 2020 António Costa não aceitou comprometer-se claramente em pagar mais 50% de salário aos médicos que desejem ficar em exclusivo no Serviço Nacional de Saúde, detonou um explosivo na geringonça.
Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça.
Quando o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu, sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de 2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.
A geringonça morreu porque António Costa fez por isso, desde há bastante tempo, provavelmente porque acha que vai ganhar com eleições antecipadas.
Significa esta morte que a esquerda não vai ser capaz de voltar a fazer um acordo que viabilize um governo? Não.
Na verdade, o tempo político que vivemos, com a pandemia aparentemente numa fase de controlo e com um reforço do financiamento europeu garantido, convida a repensar profundamente a forma como se elaboram orçamentos e como estes se articulam com outras medidas exteriores a esse documento. É uma oportunidade que não se reptirá tão cedo. Foi isso que o PCP pôs em cima da mesa.
Seja na discussão deste documento, seja com outra solução encontrada ainda neste parlamento, seja após eleições antecipadas, a esquerda acabaria por concluir que tinha mesmo de matar a geringonça, pois com ela o PS já só geria a contabilidade do Estado com a calculadora do receio nacional de eleições antecipadas. A esquerda terá de pensar se vale a pena avançar para outro patamar de relação.
A direita, se precisar, não hesitará em aliar-se toda ao Chega, sejam quem forem os líderes dos outros partidos e, por isso, já tem implícita uma proposta política para os portugueses apreciarem numas eventuais eleições antecipadas: tirar o PS do governo. Morta a geringonça, a esquerda ou vai para a separação de águas entre os seus partidos ou para o aprofundamento da relação. O medo da direita é a segunda hipótese. O medo da esquerda é, também, a segunda hipótese.
E agora, pá?
Quando, nesse mesmo Código do Trabalho, reforçou as possibilidades do patronato ficar livre das regras da contratação coletiva, ao ampliar os motivos para a caducidade dos acordos feitos entre sindicatos e patrões, prejudicando a capacidade de negociação dos trabalhadores, deu um tiro de espingarda na geringonça.
Quando em todos estes seis anos o ministério das Finanças usou, de forma sistemática, excessiva e arbitrária, as cativações de verbas e eliminou na prática o financiamento atempado de muitas medidas que tinham sido acordadas com os partidos que viabilizavam o governo de minoria, deu rajadas de metralhadora na geringonça.
Quando António Costa, ao longo de seis anos, permitiu que o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) resultasse numa constante subcontratação de serviços ao sector privado, social e farmácias, que ronda já os 2 mil e 800 milhões de euros por ano, em vez de contratar mais pessoal e mais equipamento, lançou uma granada sobre a geringonça.
Quando em plena pandemia por Covid-19 o governo começou a contratar mais enfermeiros a prazo, dispensando-os logo a seguir, deu um disparo de morteiro na geringonça.
Quando na campanha eleitoral para as autárquicas António Costa acusou a GALP de “irresponsabilidade social” pelo fecho da refinaria em Matosinhos, que atirou diretamente 400 pessoas para o desemprego, depois de meses e meses de complacência do seu governo com esse processo desencadeado pela empresa, fez explodir uma mina terrestre no caminho da geringonça.
Quando na discussão do orçamento para 2020 António Costa não aceitou comprometer-se claramente em pagar mais 50% de salário aos médicos que desejem ficar em exclusivo no Serviço Nacional de Saúde, detonou um explosivo na geringonça.
Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça.
Quando o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu, sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de 2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.
A geringonça morreu porque António Costa fez por isso, desde há bastante tempo, provavelmente porque acha que vai ganhar com eleições antecipadas.
Significa esta morte que a esquerda não vai ser capaz de voltar a fazer um acordo que viabilize um governo? Não.
Na verdade, o tempo político que vivemos, com a pandemia aparentemente numa fase de controlo e com um reforço do financiamento europeu garantido, convida a repensar profundamente a forma como se elaboram orçamentos e como estes se articulam com outras medidas exteriores a esse documento. É uma oportunidade que não se reptirá tão cedo. Foi isso que o PCP pôs em cima da mesa.
Seja na discussão deste documento, seja com outra solução encontrada ainda neste parlamento, seja após eleições antecipadas, a esquerda acabaria por concluir que tinha mesmo de matar a geringonça, pois com ela o PS já só geria a contabilidade do Estado com a calculadora do receio nacional de eleições antecipadas. A esquerda terá de pensar se vale a pena avançar para outro patamar de relação.
A direita, se precisar, não hesitará em aliar-se toda ao Chega, sejam quem forem os líderes dos outros partidos e, por isso, já tem implícita uma proposta política para os portugueses apreciarem numas eventuais eleições antecipadas: tirar o PS do governo. Morta a geringonça, a esquerda ou vai para a separação de águas entre os seus partidos ou para o aprofundamento da relação. O medo da direita é a segunda hipótese. O medo da esquerda é, também, a segunda hipótese.
E agora, pá?
