Quando o Secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, , na semana passada, anunciou uma nova “campanha diplomática conjunta” a ser implementada com o Canadá e o Reino Unido, definiu claramente o objectivo da iniciativa – “reunir aliados e parceiros em todo o mundo para se juntarem a nós na abordagem à ameaça representada pela RT e outras máquinas de desinformação e influência russa.”
Não se deixem enganar: não há nada de diplomático neste último esforço dos EUA para silenciar qualquer voz que não adira às narrativas sobre o mundo ditadas por Washington e Londres.
O objetivo de toda a comunicação social noticiosa é informar. Qualquer informação tem o potencial de influenciar as pessoas. Assim, o Ocidente colectivo decidiu reduzir toda a influência potencial que não a sua.
A mão amiga de James Rubin, coordenador do Centro de Envolvimento Global do Departamento de Estado dos EUA, explicou como este plano funcionaria numa entrevista com a sua ex-mulher, Christiane Amanpour, na CNN.
“Outros países tomarão decisões por si próprios”, é claro, mas a caridosa mão americana, sempre benevolente e nunca interessada estará “a ajudar outros governos a tomarem as suas próprias decisões sobre como tratar” a RT.
Ah, todos aqueles pobres e infelizes “outros governos” que claramente não conseguem ler, observar, pensar e decidir por si próprios. Estavam apenas à espera que o Big Brother os ajudasse.
O que Rubin estava realmente a fazer era usar a RT como bode expiatório – e, por extensão, todas as outras vozes independentes, no que deveria ser um espaço de informação global livre e diversificado, refletindo um mundo diverso, muito complicado e multipolar – para a adesão cada vez menor de muitos do mundo às políticas externas de Washington e nas campanhas de propaganda que as acompanham.
Como Rubin admitiu durante a sua conferência de imprensa, “uma das razões […] pela qual grande parte do mundo não tem apoiado tão totalmente a Ucrânia como se poderia pensar que teria […] é por causa do amplo âmbito e alcance da RT. – onde a propaganda, a desinformação e as mentiras são espalhadas por milhões, senão milhares de milhões de pessoas em todo o mundo.”
Que países se recusaram a embarcar no apoio dos EUA e da NATO ao regime de Kiev e à contínua escalada do conflito? Na realidade, foi a maior parte do mundo, incluindo gigantes geopolíticos como a Índia e a China, que preferiram deixar as questões regionais para a região em causa.
No que diz respeito às posições oficiais, trata-se sobretudo da NATO e dos mil milhões dos seus coortes contra os outros sete [mil milhões] do nosso planeta. E embora nestes sete, nem todos, na população em geral, tenham a mesma opinião, também nem todos nos EUA e noutros países da NATO [a partilham].
No entanto, devido ao domínio de décadas do espaço de informação internacional pelos principais meios de comunicação americanos e europeus (acredita que a BBC tem mais de 100 anos?), muitos são os que foram condicionados a pensar no mundo – no sentido de quem define a ordem global, os seus acertos e os seus erros – tal como os EUA e os seus estados vassalos, isto é, aliados.
Nomeadamente, o Sr. Rubin referiu-se especificamente à América Latina, ao Médio Oriente e a África como regiões onde a RT deve ser interrompida. Ou seja, o chamado Sul Global. O que deixou o Departamento de Estado dos EUA tão preocupado?
O sucesso da RT é a perda dos media ocidentais
As instituições militares, políticas e mediáticas ocidentais têm entrado em pânico com a perda, desde há algum tempo, do monopólio da informação global em geral, e com o crescente alcance e influência da RT em particular. Os autoproclamados campeões da liberdade de imprensa, de expressão e de pensamento não conseguem lidar com a liberdade de pensamento pela qual fizeram campanha.
A saber, confirme por aí abaixo:
THE FOUNDATION FOR DEFENSE OF DEMOCRACIES, EUA: “Washington está a lutar na batalha pelos corações e mentes no ‘Sul Global’, onde os meios de propaganda russos são frequentemente mais populares do que os meios de comunicação ocidentais.”
