Vamos ver se arranjamos aqui espaço para alguns dos textos que merecem ser preservados para futura Refer&ncia
(Raquel Varela, FaceBook 04/09/2025)
Aprendi com os meus colegas nos estudos sobre as condições de trabalho muito, hoje destaco três coisas: não existem "erros humanos"; e "acidentes" são raros. E vivemos uma gigante mentira liberal, a da "qualidade total" e a "certificação" - é tudo uma despudorada mentira, feita com base em estatísticas e inquéritos sem validade científica, os mesmo que a IA e o algoritmo usam...Por isso as lágrimas de Moedas creio-as desprezíveis. Lamento cada uma das vítimas e suas famílias.
Há 20 anos que trabalho com uma equipa multidisciplinar no OObservatório para as Condições de Vida - OCV onde realizámos estudos envolvendo situações de risco, em que no conjunto responderam mais de 40 mil trabalhadores a mais de 160 questões, com grupos focais (dos portos, CP, TAP, Metro, professores, enfermeiros, jornalistas e muitos outros). Somos quase 20, de áreas muito distintas (da sociologia à psicologia, da Engenharia à medicina, da segurança no trabalho ao direito, da história à teoria literária, e outros).
O erro é a forma natural do trabalho porque aquilo que nos faz trabalhar bem (fazer sem pensar, porque o nosso corpo sabe o que faz, treinou, registou) é o mesmo que nos faz errar. Ninguém pode dar uma aula ou apertar um parafuso se pensar a cada segundo o que faz, e é por isso que erra. Ninguém conduz a pensar a cada segundo. Interioriza os procedimentos. Por isso existem mecanismos de redundância, organização cooperativa, descanso, sono tranquilo, apoio dos mais velhos que sabem mais, felicidade, tudo isso não evita o erro, mas está lá, a ampará-lo quando ele se dá.
A segunda coisa que aprendi no meu querido OObservatório para as Condições de Vida - OCV com os meus colegas da literatura (talvez o único lugar em Portugal em que estão junto de engenheiros) é que as palavras têm vida. Não há "acidente" algum neste caso. Há, confirmando-se o que se avançou sobre a manutenção, incúria, crime, descaso, e sem que se comece, como em França, a condenar com prisão efectiva os dirigentes políticos e gestores que tomam estas decisões, nada mudará.
A subcontratação precária, insegurança no emprego, salários baixos, horários de trabalho doentios (que o Governo quer aumentar com novos esquemas), e aumentar, carregar, pressionar, é isso que fazem as direcções. Ameaçam. E despacham os mais velhos, que mais sabem, com rescisões amigáveis à força, quebram as equipas, pressionam ainda mais quem está com o trabalho real nas mãos e diz (ou sequer diz com medo), "as peças estão estragadas", "os alunos não estão a aprender", "os doentes não estão a ser tratados". Se tudo se confirmar não há acidente, há homicídio por negligência ou outra moldura penal qualquer. Como houve nas passagens de nível onde morrem e ficam feridas dezenas de pessoas, como em Tunes (5 jovens holandeses, entre muitos outros), depois do Sindicato avisar vezes sem conta dos lugares de morte na linha férrea. Como há nas estradas, entre motoristas ou passageiros, uma guerra civil, de centenas todos os anos, já normalizada como "mais um acidente"; como há nas fábricas e logística, mais de 100 mortos todos os anos, dados como apenas mais um "acidente" de trabalho. Como há quando no Metro do Porto na manutenção avisam que trabalham sem os mínimos. E no de Lisboa lutam para não haver manobras que levem a abrir portas do Metro do lado errado da linha. Tudo isto publicámos em estudos. É conhecido.
São este sectores, os serviços públicos e de transportes, os últimos que não têm medo de fazer greve (porque nas pequenas empresas privadas todos têm medo), que o Governo quer atacar colocando em causa do direito de greve por melhores condições de trabalho.
Lisboa não está de luto, Lisboa não é uma marca, quem está de luto é a família do guarda-freio, são as famílias dos que morreram. Foi a água contaminada, o apagão, os fogos e a destruição de casas e vidas, os ataques cardíacos sem assistência, as grávidas e bebés mortos, com urgências fechadas, nada disto são acidentes, isto é o colapso do país das "contas certas".
Isto é a política da UE que diz que contratar funcionários públicos é um gasto, mas pagar a banqueiros é uma obrigação. Isto é a política obscena militar que diz que a guerra "é um investimento que cria emprego". Isto é um Estado que em vez de nos proteger - para quem alguma vez acreditou em tal - passou a ser uma ameaça às nossas vidas. Este Estado não é num acidente, é uma tragédia. Em que os responsáveis não estão na fila do hospital, nunca ligaram para um serviço que não atende, têm o telemóvel do seu médico amigo, não fazem ideia do que é apanhar um comboio, andam de jacto privado, têm os filhos em colégios de 20 mil euros ano. Nós ficamos com as tragédias, eles com o lucro. É o mesmo Estado que diz aos sindicatos "não façam política". Quando a única coisa que há a fazer para nos salvarmos é Política. É todos nos organizarmos e agirmos e defender a causa pública, com greves, manifestações, acções concretas. E os sindicatos fazerem Política, sem medo da palavra, não a deixando aos políticos profissionais, mostrando a realidade, lutando por outro país. Ou isso ou ficar a ouvir discursos de políticos que nos dizem "não se metam que isso é político".
(Tiago Franco, FaceBook, 2025/09/04)
SEM GLÓRIA - parte 2
Escrevo poucas horas depois do trágico acidente no elevador da Glória. Já absolutamente entupido com as horas de diretos televisivos, destinados a transformar a dor em audiência, e com jornalistas, em esforço, a fazer o possível para encher reportagens sem informação. Aqui, como em qualquer tragédia em Portugal, uma palavra de destaque para a RTP, que é o único meio de comunicação social que, aparentemente, se preocupa em transmitir algo útil para informar quem os ouve, em vez de se multiplicarem em diretos sensationalistas sem qualquer interesse informativo.