“O PCP chumba o orçamento, vamos para eleições, a direita ganha, o Vintruja vai para o governo, ai ui é o fascismo, e não tarda nada é a lasanha que me está a meter a mim no microondas. A única forma de evitar isto é votar no PS!”
Caaaalma, geringoncista. Tanto stress ainda te rebenta uma veia. Mais dialética e menos diazepam. O futuro não está escrito na pedra. A única crise política que existe é a que o Marcelo criou, e o OE era tão mau que o único partido que votou a favor foi o PS. O governo, se quiser (e não quer) tem 90 dias para apresentar outra proposta. Ou então pode governar em duodécimos.
É uma crise? Crise é que um em cada cinco trabalhadores viva abaixo do limiar da pobreza. Crise é que ao português comum sobra sempre mês no fim do dinheiro, nunca dinheiro no fim do mês. Crise é que nos grandes centros urbanos um salário mínimo – aquele que o governo acha que pode ser só 705€ – esteja abaixo duma renda de casa média – fruto da lei das rendas que o governo não quer revogar. Não sei se já olhaste para os resultados do Censos 2021, mas crise é termos hoje quase menos 200 mil habitantes do que tínhamos há dez anos. Com a política salarial que o PS quer manter, perdemos para a emigração. Sem as creches gratuitas, perdemos natalidade. Sem soluções nem vontade para as aplicar, é normal que o OE tenha sido chumbado.
Já deu para perceber que tu achas que vivemos num tempo novo, mas cai na real: desde 2015, o governo PS tem-se recusado a fazer alterações estruturais, fazendo avanços tímidos, repondo apenas umas coisitas, limitando-se a umas migalhitas nos últimos dois anos, mas sempre limitado por aquela que é a natureza de classe e os interesses do PS. Outra coisa não seria de esperar, e por isso é que aquele entendimento que teve início em 2015 teria que ter um fim. A realidade é que os problemas de base não se resolveram e ao fim de 6 orçamentos se têm vindo a acumular. E a malta foi tendo paciência, mas a paciência tem limites. E esses limites foram atingidos agora, face à intransigência nas negociações. Repara, até o Paulo Pedroso, até a Maria de Lurdes Rodrigues (aquela que encavou os professores enquanto ministra da educação do Sócrates), até a Ana Gomes, em quem tu foste votar porque era o grande baluarte antifascista, vieram a público dizer que havia margem e devia ter havido muito mais disponibilidade do governo para negociar e ceder. Foram eles, que são do PS, que disseram, não fui eu. Aqui ninguém matou a geringonça, ela estava morta desde 2019 e o único entendimento que houve desde então foi em dois orçamentos do Estado, e mesmo assim, já com todos os sinais de que ou havia mudanças significativas, ou a coisa estava presa por arames.
Portanto acalma a franga e deixa de dizer que vais a correr votar no PS para conter a extrema-direita porque o CHEGA vai crescer. O CHEGA cresce com a reconfiguração da direita e o teu voto “contra” não muda nada nessa reconfiguração.
E já agora, acerca desse medo do papão da extrema-direita: ela sempre lá esteve, pá. Quem foram o Sá Carneiro e o Pinto Balsemão, deputados da Assembleia Nacional fascista? Fundadores do PSD. Ou o Adriano Moreira, Ministro do Ultramar fascista? Presidente e deputado do CDS. Ou o Veiga Simão, ministro da Educação Nacional fascista? Deputado e duas vezes ministro do PS, uma vez com o Soares e outra com o Guterres. A única diferença entre estes e o Vintruja é que estes são fachos de salão, e o Vintruja arma-se em facho da tasca.
Portanto, a não ser que o eleitorado de esquerda vá a correr votar na direita, o mais provável é que depois das eleições fique tudo mais ou menos na mesma.
Se quiseres, claro. Porque se mesmo depois do que viste acontecer em 2015, ainda cederes à pressão do voto útil e fores a correr votar no PS (caso em que, diria o meu avô, para seres burro só te faltam as penas) e eles tiverem maioria absoluta, não tens mais Costa, tens é mais Sócrates. Tens um PS a ser PS, a finalmente aliviar toda a sua tesão privatizadora que teve de conter durante estes 6 anos. Se um PS minoritário não avançou em reformas estruturais importantes para a classe trabalhadora, imagina um PS com maioria absoluta.
Se isto ainda não te tinha passado pela cabeça, notícia de última hora: a eles passou. Por isso é que preferiram não apresentar um OE que pudesse ser aprovado, para com o apoio do Marcelo poderem ir novamente a eleições com a maioria absoluta no horizonte. Cabe-nos agora não cair no conto do vigário.
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto
(José Soeiro, in Expresso Diário, 2021/10/30)
Caaaalma, geringoncista. Tanto stress ainda te rebenta uma veia. Mais dialética e menos diazepam. O futuro não está escrito na pedra. A única crise política que existe é a que o Marcelo criou, e o OE era tão mau que o único partido que votou a favor foi o PS. O governo, se quiser (e não quer) tem 90 dias para apresentar outra proposta. Ou então pode governar em duodécimos.