NEWSWEEK: “... foi no Sul Global que a Rússia colheu os frutos mais significativos. A popularidade da estação de TV controlada pelo Kremlin, Russia Today, é elevada…”
POLITICO: “… muitas das contas apoiadas pelo Kremlin – especialmente as de meios de comunicação social sancionados como a RT e a Sputnik – têm um alcance digital sobredimensionado. Coletivamente, estas empresas têm milhões de seguidores na Europa, América Latina e África…”
ROYAL UNITED SERVICES INSTITUTE, Reino Unido: “A América Latina tem assistido a um crescimento dos esforços de informação russos. Tal como no Médio Oriente, a Rússia opera vários canais de comunicação social populares, como a RT em Espanhol, a Sputnik Mundo e a Sputnik Brasil, com seguidores substanciais.”
CENTER FOR STRATEGIC AND INTERNATIONAL STUDIES, EUA: “A […] presença e influência da Rússia nos media [na América Latina] são incomparáveis… O alcance da técnica da Rússia provou ser eficaz… A Actualidad RT e a Sputnik Mundo tornaram-se tão populares nos ALC [países da américa latina], que em dezembro de 2022, a RT em Espanhol ganhou três prestigiados prémios mexicanos de jornalismo pela cobertura da guerra na Ucrânia.”
WILSON CENTER, EUA: “A Rússia implementou com sucesso estratégias de longo prazo para captar e influenciar as elites intelectuais na América Latina.”
ATLANTIC COUNCIL: “A Rússia estabeleceu uma presença significativa nos media e na informação em toda a região [da América Latina] com o Russia Today e o Sputnik News.”
EL MUNDO, ESPANHA: “Para além dos canais híbridos, [a Rússia] utiliza empresas públicas como a Russia Today, cuja propaganda está a triunfar na América Latina – a versão em língua espanhola da RT […] está integrada na vida quotidiana das famílias desde a Venezuela até à Bolívia."
INTERNATIONAL BUSINESS TIMES, Reino Unido: “Os meios de comunicação egípcios publicaram títulos e reportagens literalmente da RT Árabe , […] O EU Reporter, um meio de comunicação independente, informou que ‘os meios de comunicação russos como a RT Árabe e a Sputnik são extremamente populares, com a RT Árabe a tornar-se um dos sites de notícias com maior tráfego do país.'”
FOREIGN POLICY:
“A RT Árabe e a Sputnik Árabe emergiram como importantes fontes de notícias regionais legítimas no Médio Oriente.”
JOSEP BORRELL, ALTO REPRESENTANTE DA UE PARA NEGÓCIOS EXTERIORES E POLÍTICA DE SEGURANÇA: “Quando se vai a alguns países africanos e se vê pessoas a apoiar Putin, a apoiar o que Putin está a fazer no Donbass, a dizer que Putin salvou o Donbass, agora [Putin] virá a África para nos salvar.”
ABC, ESPANHA: “O Kremlin tentou aumentar a sua influência nos media utilizando a Russia Today e a Sputnik News. E também houve acordos de colaboração com os meios de comunicação locais, contratando jornalistas africanos e activistas africanos, e ao mesmo tempo gerando notícias em árabe, inglês ou francês para ganhar o apoio da população africana.”
Obrigado, muito agradecida.
Exportando censura
Desde o lançamento da RT em 2005, os nossos jornalistas trouxeram à luz do dia inúmeras histórias e pontos de vista banidos pela corrente dominante ocidental. Construímos um enorme público global e conquistámos a confiança dos telespectadores e leitores de todo o mundo.
Mas, apesar das declarações em contrário das elites ocidentais, qualquer voz que não consiga caber na câmara de eco bastante apertada que criaram para acomodar o discurso supostamente livre é inerentemente vista como ilegítima. Portanto, deve ser silenciada.