A pergunta mais repetida é "o que falhou" e até Marcelo, o presidente omnipresente nas tragédias, já a fez. Pediu um rápido esclarecimento por parte das autoridades, e algo me diz que essa celeridade terá que esperar um pouco. Mais não fosse pelo fim das autárquicas.
Sendo a Carris a empresa responsável pelo elevador e, por sua vez, a Câmara de Lisboa a entidade controladora, não há grande volta a dar na procura do responsável político. Carlos Moedas estará debaixo de fogo, mas, como já se percebeu nas primeiras declarações, alguém pagará por ele. Era o que faltava: o edil de Lisboa, responsável pela prestação do serviço de transporte, arcar com as consequências políticas do pior acidente de que há memória no último século, na autarquia que preside. Era, de facto, o que faltava!
Amontoam-se as teorias sobre cabos e manutenções, muito ruído e especulação que, para já, disfarça o silêncio e a tentativa de fuga dos verdadeiros responsáveis. Os habituais abutres da direita começaram por atacar a Carris e a sua gestão pública, até perceberem que, só para chatear, a manutenção estava entregue a uma empresa privada, sob o protesto veemente dos trabalhadores da Carris. Trabalhadores esses que, já agora, alertavam há muito tempo para as falhas de manutenção e de conhecimento da empresa prestadora de serviços, defendendo que essa tarefa deveria voltar para os quadros da Carris.
Em 2024, o deputado municipal (BE), Ricardo Moreira, alertava para um corte de 4 milhões de euros na Carris, destinados ao Web Summit, esse evento tão crucial para a população de Lisboa. O jornal Página UM denuncia hoje que a CML tinha deixado caducar os contratos de manutenção por não ter recebido propostas dentro dos valores considerados razoáveis pela autarquia. Ou seja, Moedas cortou financiamento à Carris para entregá-lo a Paddy Cosgrave, retirou a manutenção de quem a sabia fazer para entregá-la a empresas privadas e, no final, nem com elas ficou porque não gostou do preço. Meus amigos... isto são escolhas políticas. E, como neste caso foram comprovadamente más, não é necessário pensar muito ou dar muitas voltas para encontrar o principal culpado.
Lisboa é notícia na imprensa mundial pelas piores razões. Uma vergonha que caiu sobre a cidade durante a pior e mais incompetente liderança que a capital portuguesa já conheceu. Uma cidade transformada num parque de diversões, onde os locais, empurrados para a periferia, já não conseguem viver e suportar o custo de vida. Uma cidade absolutamente voltada para os habitantes temporários, o turismo, os visitantes de uma realidade que já não é local. E uma cidade que, mesmo assim, nem consegue garantir que quem nos visita desça uma pequena colina sem morrer.
Há acidentes que a natureza nos oferece e sobre os quais não temos qualquer poder. Não é o caso deste. Os trabalhadores públicos, tantas vezes desprezados, deram o alerta. Os sindicatos, tantas vezes ignorados, avisaram dos perigos. A oposição política de esquerda tentou, sem sucesso, convencer o "rei sol". Mas Moedas, no seu gabinete, preocupado com paquistaneses e comemorações do 25 de Novembro, não os ouviu.
Fosse Carlos Moedas digno do cargo que ocupa e estaria, neste momento, a ler a sua carta de despedimento. Mas, como não é, e esse, tal como a responsabilidade desta tragédia, é um facto que não deixa margem para dúvidas, veremos o anasalado edil de Lisboa a prosseguir na fuga para a frente. Pessoalmente, e tendo em conta o panorama político atual, ainda espero ver Ventura, no TikTok, vestido de Homem-Aranha, a segurar o elétrico com uma teia, e Mariana Leitão, de megafone nos Restauradores, a exigir a privatização da Carris.
O meu lamento, envergonhado, é para quem escolheu visitar Lisboa e já não regressou a casa.
Ps - texto escrito, inicialmente, para um jornal online
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
2025/09/04
Sobre o Genocídio do Povo Palestiniano Pelas Mãos do Fundamentalismo Sionista
Uma flotilha maciça como sintoma: o que está a acontecer no Ocidente?
Estamos a viver quase dois anos de genocídio televisionado em Gaza. O Ministério da Saúde palestiniano reporta 63.700 mortes, incluindo profissionais de saúde e jornalistas, enquanto outros estudos independentes estimam o número entre 70.000 e mais de 80.000, quando se consideram mortes indirectas por fome ou pelo colapso do sistema de saúde.
Em plena luz do dia, hospitais e escolas são bombardeados, civis são executados e o acesso à ajuda humanitária é bloqueado. A fome é utilizada como ferramenta de guerra: as rotas de abastecimento são destruídas, aqueles que tentam distribuir ou recolher alimentos são mortos e as fronteiras são bloqueadas. O direito internacional classifica estes actos como crimes de guerra e genocídio, mas Israel fez destes critérios o seu guião. Isto não é novidade: já lá vão 70 anos de limpeza étnica na Palestina. Mas hoje, tudo acontece em direto, com câmaras e ecrãs a mostrar mutilações, crianças mortas, hospitais pulverizados. A característica definidora deste momento histórico não é a violência — que sempre existiu —, mas antes a descarada impunidade demonstrada.
Para compreender esta impunidade, é essencial recordar que Israel é, acima de tudo, uma base de operações ocidental no Médio Oriente, construída sobre um projecto colonial. O sionismo, enquanto ideologia política, nunca alcançou a maioria entre os judeus; aliás, durante décadas foi fortemente questionado pelas próprias comunidades judaicas, tanto religiosas como assimiladas, nos seus países de origem.