É uma crise? Crise é que um em cada cinco trabalhadores viva abaixo do limiar da pobreza. Crise é que ao português comum sobra sempre mês no fim do dinheiro, nunca dinheiro no fim do mês. Crise é que nos grandes centros urbanos um salário mínimo – aquele que o governo acha que pode ser só 705€ – esteja abaixo duma renda de casa média – fruto da lei das rendas que o governo não quer revogar. Não sei se já olhaste para os resultados do Censos 2021, mas crise é termos hoje quase menos 200 mil habitantes do que tínhamos há dez anos. Com a política salarial que o PS quer manter, perdemos para a emigração. Sem as creches gratuitas, perdemos natalidade. Sem soluções nem vontade para as aplicar, é normal que o OE tenha sido chumbado.
Já deu para perceber que tu achas que vivemos num tempo novo, mas cai na real: desde 2015, o governo PS tem-se recusado a fazer alterações estruturais, fazendo avanços tímidos, repondo apenas umas coisitas, limitando-se a umas migalhitas nos últimos dois anos, mas sempre limitado por aquela que é a natureza de classe e os interesses do PS. Outra coisa não seria de esperar, e por isso é que aquele entendimento que teve início em 2015 teria que ter um fim. A realidade é que os problemas de base não se resolveram e ao fim de 6 orçamentos se têm vindo a acumular. E a malta foi tendo paciência, mas a paciência tem limites. E esses limites foram atingidos agora, face à intransigência nas negociações. Repara, até o Paulo Pedroso, até a Maria de Lurdes Rodrigues (aquela que encavou os professores enquanto ministra da educação do Sócrates), até a Ana Gomes, em quem tu foste votar porque era o grande baluarte antifascista, vieram a público dizer que havia margem e devia ter havido muito mais disponibilidade do governo para negociar e ceder. Foram eles, que são do PS, que disseram, não fui eu. Aqui ninguém matou a geringonça, ela estava morta desde 2019 e o único entendimento que houve desde então foi em dois orçamentos do Estado, e mesmo assim, já com todos os sinais de que ou havia mudanças significativas, ou a coisa estava presa por arames.
Portanto acalma a franga e deixa de dizer que vais a correr votar no PS para conter a extrema-direita porque o CHEGA vai crescer. O CHEGA cresce com a reconfiguração da direita e o teu voto “contra” não muda nada nessa reconfiguração.
E já agora, acerca desse medo do papão da extrema-direita: ela sempre lá esteve, pá. Quem foram o Sá Carneiro e o Pinto Balsemão, deputados da Assembleia Nacional fascista? Fundadores do PSD. Ou o Adriano Moreira, Ministro do Ultramar fascista? Presidente e deputado do CDS. Ou o Veiga Simão, ministro da Educação Nacional fascista? Deputado e duas vezes ministro do PS, uma vez com o Soares e outra com o Guterres. A única diferença entre estes e o Vintruja é que estes são fachos de salão, e o Vintruja arma-se em facho da tasca.
Portanto, a não ser que o eleitorado de esquerda vá a correr votar na direita, o mais provável é que depois das eleições fique tudo mais ou menos na mesma.
Se quiseres, claro. Porque se mesmo depois do que viste acontecer em 2015, ainda cederes à pressão do voto útil e fores a correr votar no PS (caso em que, diria o meu avô, para seres burro só te faltam as penas) e eles tiverem maioria absoluta, não tens mais Costa, tens é mais Sócrates. Tens um PS a ser PS, a finalmente aliviar toda a sua tesão privatizadora que teve de conter durante estes 6 anos. Se um PS minoritário não avançou em reformas estruturais importantes para a classe trabalhadora, imagina um PS com maioria absoluta.
Se isto ainda não te tinha passado pela cabeça, notícia de última hora: a eles passou. Por isso é que preferiram não apresentar um OE que pudesse ser aprovado, para com o apoio do Marcelo poderem ir novamente a eleições com a maioria absoluta no horizonte. Cabe-nos agora não cair no conto do vigário.
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto
(José Soeiro, in Expresso Diário, 2021/10/30)
Quem se bateu pela geringonça e a construiu com entusiasmo entre 2015 e 2019 (incluo-me nesses), gostaria que fosse possível, na salvaguarda da sua pluralidade e diferenças estratégicas, o campo político que a fez ter hoje um programa comum para mudanças no país. E não quer que se percam oportunidades de articulação e resistência. Mas afinal, o que aconteceu para termos este desfecho?
À esquerda, ou pelo menos numa parte da esquerda, parece ter-se instalado uma compreensível apreensão pelo momento político que vivemos. O Presidente da República conspira com Paulo Rangel e prepara a marcação de eleições, tendo descartado a possibilidade de apresentação de uma nova proposta de Orçamento. O PS, ao mesmo tempo que prepara a campanha eleitoral, bombardeia pelos seus canais que a culpa “é do PCP e do Bloco”, procurando estigmatizar estes dois partidos e ir tecendo a tão desejada maioria absoluta que não conseguiu em 2019.