É por isso que, tendo eliminado os canais oficiais de RT das ondas hertzianas e das plataformas digitais ocidentais, querem agora – ou melhor, precisam e devem – exportar globalmente o seu tipo específico de censura. Comprometem-se a travar uma campanha coordenada para obrigar outras nações a seguir o seu exemplo, tudo para que o Ocidente possa recuperar o seu monopólio da informação. Devem “interromper as atividades [da RT]” em todo o lado. Não basta que isolem o seu próprio povo de factos inconvenientes e de pontos de vista alternativos. Têm a megalomania e a ousadia de dizer que ninguém no mundo também os deve ouvir.
Isto é especialmente verdade nos países do Sul Global – aqueles onde os EUA se habituaram a patrocinar, manipular, dominar, minar e derrubar regimes inadequados para eles, e a controlar abertamente de todas as formas que puderam, ao longo do último século.
Bem-vindo ao neocolonialismo, versão 2024.
O pessoal do governo também já alinhou os prodígios de Silicon Valley – os gigantes tecnológicos que estão sempre tão ansiosos por obter favores políticos a fim de se manterem no lado negligente da regulamentação empresarial – neste esforço. A Meta(1), que bloqueou o acesso às contas da RT no Facebook e Instagram na UE em 2022, removeu da noite para o dia a RT das suas plataformas – total e mundialmente.
O YouTube removeu os canais "que-batem-recordes" da RT em todo o lado nesse mesmo ano, mas a empresa-mãe da Google, a Alphabet, já tinha trabalhado para “desclassificar” a RT e o Sputnik nas pesquisas do Google em 2017.
E mesmo depois de tudo isso “a RT é a principal fonte recomendada de notícias sobre o ataque com armas químicas em Douma, o envenenamento de Skripal e os Capacetes Brancos Sírios”, escreveu o Atlantic Coucil em 2018. Em 2019, “o Bild conduziu um teste e inseriu a consulta 'Ucrânia' no Google News. Mais uma vez, entre os dez principais artigos estavam três da RT Deutsch e da Contra Magazin.” Quando as pessoas procuravam notícias, procuravam a RT.
Isto era insuportável.
Um rápido aparte: apesar de todas as alegações dos americanos e dos britânicos sobre as alegadas tentativas da RT de “semear a discórdia” nas suas sociedades, a rede deveria realmente ser elogiada por unir as pessoas. Nos EUA, onde o bipartidarismo político é uma espécie quase extinta, os esforços actuais da administração Biden são totalmente apoiados por Fiona Hill, do Conselho de Segurança Nacional de Donald Trump, que argumentou que “tem de haver uma acção concertada contra a RT”. No Reino Unido, a liderança trabalhista recentemente eleita adoptou integralmente o manual anti-RT dos seus antecessores conservadores.
Não sairemos daqui
Deixem-me ser clara: a RT não vai a lado nenhum, nem no Ocidente nem no Sul Global. Os nossos jornalistas continuarão a fazer o seu trabalho. Continuaremos a encontrar formas de fazer ouvir a nossa voz. O nosso público “de milhões, senão milhares de milhões de pessoas em todo o mundo” não espera de nós menos que isso. Este é o nosso dever para com a comunidade global.
Quanto à comunidade global, qual é a sua posição face a esta nova campanha liderada pelos EUA?
O Hindu, um dos jornais de referência da Índia, noticiou que “funcionários dos EUA [já] conversaram com o Ministério dos Negócios Estrangeiros [da Índia] para se juntarem às suas ações contra o que chamam de ‘desinformação russa’, revogando acreditações e designando jornalistas [RT] ao abrigo da 'Lei das Missões Estrangeiras'. No entanto, embora o ministério tenha permanecido em silêncio sobre a questão, os funcionários do governo disseram que o debate sobre as sanções não é relevante para a Índia, enquanto um antigo diplomata disse que a proibição das organizações de comunicação social mostrava «padrões duplos» por parte dos países ocidentais... Um responsável disse que o assunto ‘não diz respeito’ à Índia e salientou que a Índia não segue sanções unilaterais que não sejam aprovadas pelas Nações Unidas.”
Estamos confiantes de que o resto do mundo verdadeiramente independente seguirá o exemplo.
(1) Nota do tradutor: sublinhe-se que a Meta integra uma lista russa de organizações terroristas e está por isso proibida na Rússia.