Só no meio da dor extrema, após a catástrofe do Holocausto, é que as potências coloniais viram uma oportunidade, usando este sofrimento como álibi, para estabelecer um enclave que servisse os seus interesses. A versão mais cínica de um anti-semitismo histórico: expulsar os judeus europeus para os utilizar para os seus próprios fins estratégicos. Em primeiro lugar, foi o Império Britânico, que em 1917 assinou a Declaração de Balfour, prometendo aos sionistas um "lar nacional" na Palestina, ignorando deliberadamente os seus habitantes nativos.
Posteriormente, foram os EUA que assumiram o controle, garantindo o financiamento, as armas, a impunidade diplomática e a cobertura mediática. Neste sentido, devemos deixar claro que Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque é que lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos. Israel é o cão de ataque do imperialismo numa área-chave para os recursos, a logística e a resiliência global.
Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos.
Neste contexto, a Flotilha Global Sumud, actualmente a navegar em direcção a Gaza, não é um gesto isolado nem uma improvisação recente. É a continuação de uma iniciativa iniciada em 2008, apenas dois anos depois de Israel ter imposto o seu sufocante bloqueio à Faixa de Gaza como punição colectiva contra o povo que votou no Hamas nas eleições de 2006.
Desde então, várias flotilhas partiram desafiando o cerco marítimo, incluindo uma que incluía o navio turco Mavi Marmara, que, em 2010, foi atacado por comandos israelitas que mataram dez ativistas em águas internacionais. Hoje, em 2025, está a ser organizada a maior missão deste tipo, com embarcações de vários portos do Mediterrâneo e até a participação de figuras conhecidas. Em resposta, o Ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, propôs classificar os tripulantes destas embarcações como "terroristas", pois a crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que as suas estratégias de propaganda e chantagem diplomática já não estão a ter o mesmo efeito e exploram agora directamente o medo.
Esta rutura com a narrativa ocidental reflete-se também nas ruas, universidades e recintos desportivos. Vimos isso ainda ontem, quando a Vuelta a Espanha teve de ser interrompida três quilómetros antes da meta em Bilbau devido aos protestos dos cidadãos contra o genocídio e à participação de uma equipa israelita.
A crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que a propaganda e as estratégias de chantagem diplomática de Israel já não estão a ter o mesmo efeito e recorrem agora directamente ao medo.
"A Palestina ganhou esta etapa", manchetes de alguns órgãos de comunicação espanhóis, antes de retificar — provavelmente sob pressão — o que era politicamente óbvio. Porque, no meio da falta de subtileza que estamos a viver, cada vez mais pessoas estão também a aperceber-se da insustentabilidade do duplo critério ocidental: a Rússia foi excluída das competições internacionais não por estar em guerra — porque, se esse fosse o critério, os EUA e grande parte da Europa estariam fora durante décadas —, mas por razões estritamente geopolíticas. Os mesmos que hoje permitem a Israel, enquanto perpetra genocídio diante das câmaras, ganhar prémios na Eurovisão, no desporto global e em todas as montras institucionais. Não se trata de legalidade, muito menos de valores ou princípios, mas de propaganda ao serviço do poder, e o povo começa a compreender. Está a começar a ver quem é quem no tabuleiro.
Perante este despertar, a repressão aumenta. O argumentista Paul Laverty foi detido no Reino Unido por usar uma t-shirt antigenocídio e aguarda julgamento por "terrorismo". Nos EUA, estudantes e professores são perseguidos, despedidos e criminalizados por demonstrarem solidariedade para com a Palestina. Assim, o mapa do horror fica completo: a barbárie em Gaza e a ordem de silêncio no Ocidente, duas faces da mesma moeda. Aquilo a que estamos a assistir é muito mais do que uma sucessão de protestos: é o despertar de uma consciência internacional que já não aceita ser cúmplice e que, aos poucos, parece começar a reconhecer o inimigo.
A flotilha por si só não impedirá o genocídio. Não abalará Israel. Mas desafia a retórica que o sustenta e expõe a cisão entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime.
A flotilha é apenas mais uma expressão — visível e mediática — de um profundo descontentamento que se espalha pelo planeta. Em Génova, os estivadores alertaram: se perdermos o contacto com os navios da flotilha, bloquearemos a Europa. Um alerta que ressoa como um eco das lutas operárias do século XX, mas adaptado à urgência de hoje. Já não falamos apenas de direitos laborais, mas de ligar tudo: um sistema que assassina em Gaza com as mesmas mãos que empobrecem e exploram todo o planeta.
A solidariedade com a Palestina já não é um exclusivo dos activistas ou dos militantes: é também a forma como as pessoas expressam, consciente ou inconscientemente, a sua rejeição de uma ordem internacional que viola sistematicamente os direitos e a vida e cuja narrativa, repleta de incoerências, começa a desfazer-se.
A flotilha por si só não irá travar o genocídio. Nem fará tremer Israel. Mas desafia a retórica que a sustenta e expõe a fractura entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime. Revela um fosso cada vez maior entre a impunidade institucionalizada e a dignidade organizada de baixo para cima. Enquanto as elites ocidentais se agarram à sua criação colonial no Médio Oriente, o povo nega que não participará no extermínio.
Esta é a verdadeira ameaça representada pela flotilha: não os navios, mas o crescente questionamento que bate às portas dos lares e se reflete neles. Hoje, a linha vermelha está a ser traçada pelo povo porque as elites ocidentais chegaram a tais extremos que o que está em causa agora é a autodefinição perante a evidência total da barbárie.
(Carmen Parejo Rendón, RT 04/09/2025)
Estamos a viver quase dois anos de genocídio televisionado em Gaza. O Ministério da Saúde palestiniano reporta 63.700 mortes, incluindo profissionais de saúde e jornalistas, enquanto outros estudos independentes estimam o número entre 70.000 e mais de 80.000, quando se consideram mortes indirectas por fome ou pelo colapso do sistema de saúde.