Que haja angústia, preocupação e frustração com a situação a que chegamos é perfeitamente legítimo. Qualquer pessoa do “povo da esquerda” a sente. Eu também. Quem se bateu pela geringonça e a construiu com entusiasmo entre 2015 e 2019 (incluo-me nesses), gostaria que fosse possível, na salvaguarda da sua pluralidade e diferenças estratégicas, o campo político que a fez ter hoje um programa comum para mudanças no país. E não quer que se percam oportunidades de articulação e resistência. Mas afinal, o que aconteceu para termos este desfecho?
“A GERINGONÇA ACABOU!”
Sim, a geringonça acabou. Mas não foi agora, e muito menos com o voto do Orçamento. A geringonça já não existe há dois anos. Morreu na madrugada de 11 de outubro de 2019 – já com um novo Parlamento eleito – através de um comunicado do Partido Socialista anunciando a recusa de qualquer acordo escrito para a nova legislatura.
Ao fazê-lo, um dia depois de uma reunião com as confederações patronais, e sublinhando que mexer nas leis laborais não era “prioritário”, o PS recusava a proposta do Bloco de um acordo escrito para os 4 anos, que permitiria estabilidade política e enquadrar a aprovação dos 4 orçamentos da legislatura.
A estratégia de António Costa era não ter nenhum compromisso estável com a esquerda, podendo escolher as alianças que entendesse na Assembleia durante o ano, em geometria variável, e obrigar a esquerda a aprovar os seus orçamentos sob a chantagem da “crise política”, sem ter necessariamente de incorporar nenhuma proposta das esquerdas que não encaixasse já no seu programa, limitando-se a negociar “ritmos e modos” do que já era agenda sua, como explicou ao Público, por estes dias, com lucidez e perspicácia, o ex-ministro socialista Paulo Pedroso. Essa estratégia tinha tudo para dar errado e talvez tenha sido escolhida para dar errado. A realidade provou que era uma estratégia insustentável. Um “pântano” que existe há dois anos, sublinha Daniel Oliveira, que muita gente não quis ou fingiu não ver, mesmo quando os sinais estavam aí.
“É IMPERDOÁVEL A ESQUERDA TER VOTADO COM A DIREITA!”
Os partidos à esquerda do PS votaram contra um Orçamento que consideraram não responder bem aos principais problemas do país. E não quiseram validar um documento em que, apesar de toda a encenação mediática, não identificaram verdadeiramente a presença das suas reivindicações e do que consideram ser o seu mandato. Um documento, além do mais, onde não reconheceram as garantias de que promessas incluídas no texto da lei orçamental são depois executadas, transformando-se nesse caso numa fraude. Apenas um exemplo que conheço muito bem: pela terceira vez, o Governo inclui 30 milhões para os cuidadores informais, sem qualquer garantia de que é a sério: em 2020, dos 30 milhões foram gastos menos de 300 mil euros, 1%; em 2021, dos 30 milhões tinham sido gastos pouco mais que 700 mil euros. Isto é enganar as pessoas e os partidos que votam os Orçamentos.about:blank
As múltiplas publicações de gente indignada com o facto de a esquerda ter votado contra um documento que a direita também rejeita parecem contudo esquecer que, independentemente do acerto ou não da decisão do Bloco e do PCP, as razões da esquerda e da direita contra este Orçamento são opostas.
Mas sobretudo, não se pode ignorar o que está a acontecer diariamente no Parlamento há dois anos (e sem grande escândalo) e que ajuda a explicar as pontes que António Costa foi queimando com os seus parceiros. Nesta legislatura, o PS que agora tanto invoca o “espírito da geringonça” votou mais vezes com o PSD (1535 vezes), o CDS (1175) e com a IL (1122) do que com o Bloco (1107 vezes) e o PCP (1079 vezes). São dados objetivos. Pode argumentar-se que nem todas as votações na AR têm o mesmo peso e centralidade, e é verdade. Mas em matérias que o PS sabia serem essenciais para a esquerda, o PS juntou-se à direita para chumbar as propostas da esquerda e para manter regras que a direita deixou na lei. Aconteceu em praticamente todas as votações da lei do trabalho (despedimentos, férias, trabalho por turnos, revogação dos cortes no subsídio de desemprego, por exemplo), aconteceu nas regras do debate democrático e parlamentar (quando PS e PSD se juntaram para acabar com os debates quinzenais e retirar centralidade ao Parlamento) ou em medidas de reversão de ruinosos negócios da direita (quando PS juntou os seus votos à direita para chumbar a reversão da privatização dos CTT, por exemplo). Assim, a indignação seletiva sobre os “votos com a direita” resulta da falta de atenção ou conhecimento desta realidade (talvez seja o caso da maioria do povo de esquerda), da desvalorização de tudo o que não seja o Orçamento ou, no caso de governantes e dirigentes socialistas que se multiplicam em publicações, de cínico oportunismo eleitoral.