Em plena luz do dia, hospitais e escolas são bombardeados, civis são executados e o acesso à ajuda humanitária é bloqueado. A fome é utilizada como ferramenta de guerra: as rotas de abastecimento são destruídas, aqueles que tentam distribuir ou recolher alimentos são mortos e as fronteiras são bloqueadas. O direito internacional classifica estes actos como crimes de guerra e genocídio, mas Israel fez destes critérios o seu guião. Isto não é novidade: já lá vão 70 anos de limpeza étnica na Palestina. Mas hoje, tudo acontece em direto, com câmaras e ecrãs a mostrar mutilações, crianças mortas, hospitais pulverizados. A característica definidora deste momento histórico não é a violência — que sempre existiu —, mas antes a descarada impunidade demonstrada.
Para compreender esta impunidade, é essencial recordar que Israel é, acima de tudo, uma base de operações ocidental no Médio Oriente, construída sobre um projecto colonial. O sionismo, enquanto ideologia política, nunca alcançou a maioria entre os judeus; aliás, durante décadas foi fortemente questionado pelas próprias comunidades judaicas, tanto religiosas como assimiladas, nos seus países de origem.
Só no meio da dor extrema, após a catástrofe do Holocausto, é que as potências coloniais viram uma oportunidade, usando este sofrimento como álibi, para estabelecer um enclave que servisse os seus interesses. A versão mais cínica de um anti-semitismo histórico: expulsar os judeus europeus para os utilizar para os seus próprios fins estratégicos. Em primeiro lugar, foi o Império Britânico, que em 1917 assinou a Declaração de Balfour, prometendo aos sionistas um "lar nacional" na Palestina, ignorando deliberadamente os seus habitantes nativos.
Posteriormente, foram os EUA que assumiram o controle, garantindo o financiamento, as armas, a impunidade diplomática e a cobertura mediática. Neste sentido, devemos deixar claro que Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque é que lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos. Israel é o cão de ataque do imperialismo numa área-chave para os recursos, a logística e a resiliência global.
Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos.
Neste contexto, a Flotilha Global Sumud, actualmente a navegar em direcção a Gaza, não é um gesto isolado nem uma improvisação recente. É a continuação de uma iniciativa iniciada em 2008, apenas dois anos depois de Israel ter imposto o seu sufocante bloqueio à Faixa de Gaza como punição colectiva contra o povo que votou no Hamas nas eleições de 2006.
Desde então, várias flotilhas partiram desafiando o cerco marítimo, incluindo uma que incluía o navio turco Mavi Marmara, que, em 2010, foi atacado por comandos israelitas que mataram dez ativistas em águas internacionais. Hoje, em 2025, está a ser organizada a maior missão deste tipo, com embarcações de vários portos do Mediterrâneo e até a participação de figuras conhecidas. Em resposta, o Ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, propôs classificar os tripulantes destas embarcações como "terroristas", pois a crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que as suas estratégias de propaganda e chantagem diplomática já não estão a ter o mesmo efeito e exploram agora directamente o medo.
Esta rutura com a narrativa ocidental reflete-se também nas ruas, universidades e recintos desportivos. Vimos isso ainda ontem, quando a Vuelta a Espanha teve de ser interrompida três quilómetros antes da meta em Bilbau devido aos protestos dos cidadãos contra o genocídio e à participação de uma equipa israelita.
A crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que a propaganda e as estratégias de chantagem diplomática de Israel já não estão a ter o mesmo efeito e recorrem agora directamente ao medo.
"A Palestina ganhou esta etapa", manchetes de alguns órgãos de comunicação espanhóis, antes de retificar — provavelmente sob pressão — o que era politicamente óbvio. Porque, no meio da falta de subtileza que estamos a viver, cada vez mais pessoas estão também a aperceber-se da insustentabilidade do duplo critério ocidental: a Rússia foi excluída das competições internacionais não por estar em guerra — porque, se esse fosse o critério, os EUA e grande parte da Europa estariam fora durante décadas —, mas por razões estritamente geopolíticas. Os mesmos que hoje permitem a Israel, enquanto perpetra genocídio diante das câmaras, ganhar prémios na Eurovisão, no desporto global e em todas as montras institucionais. Não se trata de legalidade, muito menos de valores ou princípios, mas de propaganda ao serviço do poder, e o povo começa a compreender. Está a começar a ver quem é quem no tabuleiro.
Perante este despertar, a repressão aumenta. O argumentista Paul Laverty foi detido no Reino Unido por usar uma t-shirt antigenocídio e aguarda julgamento por "terrorismo". Nos EUA, estudantes e professores são perseguidos, despedidos e criminalizados por demonstrarem solidariedade para com a Palestina. Assim, o mapa do horror fica completo: a barbárie em Gaza e a ordem de silêncio no Ocidente, duas faces da mesma moeda. Aquilo a que estamos a assistir é muito mais do que uma sucessão de protestos: é o despertar de uma consciência internacional que já não aceita ser cúmplice e que, aos poucos, parece começar a reconhecer o inimigo.
A flotilha por si só não impedirá o genocídio. Não abalará Israel. Mas desafia a retórica que o sustenta e expõe a cisão entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime.
A flotilha é apenas mais uma expressão — visível e mediática — de um profundo descontentamento que se espalha pelo planeta. Em Génova, os estivadores alertaram: se perdermos o contacto com os navios da flotilha, bloquearemos a Europa. Um alerta que ressoa como um eco das lutas operárias do século XX, mas adaptado à urgência de hoje. Já não falamos apenas de direitos laborais, mas de ligar tudo: um sistema que assassina em Gaza com as mesmas mãos que empobrecem e exploram todo o planeta.
A solidariedade com a Palestina já não é um exclusivo dos activistas ou dos militantes: é também a forma como as pessoas expressam, consciente ou inconscientemente, a sua rejeição de uma ordem internacional que viola sistematicamente os direitos e a vida e cuja narrativa, repleta de incoerências, começa a desfazer-se.