“BLOCO E PCP NÃO PENSAM NO PAÍS, SÓ NAS SUAS TÁTICAS ELEITORAIS”
Há obviamente razões válidas para se discordar das opções do Bloco, que já vêm do ano passado, ou do PCP, que este ano votou contra. Mas há uma acusação impossível: a de que o seu sentido de voto resulta de um cálculo eleitoral. Nada indica que o Bloco e o PCP esperem grandes ganhos. Pelo contrário, a haver eleições, poderão ser os partidos que menos beneficiarão delas, dada a intensa campanha de vitimização do Governo. Ou seja, tomaram uma decisão sabendo ser possível, embora não uma fatalidade, que no próximo ato eleitoral percam votos, recursos e mandatos. Não foi uma decisão a pensar “em si próprios”, ou um cálculo sobre o seu “mercado eleitoral”, mas sim assente na complexa avaliação que fazem do que é a fidelidade ao mandato que receberam, a consistência da proposta de António Costa para responder ao momento que vivemos ou a necessidade de assegurar mínimos políticos capazes de recuperar rendimentos para quem trabalha, de reequilibrar as relações sociais e laborais ou de salvar o serviço nacional de saúde do ataque e da promiscuidade com os privados.
Claro que pode dizer-se que, mesmo sabendo que este Orçamento não responde, que o SNS vai continuar a degradar-se em 2022 e que o PS pede uma maioria para manter intocada a lei da troika no trabalho, os partidos à esquerda tinham a obrigação de viabilizar a governação de António Costa. Nesse caso, poupariam a atual polémica mas teriam um outro problema: o de explicar por que razão deixam passar um documento e uma estratégia em que não acreditam e que acham que será incapaz.
“VEM AÍ A EXTREMA-DIREITA”
A extrema-direita já cá está. As abstenções nos Orçamentos do PS são o antídoto para o seu crescimento? Seria bom que fosse assim tão simples, mas a realidade desmente esse argumento. Desde 2019, as abstenções da esquerda nos Orçamentos do PS não impediram a extrema-direita de crescer. Logo, está enganado quem acha que é essa a solução. O crescimento das direitas, nomeadamente da sua componente mais radical, alimentar-se-á do descontentamento popular com medidas ineficazes, com a degradação do SNS, com a ausência de políticas robustas contra a pobreza, com a precariedade da vida, com o pântano político. Ficarmos paralisados pelo medo e abrirmos mão do que achamos ser essencial para essas políticas não é combater a extrema-direita, é ficar tolhido por ela, sem ter nenhuma garantia do seu esvaziamento. Temer a extrema-direita não é, em si mesmo, estratégia eficaz para contê-la: haverá eleições em algum momento, e nada garante que daqui a dois anos a extrema-direita não estivesse em melhores condições para disputá-las do que agora. Por isso, mais que temê-la, há que combatê-la. Atrasar as medidas estruturais que sejam sentidas e reconhecidas pela população que trabalha e vive com dificuldades pode contribuir, isso sim, para entregar o futuro à direita.
POR QUE NÃO HOUVE ACORDO, ENTÃO?
Já toda a gente está farta do jogo de passa culpas, mas é importante fazer algumas perguntas, porque até hoje ficaram sem resposta. O que tornou impossível a António Costa aceitar a reposição da lei laboral da autoria de Vieira da Silva no que diz respeito aos despedimentos? Por que razão não aceitou sequer repor os 20 dias por ano de trabalho como compensação por despedimento (atualmente são 12 dias), tal como constava no próprio memorando da troika? Por que razão não pode haver um regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde, tal como propuseram Arnaut e Semedo?about:blank
E por que razão é impossível anular os cortes aos 62 mil pensionistas reformados entre 2014 e 2018, que se se reformassem hoje já não sofreriam o corte do fator de sustentabilidade, mas que vão tê-lo para toda a vida? Ainda mais sabendo que essa proposta teria um impacto de cerca de 60 milhões de euros, ou seja, um décimo dos 620 milhões de euros não cobrados em impostos aos reformados nórdicos e ingleses ao abrigo do “eldorado fiscal” que dá pelo nome de “regime dos residentes não habituais”?
Ou por que não aceitou António Costa as propostas da esquerda sobre contratação coletiva – como até a insuspeita ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues recomendou que se fizesse para obter um acordo à esquerda para o Orçamento? A única resposta plausível é porque não quis que esse acordo existisse, ou não foi capaz de negociá-lo.
E AGORA?
O povo de esquerda vê-se assim confrontado com três possibilidades. A primeira é premiar António Costa e a sua estratégia de auto-suficiência, transferindo e concentrando votos nele para garantir uma governação que dispense a esquerda e que reforce quem, no PS, entendeu que não devia haver qualquer acordo escrito de legislatura com a esquerda. A segunda é reforçar a agenda negocial da esquerda, votando nos partidos que se bateram por alterações estruturais e dando força à ideia de que deve haver um acordo escrito para uma governação consistente. A terceira é desistir, entregando-se ao desalento e à abstenção. Cada pessoa é a soberana do seu voto e o mais provável é que haja um pouco de tudo.
O que não valerá muito a pena é alimentar a ideia de que a solução para o impasse criado por António Costa em 2019 é cancelar a democracia pelos riscos que os seus resultados podem produzir. Vivemos tempos de incerteza e de volatilidade, é certo. Mas a tal “vaga de direita” não é nem um facto nem uma inevitabilidade. Aqui chegados, mais do que recriminação mútua, precisamos de discutir soluções. Mais do que a pistola apontada, não devemos desistir de abrir caminhos, nem desperdiçar possibilidades futuras. Porque por mais dificuldades e manobras e ardis e pontes queimadas, teremos sempre de voltar a tentar. Teremos sempre de procurar organizar a esperança e começar de novo.
Contas certas
(António Filipe, facebook, 2020/10/29)
À esquerda, ou pelo menos numa parte da esquerda, parece ter-se instalado uma compreensível apreensão pelo momento político que vivemos. O Presidente da República conspira com Paulo Rangel e prepara a marcação de eleições, tendo descartado a possibilidade de apresentação de uma nova proposta de Orçamento. O PS, ao mesmo tempo que prepara a campanha eleitoral, bombardeia pelos seus canais que a culpa “é do PCP e do Bloco”, procurando estigmatizar estes dois partidos e ir tecendo a tão desejada maioria absoluta que não conseguiu em 2019.
Que haja angústia, preocupação e frustração com a situação a que chegamos é perfeitamente legítimo. Qualquer pessoa do “povo da esquerda” a sente. Eu também. Quem se bateu pela geringonça e a construiu com entusiasmo entre 2015 e 2019 (incluo-me nesses), gostaria que fosse possível, na salvaguarda da sua pluralidade e diferenças estratégicas, o campo político que a fez ter hoje um programa comum para mudanças no país. E não quer que se percam oportunidades de articulação e resistência. Mas afinal, o que aconteceu para termos este desfecho?
“A GERINGONÇA ACABOU!”
Sim, a geringonça acabou. Mas não foi agora, e muito menos com o voto do Orçamento. A geringonça já não existe há dois anos. Morreu na madrugada de 11 de outubro de 2019 – já com um novo Parlamento eleito – através de um comunicado do Partido Socialista anunciando a recusa de qualquer acordo escrito para a nova legislatura.
Ao fazê-lo, um dia depois de uma reunião com as confederações patronais, e sublinhando que mexer nas leis laborais não era “prioritário”, o PS recusava a proposta do Bloco de um acordo escrito para os 4 anos, que permitiria estabilidade política e enquadrar a aprovação dos 4 orçamentos da legislatura.
A estratégia de António Costa era não ter nenhum compromisso estável com a esquerda, podendo escolher as alianças que entendesse na Assembleia durante o ano, em geometria variável, e obrigar a esquerda a aprovar os seus orçamentos sob a chantagem da “crise política”, sem ter necessariamente de incorporar nenhuma proposta das esquerdas que não encaixasse já no seu programa, limitando-se a negociar “ritmos e modos” do que já era agenda sua, como explicou ao Público, por estes dias, com lucidez e perspicácia, o ex-ministro socialista Paulo Pedroso. Essa estratégia tinha tudo para dar errado e talvez tenha sido escolhida para dar errado. A realidade provou que era uma estratégia insustentável. Um “pântano” que existe há dois anos, sublinha Daniel Oliveira, que muita gente não quis ou fingiu não ver, mesmo quando os sinais estavam aí.
“É IMPERDOÁVEL A ESQUERDA TER VOTADO COM A DIREITA!”
Os partidos à esquerda do PS votaram contra um Orçamento que consideraram não responder bem aos principais problemas do país. E não quiseram validar um documento em que, apesar de toda a encenação mediática, não identificaram verdadeiramente a presença das suas reivindicações e do que consideram ser o seu mandato. Um documento, além do mais, onde não reconheceram as garantias de que promessas incluídas no texto da lei orçamental são depois executadas, transformando-se nesse caso numa fraude. Apenas um exemplo que conheço muito bem: pela terceira vez, o Governo inclui 30 milhões para os cuidadores informais, sem qualquer garantia de que é a sério: em 2020, dos 30 milhões foram gastos menos de 300 mil euros, 1%; em 2021, dos 30 milhões tinham sido gastos pouco mais que 700 mil euros. Isto é enganar as pessoas e os partidos que votam os Orçamentos.about:blank
As múltiplas publicações de gente indignada com o facto de a esquerda ter votado contra um documento que a direita também rejeita parecem contudo esquecer que, independentemente do acerto ou não da decisão do Bloco e do PCP, as razões da esquerda e da direita contra este Orçamento são opostas.