A flotilha por si só não irá travar o genocídio. Nem fará tremer Israel. Mas desafia a retórica que a sustenta e expõe a fractura entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime. Revela um fosso cada vez maior entre a impunidade institucionalizada e a dignidade organizada de baixo para cima. Enquanto as elites ocidentais se agarram à sua criação colonial no Médio Oriente, o povo nega que não participará no extermínio.
Esta é a verdadeira ameaça representada pela flotilha: não os navios, mas o crescente questionamento que bate às portas dos lares e se reflete neles. Hoje, a linha vermelha está a ser traçada pelo povo porque as elites ocidentais chegaram a tais extremos que o que está em causa agora é a autodefinição perante a evidência total da barbárie.
2025/08/27
A Opinião da Srª Victoria [Fuck Europe] Nuland sobre a Destruição do NordStream
Victoria Nuland: "Estamos muito satisfeitos por saber que o Nord Stream 2 se tornou um monte de sucata no fundo do mar"
(RT, 27/01/2023)
Esta foi a opinião da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, que usou as mesmas palavras para descrever o gasoduto há um ano.
As autoridades norte-americanas estão satisfeitas por saber que o gasoduto Nord Stream 2 sofreu grandes explosões no final de Setembro do ano passado, de acordo com declarações da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, durante uma audição da Comissão de Relações Exteriores do Senado na quinta-feira.
Conversando com o senador republicano Ted Cruz sobre as sanções dos EUA contra Moscovo e o gasoduto, a funcionária disse: "Senador Cruz, eu, tal como o senhor... e, creio, como todo o governo presidencial... estou muito satisfeito por saber que o Nord Stream 2 se tornou, como disse, uma pilha de sucata no fundo do mar."
De notar que há exatamente um ano, a 27 de janeiro de 2022, Nuland disse praticamente a mesma coisa ao discutir a prontidão do Nord Stream 2 com o jornalista da AP, Matt Lee.
"Em relação ao Nord Stream 2, disse repetidamente que, se a Rússia invadir a Ucrânia, de uma forma ou de outra, o gasoduto não avançará. Foi isso que disse. [...] Mas o Nord Stream 2 está concluído. [...] Tudo o que têm de fazer é colocá-lo em funcionamento. Então, quando diz que não avançará, quer dizer que não abrirá para fornecer gás?", questionou o correspondente.
Por sua vez, Nuland afirmou que o gasoduto não estava pronto para ser posto em funcionamento, pois "não tinha sido testado, não tinha sido certificado". "Como o senador Cruz gosta de dizer, 'actualmente é um monte de sucata no fundo do mar'." "Precisa de ser testado, precisa de ser certificado...", disse.
A 26 de Setembro, os gasodutos foram atingidos por fortes explosões nas zonas económicas exclusivas da Suécia e da Dinamarca. Na sequência disso foram detetadas fugas de gás no mar, e as autoridades de vários países atribuíram os incidentes a possíveis atos de sabotagem.
Segundo o Presidente russo, Vladimir Putin, por trás destes ataques estava alguém "tecnicamente capaz de organizar as explosões e que já tinha recorrido a tal sabotagem, tendo sido apanhado em flagrante, mas impune". O presidente indicou ainda que o incidente foi benéfico para os Estados Unidos, que agora "podem fornecer recursos energéticos a preços mais elevados".
Por sua vez, o Ministério da Defesa russo denunciou a 29 de outubro que especialistas da Marinha Real Britânica estavam envolvidos nos ataques aos gasodutos no Mar Báltico.
(RT, 27/01/2023)
Esta foi a opinião da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, que usou as mesmas palavras para descrever o gasoduto há um ano.
As autoridades norte-americanas estão satisfeitas por saber que o gasoduto Nord Stream 2 sofreu grandes explosões no final de Setembro do ano passado, de acordo com declarações da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, durante uma audição da Comissão de Relações Exteriores do Senado na quinta-feira.
Conversando com o senador republicano Ted Cruz sobre as sanções dos EUA contra Moscovo e o gasoduto, a funcionária disse: "Senador Cruz, eu, tal como o senhor... e, creio, como todo o governo presidencial... estou muito satisfeito por saber que o Nord Stream 2 se tornou, como disse, uma pilha de sucata no fundo do mar."
De notar que há exatamente um ano, a 27 de janeiro de 2022, Nuland disse praticamente a mesma coisa ao discutir a prontidão do Nord Stream 2 com o jornalista da AP, Matt Lee.
"Em relação ao Nord Stream 2, disse repetidamente que, se a Rússia invadir a Ucrânia, de uma forma ou de outra, o gasoduto não avançará. Foi isso que disse. [...] Mas o Nord Stream 2 está concluído. [...] Tudo o que têm de fazer é colocá-lo em funcionamento. Então, quando diz que não avançará, quer dizer que não abrirá para fornecer gás?", questionou o correspondente.
Por sua vez, Nuland afirmou que o gasoduto não estava pronto para ser posto em funcionamento, pois "não tinha sido testado, não tinha sido certificado". "Como o senador Cruz gosta de dizer, 'actualmente é um monte de sucata no fundo do mar'." "Precisa de ser testado, precisa de ser certificado...", disse.
A 26 de Setembro, os gasodutos foram atingidos por fortes explosões nas zonas económicas exclusivas da Suécia e da Dinamarca. Na sequência disso foram detetadas fugas de gás no mar, e as autoridades de vários países atribuíram os incidentes a possíveis atos de sabotagem.
Segundo o Presidente russo, Vladimir Putin, por trás destes ataques estava alguém "tecnicamente capaz de organizar as explosões e que já tinha recorrido a tal sabotagem, tendo sido apanhado em flagrante, mas impune". O presidente indicou ainda que o incidente foi benéfico para os Estados Unidos, que agora "podem fornecer recursos energéticos a preços mais elevados".
Por sua vez, o Ministério da Defesa russo denunciou a 29 de outubro que especialistas da Marinha Real Britânica estavam envolvidos nos ataques aos gasodutos no Mar Báltico.
A Única Teoria Credível Sobre a Destruição do NordStream
Jornalista lendário afirma que mergulhadores americanos fizeram explodir o oleoduto Nord Stream
(RT Castelhano, 08/02/2023)
De acordo com um artigo de Seymour Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, Joe Biden decidiu sabotar o oleoduto Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional.
O lendário repórter Seymour Hersh fez uma revelação chocante no seu artigo "Como os EUA destruiram o oleoduto Nord Stream", publicado no seu blogue pessoal na quarta-feira. Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, afirmou que os mergulhadores da Marinha dos EUA colocaram os explosivos sob o oleoduto Nord Stream em junho de 2022.
De acordo com uma fonte familiarizada com o assunto, a operação foi realizada sob a cobertura dos exercícios BALTOPS 22 da NATO. Três meses depois, os dispositivos foram ativados remotamente para destruir os oleodutos.
Sem surpresa, a Casa Branca rejeitou quaisquer acusações que ligassem os EUA às explosões, apesar da visão de Joe Biden de que os gasodutos seriam um meio que permitiria a Vladimir Putin usar "o gás natural como arma para as suas ambições políticas e territoriais".
Adrienne Watson, porta-voz da Casa Branca, classificou tais suposições como "uma ficção completamente falsa", enquanto Tammy Thorp, porta-voz da Agência Central de Inteligência (CIA), comentou de forma semelhante, afirmando que "esta alegação é completa e absolutamente falsa", recorda a jornalista.
De acordo com o seu artigo, Biden decidiu sabotar o Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional de Washington, explorando diferentes abordagens para encontrar a melhor.
"Durante grande parte desse tempo, a questão não era se a missão deveria ser executada", mas como fazê-la sem deixar provas claras "de quem era o responsável", disse Hersh. Dado que as explosões ocorreram no meio de hostilidades entre Moscovo e Kiev, qualquer "acção que pudesse ser atribuída ao governo violaria as promessas dos EUA de minimizar o conflito directo com a Rússia. O secretismo era essencial".
A Elaboração do Plano
À medida que as tensões entre a Ucrânia e Moscovo aumentavam, o governo de Biden também se concentrou no Nord Stream. "Enquanto a Europa continuasse a depender dos gasodutos para gás natural barato, Washington temia que países como a Alemanha estivessem relutantes em fornecer à Ucrânia o dinheiro e as armas necessárias para derrotar a Rússia", escreveu o repórter, referindo que "foi neste momento instável que Biden autorizou Jake Sullivan [Conselheiro de Segurança Nacional] a convocar um grupo interagências para elaborar um plano".
"O que ficou claro para os participantes, de acordo com a fonte com conhecimento direto do caso, é que Sullivan pretendia que o grupo apresentasse um plano para destruir os dois oleodutos Nord Stream e que estava a cumprir a vontade do presidente", lê-se no artigo.
Num primeiro momento, a Marinha propôs a utilização de um submarino para atacar o oleoduto diretamente, enquanto a Força Aérea considerou o lançamento de bombas com espoletas de retardamento que pudessem ser ativadas remotamente. No entanto, a CIA insistiu que qualquer método teria de ser secreto. "Isto não é uma brincadeira de crianças", disse a fonte, acrescentando que, se o ataque pudesse ser rastreado até aos Estados Unidos, seria interpretado como "um ato de guerra".
Neste contexto, a força-tarefa da CIA trabalhou para desenvolver um plano para uma operação secreta que utilizaria mergulhadores de profundidade para provocar uma explosão, embora a ideia tenha sido inicialmente recebida com ceticismo por membros do grupo interagências. Um dos factores que os preocupava era que as águas do Mar Báltico eram fortemente patrulhadas pela Marinha Russa e não existiam plataformas petrolíferas que pudessem ser utilizadas como cobertura para uma operação de mergulho.
A Operação
Para dar continuidade ao plano, os americanos decidiram pedir ajuda à Noruega. "Eles odiavam os russos, e a Marinha Norueguesa estava repleta de excelentes marinheiros e mergulhadores, com gerações de experiência na exploração altamente lucrativa de petróleo e gás em águas profundas", disse a fonte, acrescentando que os noruegueses saberiam como manter as coisas em segredo, uma vez que destruir o Nord Stream lhes permitiria vender muito mais gás natural à Europa.
Em março, alguns membros da equipa voaram dos EUA para a Noruega para se reunirem com o Serviço Secreto e a Marinha Norueguesa. "Uma das principais questões era exatamente onde no Mar Báltico seria o melhor local para plantar os explosivos", explicou o jornalista. Os noruegueses não desiludiram e rapidamente encontraram o local certo.
Posteriormente, decidiu-se que uma sonobóia seria lançada à água, emitindo "uma sequência de sons tonais únicos e de baixa frequência, muito semelhantes aos emitidos por uma flauta ou piano", que seriam reconhecidos pelo temporizador para a ativar e detonar os oleodutos.
A 26 de setembro de 2022, uma aeronave de vigilância da Marinha Norueguesa realizou um voo aparentemente rotineiro e lançou uma sonobóia. "O sinal estendeu-se debaixo de água, inicialmente até ao Nord Stream 2 e depois até ao Nord Stream 1." Poucas horas depois, os explosivos de alta potência foram ativados e "três dos quatro oleodutos foram desativados". "Em poucos minutos, as bolsas de gás metano que restavam nos oleodutos fechados podiam ser vistas a espalhar-se pela superfície da água, e o mundo soube que algo irreversível tinha acontecido", concluía o artigo.
Quem é Hersh?
Seymour Hersh é um famoso jornalista norte-americano que ganhou o Prémio Pulitzer pela sua cobertura da Guerra do Vietname. O repórter tem sido o flagelo dos presidentes dos EUA desde a década de 1960 e já foi descrito pelo Partido Republicano como "a coisa mais próxima que o jornalismo americano tem do terrorismo".