Mas sobretudo, não se pode ignorar o que está a acontecer diariamente no Parlamento há dois anos (e sem grande escândalo) e que ajuda a explicar as pontes que António Costa foi queimando com os seus parceiros. Nesta legislatura, o PS que agora tanto invoca o “espírito da geringonça” votou mais vezes com o PSD (1535 vezes), o CDS (1175) e com a IL (1122) do que com o Bloco (1107 vezes) e o PCP (1079 vezes). São dados objetivos. Pode argumentar-se que nem todas as votações na AR têm o mesmo peso e centralidade, e é verdade. Mas em matérias que o PS sabia serem essenciais para a esquerda, o PS juntou-se à direita para chumbar as propostas da esquerda e para manter regras que a direita deixou na lei. Aconteceu em praticamente todas as votações da lei do trabalho (despedimentos, férias, trabalho por turnos, revogação dos cortes no subsídio de desemprego, por exemplo), aconteceu nas regras do debate democrático e parlamentar (quando PS e PSD se juntaram para acabar com os debates quinzenais e retirar centralidade ao Parlamento) ou em medidas de reversão de ruinosos negócios da direita (quando PS juntou os seus votos à direita para chumbar a reversão da privatização dos CTT, por exemplo). Assim, a indignação seletiva sobre os “votos com a direita” resulta da falta de atenção ou conhecimento desta realidade (talvez seja o caso da maioria do povo de esquerda), da desvalorização de tudo o que não seja o Orçamento ou, no caso de governantes e dirigentes socialistas que se multiplicam em publicações, de cínico oportunismo eleitoral.
“BLOCO E PCP NÃO PENSAM NO PAÍS, SÓ NAS SUAS TÁTICAS ELEITORAIS”
Há obviamente razões válidas para se discordar das opções do Bloco, que já vêm do ano passado, ou do PCP, que este ano votou contra. Mas há uma acusação impossível: a de que o seu sentido de voto resulta de um cálculo eleitoral. Nada indica que o Bloco e o PCP esperem grandes ganhos. Pelo contrário, a haver eleições, poderão ser os partidos que menos beneficiarão delas, dada a intensa campanha de vitimização do Governo. Ou seja, tomaram uma decisão sabendo ser possível, embora não uma fatalidade, que no próximo ato eleitoral percam votos, recursos e mandatos. Não foi uma decisão a pensar “em si próprios”, ou um cálculo sobre o seu “mercado eleitoral”, mas sim assente na complexa avaliação que fazem do que é a fidelidade ao mandato que receberam, a consistência da proposta de António Costa para responder ao momento que vivemos ou a necessidade de assegurar mínimos políticos capazes de recuperar rendimentos para quem trabalha, de reequilibrar as relações sociais e laborais ou de salvar o serviço nacional de saúde do ataque e da promiscuidade com os privados.
Claro que pode dizer-se que, mesmo sabendo que este Orçamento não responde, que o SNS vai continuar a degradar-se em 2022 e que o PS pede uma maioria para manter intocada a lei da troika no trabalho, os partidos à esquerda tinham a obrigação de viabilizar a governação de António Costa. Nesse caso, poupariam a atual polémica mas teriam um outro problema: o de explicar por que razão deixam passar um documento e uma estratégia em que não acreditam e que acham que será incapaz.
“VEM AÍ A EXTREMA-DIREITA”
A extrema-direita já cá está. As abstenções nos Orçamentos do PS são o antídoto para o seu crescimento? Seria bom que fosse assim tão simples, mas a realidade desmente esse argumento. Desde 2019, as abstenções da esquerda nos Orçamentos do PS não impediram a extrema-direita de crescer. Logo, está enganado quem acha que é essa a solução. O crescimento das direitas, nomeadamente da sua componente mais radical, alimentar-se-á do descontentamento popular com medidas ineficazes, com a degradação do SNS, com a ausência de políticas robustas contra a pobreza, com a precariedade da vida, com o pântano político. Ficarmos paralisados pelo medo e abrirmos mão do que achamos ser essencial para essas políticas não é combater a extrema-direita, é ficar tolhido por ela, sem ter nenhuma garantia do seu esvaziamento. Temer a extrema-direita não é, em si mesmo, estratégia eficaz para contê-la: haverá eleições em algum momento, e nada garante que daqui a dois anos a extrema-direita não estivesse em melhores condições para disputá-las do que agora. Por isso, mais que temê-la, há que combatê-la. Atrasar as medidas estruturais que sejam sentidas e reconhecidas pela população que trabalha e vive com dificuldades pode contribuir, isso sim, para entregar o futuro à direita.
POR QUE NÃO HOUVE ACORDO, ENTÃO?
Já toda a gente está farta do jogo de passa culpas, mas é importante fazer algumas perguntas, porque até hoje ficaram sem resposta. O que tornou impossível a António Costa aceitar a reposição da lei laboral da autoria de Vieira da Silva no que diz respeito aos despedimentos? Por que razão não aceitou sequer repor os 20 dias por ano de trabalho como compensação por despedimento (atualmente são 12 dias), tal como constava no próprio memorando da troika? Por que razão não pode haver um regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde, tal como propuseram Arnaut e Semedo?about:blank
E por que razão é impossível anular os cortes aos 62 mil pensionistas reformados entre 2014 e 2018, que se se reformassem hoje já não sofreriam o corte do fator de sustentabilidade, mas que vão tê-lo para toda a vida? Ainda mais sabendo que essa proposta teria um impacto de cerca de 60 milhões de euros, ou seja, um décimo dos 620 milhões de euros não cobrados em impostos aos reformados nórdicos e ingleses ao abrigo do “eldorado fiscal” que dá pelo nome de “regime dos residentes não habituais”?