Com apenas 30 anos, cobriu o massacre de My Lai, no Vietname, e foi o primeiro a reportar o bombardeamento do Camboja. Expôs a espionagem da CIA em solo americano contra ativistas anti-guerra e o plano de golpe contra Salvador Allende no Chile. Os seus artigos também ajudaram Washington a restringir o seu programa de armas químicas. Hersh alertou ainda para a falácia das armas nucleares no Iraque e expôs a tortura na prisão de Abu Ghraib.
(RT Castelhano, 08/02/2023)
De acordo com um artigo de Seymour Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, Joe Biden decidiu sabotar o oleoduto Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional.
O lendário repórter Seymour Hersh fez uma revelação chocante no seu artigo "Como os EUA destruiram o oleoduto Nord Stream", publicado no seu blogue pessoal na quarta-feira. Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, afirmou que os mergulhadores da Marinha dos EUA colocaram os explosivos sob o oleoduto Nord Stream em junho de 2022.
De acordo com uma fonte familiarizada com o assunto, a operação foi realizada sob a cobertura dos exercícios BALTOPS 22 da NATO. Três meses depois, os dispositivos foram ativados remotamente para destruir os oleodutos.
Sem surpresa, a Casa Branca rejeitou quaisquer acusações que ligassem os EUA às explosões, apesar da visão de Joe Biden de que os gasodutos seriam um meio que permitiria a Vladimir Putin usar "o gás natural como arma para as suas ambições políticas e territoriais".
Adrienne Watson, porta-voz da Casa Branca, classificou tais suposições como "uma ficção completamente falsa", enquanto Tammy Thorp, porta-voz da Agência Central de Inteligência (CIA), comentou de forma semelhante, afirmando que "esta alegação é completa e absolutamente falsa", recorda a jornalista.
De acordo com o seu artigo, Biden decidiu sabotar o Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional de Washington, explorando diferentes abordagens para encontrar a melhor.
"Durante grande parte desse tempo, a questão não era se a missão deveria ser executada", mas como fazê-la sem deixar provas claras "de quem era o responsável", disse Hersh. Dado que as explosões ocorreram no meio de hostilidades entre Moscovo e Kiev, qualquer "acção que pudesse ser atribuída ao governo violaria as promessas dos EUA de minimizar o conflito directo com a Rússia. O secretismo era essencial".
A Elaboração do Plano
À medida que as tensões entre a Ucrânia e Moscovo aumentavam, o governo de Biden também se concentrou no Nord Stream. "Enquanto a Europa continuasse a depender dos gasodutos para gás natural barato, Washington temia que países como a Alemanha estivessem relutantes em fornecer à Ucrânia o dinheiro e as armas necessárias para derrotar a Rússia", escreveu o repórter, referindo que "foi neste momento instável que Biden autorizou Jake Sullivan [Conselheiro de Segurança Nacional] a convocar um grupo interagências para elaborar um plano".
"O que ficou claro para os participantes, de acordo com a fonte com conhecimento direto do caso, é que Sullivan pretendia que o grupo apresentasse um plano para destruir os dois oleodutos Nord Stream e que estava a cumprir a vontade do presidente", lê-se no artigo.
Num primeiro momento, a Marinha propôs a utilização de um submarino para atacar o oleoduto diretamente, enquanto a Força Aérea considerou o lançamento de bombas com espoletas de retardamento que pudessem ser ativadas remotamente. No entanto, a CIA insistiu que qualquer método teria de ser secreto. "Isto não é uma brincadeira de crianças", disse a fonte, acrescentando que, se o ataque pudesse ser rastreado até aos Estados Unidos, seria interpretado como "um ato de guerra".
Neste contexto, a força-tarefa da CIA trabalhou para desenvolver um plano para uma operação secreta que utilizaria mergulhadores de profundidade para provocar uma explosão, embora a ideia tenha sido inicialmente recebida com ceticismo por membros do grupo interagências. Um dos factores que os preocupava era que as águas do Mar Báltico eram fortemente patrulhadas pela Marinha Russa e não existiam plataformas petrolíferas que pudessem ser utilizadas como cobertura para uma operação de mergulho.
A Operação
Para dar continuidade ao plano, os americanos decidiram pedir ajuda à Noruega. "Eles odiavam os russos, e a Marinha Norueguesa estava repleta de excelentes marinheiros e mergulhadores, com gerações de experiência na exploração altamente lucrativa de petróleo e gás em águas profundas", disse a fonte, acrescentando que os noruegueses saberiam como manter as coisas em segredo, uma vez que destruir o Nord Stream lhes permitiria vender muito mais gás natural à Europa.
Em março, alguns membros da equipa voaram dos EUA para a Noruega para se reunirem com o Serviço Secreto e a Marinha Norueguesa. "Uma das principais questões era exatamente onde no Mar Báltico seria o melhor local para plantar os explosivos", explicou o jornalista. Os noruegueses não desiludiram e rapidamente encontraram o local certo.
Posteriormente, decidiu-se que uma sonobóia seria lançada à água, emitindo "uma sequência de sons tonais únicos e de baixa frequência, muito semelhantes aos emitidos por uma flauta ou piano", que seriam reconhecidos pelo temporizador para a ativar e detonar os oleodutos.
A 26 de setembro de 2022, uma aeronave de vigilância da Marinha Norueguesa realizou um voo aparentemente rotineiro e lançou uma sonobóia. "O sinal estendeu-se debaixo de água, inicialmente até ao Nord Stream 2 e depois até ao Nord Stream 1." Poucas horas depois, os explosivos de alta potência foram ativados e "três dos quatro oleodutos foram desativados". "Em poucos minutos, as bolsas de gás metano que restavam nos oleodutos fechados podiam ser vistas a espalhar-se pela superfície da água, e o mundo soube que algo irreversível tinha acontecido", concluía o artigo.
Quem é Hersh?