Ou por que não aceitou António Costa as propostas da esquerda sobre contratação coletiva – como até a insuspeita ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues recomendou que se fizesse para obter um acordo à esquerda para o Orçamento? A única resposta plausível é porque não quis que esse acordo existisse, ou não foi capaz de negociá-lo.
E AGORA?
O povo de esquerda vê-se assim confrontado com três possibilidades. A primeira é premiar António Costa e a sua estratégia de auto-suficiência, transferindo e concentrando votos nele para garantir uma governação que dispense a esquerda e que reforce quem, no PS, entendeu que não devia haver qualquer acordo escrito de legislatura com a esquerda. A segunda é reforçar a agenda negocial da esquerda, votando nos partidos que se bateram por alterações estruturais e dando força à ideia de que deve haver um acordo escrito para uma governação consistente. A terceira é desistir, entregando-se ao desalento e à abstenção. Cada pessoa é a soberana do seu voto e o mais provável é que haja um pouco de tudo.
O que não valerá muito a pena é alimentar a ideia de que a solução para o impasse criado por António Costa em 2019 é cancelar a democracia pelos riscos que os seus resultados podem produzir. Vivemos tempos de incerteza e de volatilidade, é certo. Mas a tal “vaga de direita” não é nem um facto nem uma inevitabilidade. Aqui chegados, mais do que recriminação mútua, precisamos de discutir soluções. Mais do que a pistola apontada, não devemos desistir de abrir caminhos, nem desperdiçar possibilidades futuras. Porque por mais dificuldades e manobras e ardis e pontes queimadas, teremos sempre de voltar a tentar. Teremos sempre de procurar organizar a esperança e começar de novo.
Contas certas
(António Filipe, facebook, 2020/10/29)
A propósito de convergências e divergências ao longo desta XIV Legislatura, no que se refere concretamente ao posicionamento do PS em relação a projetos de lei do PCP, não há como fazer as contas. Vejamos então:
Foram submetidos a votação 134 projetos de lei do PCP.
O PS votou contra 114 (85%). Absteve-se em 5 e votou a favor em 15.
E com quem juntou o PS os seus votos para rejeitar os projetos do PCP?
• Com o PSD, 83 vezes;
• Com o CDS, 76 vezes;
• Com a IL, 62 vezes;
• Com o Chega, 31 vezes;
• Com o PAN, 14 vezes;
• Com o BE, uma vez.
13 projetos foram rejeitados só com os votos contra do PS, havendo abstenções dos partidos de direita.
8 projetos foram aprovados apesar dos votos contra do PS.
As abstenções do PS em projetos do PCP foram 5. Destes, 2 foram aprovados e 3 não chegaram a votação final.
Dos 15 votos a favor, 9 foram sobre projetos aprovados por unanimidade;
2 não chegaram a votação final;
1 só teve o voto contra do PAN e
1 só teve votos contra do PAN e da IL.
Só 2 projetos de lei do PCP foram aprovados pelo PS, contra a direita. Tratou-se da lei da nacionalidade e da lei sobre a procriação medicamente assistida e, em ambos os casos, estiveram conjuntamente em apreciação projetos de lei do PS que o PCP votou favoravelmente.
Estes são os factos.
As conclusões serão vossas.
Foram submetidos a votação 134 projetos de lei do PCP.
O PS votou contra 114 (85%). Absteve-se em 5 e votou a favor em 15.
E com quem juntou o PS os seus votos para rejeitar os projetos do PCP?
• Com o PSD, 83 vezes;
• Com o CDS, 76 vezes;
• Com a IL, 62 vezes;
• Com o Chega, 31 vezes;
• Com o PAN, 14 vezes;
• Com o BE, uma vez.
13 projetos foram rejeitados só com os votos contra do PS, havendo abstenções dos partidos de direita.
8 projetos foram aprovados apesar dos votos contra do PS.
As abstenções do PS em projetos do PCP foram 5. Destes, 2 foram aprovados e 3 não chegaram a votação final.
Dos 15 votos a favor, 9 foram sobre projetos aprovados por unanimidade;
2 não chegaram a votação final;
1 só teve o voto contra do PAN e
1 só teve votos contra do PAN e da IL.
Só 2 projetos de lei do PCP foram aprovados pelo PS, contra a direita. Tratou-se da lei da nacionalidade e da lei sobre a procriação medicamente assistida e, em ambos os casos, estiveram conjuntamente em apreciação projetos de lei do PS que o PCP votou favoravelmente.
Estes são os factos.
As conclusões serão vossas.
Depois da ter feito a leitura de todos os textos, parte deles já conhecia, mas foram dadas a conhecer posições de membros do PS que eu desconhecia. Por outro lado, apesar de ser longo é indispensável que seja feita a leitura integral para que não se perca o fio a meada. Está claro o que se pretende com a confusão e a duvida de quem disse o que. Agora quem tem duvidas pode ficar a conhecer a realidade. Basta arranjar cinco minutos e ler o que aqui está e bem identificado. Parabéns ao seu autor.
ResponderEliminar,,,a morte tem sempre uma qualquer desculpa. Mesmo para os COBARDES que dissimulam e rejeitam as próprias responsabilidades....
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