Seymour Hersh é um famoso jornalista norte-americano que ganhou o Prémio Pulitzer pela sua cobertura da Guerra do Vietname. O repórter tem sido o flagelo dos presidentes dos EUA desde a década de 1960 e já foi descrito pelo Partido Republicano como "a coisa mais próxima que o jornalismo americano tem do terrorismo".
Com apenas 30 anos, cobriu o massacre de My Lai, no Vietname, e foi o primeiro a reportar o bombardeamento do Camboja. Expôs a espionagem da CIA em solo americano contra ativistas anti-guerra e o plano de golpe contra Salvador Allende no Chile. Os seus artigos também ajudaram Washington a restringir o seu programa de armas químicas. Hersh alertou ainda para a falácia das armas nucleares no Iraque e expôs a tortura na prisão de Abu Ghraib.
2025/07/23
A Mentira na Politica
"A Mentira na Política"
Não é de estranhar que a usual abordagem à mentira na política, parta de um conjunto de pressupostos errados, para acabar numas águas mais ou menos turvas, eivadas de sins, mas tambéns, e vejam lá, pensem melhor sobre o assunto, quando, neste momento, já não há lugar para rodriguinhos: o sapo de loiça™ é um mentiroso compulsivo. Sim, nasceu, cresceu e fortificou-se num ambiente de governação mentirosa, apaparicado pelos leilões de audiências do espaço de infoentretenimento vendido aos anunciantes, mas, no cerne, está apenas e tão só um reles sapo de loiça™ mentiroso.
Mas, afirmava eu, antes de me perder em explicações escatológicas para o milagre do nascimento do sapo de loiça™, não estranhar que a normal, usual e rotineira abordagem à mentira na política parta de um conjunto de pressupostos errados.
Não é em vão que vivemos imersos na ideologia dominante, a tal ponto que nem a conseguimos ver como ideologia. É como o ar que nos rodeia ou a água onde nadam os peixes: não o vemos, não o ouvimos, está aqui e nem o sentimos apesar de vivermos nele imersos.
Dizia Marx: "A ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante, reproduz-se", naturalmente, acrescento eu frisando a vertente orgânica do pensamento, implícita na frase do jovem filósofo alemão do século XIX, para quem, e volto a reproduzi-lo, livremente e de cor, "A filosofia se ocupou em explicar o mundo quando o que de facto importa é transformá-lo".
Implícita mas não explicitamente, e é por isso que a vou repetir, novamente, com a sua implícita orgânica naturalidade como explicito epílogo.
"A Ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante reproduz-se", organicamente, com naturalidade, imperceptivelmente.
Deixem-me repetir estes dois mantras que me têm acompanhado desde a puberdade, quando alguém me impingiu uns caderninhos coloridos escritos pela Marta Harnecker e a Gabriela Uribe.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da classe dominante reproduz-se.
e
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
Bom! E sobre a mentira e o mentiroso que nos trouxe aqui? Sobre a mentira, o mais relevante é reconhecer que ela é, s e m p r e e sob qualquer forma, cor ou tamanho: moral e mesmo eticamente i n a c e i t á v e l. Ponto.
Poderia frisar com o famoso "ponto final parágrafo, travessão na outra linha" dos ditados que infernizaram a minha infância, mas fiquemo-nos pela versão resumida: a mentira é inaceitável ponto!
De exclamação, concordo. A afirmação é suficientemente pomposa para reclamar mais do que um sonoro, bem sei, mas breve, ponto.
Creio até que, pelo seu peso, merece mais uma mantra, desta vez oriunda do mais do que pragmático jovem intelectual revolucionário Vladimir Ilitch, Lénine para os mais chegados, falecido ali pelos primeiros quartéis do século passado:
- "Só a verdade é revolucionária!"
Já não me lembro bem quando, nem onde, nem a que propósito terá o então jovem revolucionário dito tal verdade, mas gostaria de usar mais esta mantra para nos guiar numa viagem de vastos parágrafos, pelo mesmo mundo, olhado com outros pressupostos.
Proponho-vos, assim, partir de um quadro mental mais fora da caixa para a abordagem d'A Mentira na Política. Proponho-vos tentar partir de um quadro mental menos embebido em ideologia dominante. Um quadro mental baseado, não na Ideologia Dominante, não no pensamento dos intelectuais do sistema, isto é, não no pensamento de intelectuais preocupados em explicar o sistema como ele é, como deveria ser, ou como aparenta ser, como o fizeram o cidadão grego Platão, num tempo em que ser cidadão era pertencer à classe dominante, a única com direito de voto, o serviçal renascentista Maquiavel, serventuário bem pago pelo Príncipe da classe dominante a quem dedicou uma cuidada descrição dos pontos fortes do César Bórgia, ou o filósofo burguês Nietzsche, mas sim, aceitando como pressupostos, as três referidas mantras a que irei brevemente acrescentar uma quarta, para a qual só recentemente despertei, graças a uma Filósofa portuguesa de origem brasileira que tive o prazer de "ouver" há uns meses numa maravilhosa "Sociedade Civil" da RTP 2 dedicada à ... mentira na política.
Ponto de ordem à mesa para repetição das mantras que tomaremos como pressupostos na nossa, mais minha e para a qual vos quero arrastar, caminhada.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da Classe Dominante reproduz-se.
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
- Só a verdade é revolucionária.
E, como corolário, um outro pressuposto mais aceitável pela ideologia dominante e, no entanto, verdadeiramente revolucionário, porque indiscutível e universalmente verdadeiro:
- "Quem fala verdade é refém dessa mesma verdade, vê o seu discurso limitado pelas baias dessa verdade, ao passo que quem mente, é livre para mentir no mais vasto universo das mentiras limitado apenas pela imaginação do mentiroso."
Resumindo: a verdade é castradora enquanto a mentira é libertadora.
Uuuoooppss!
Diz-nos a tal Filósofa de quem não recordo o nome, mas para quem poderão, com a facilidade própria da vossa juventude, fazer o favor de encontrar nome, filiação, data de nascimento, biografia e bibliografia, assim haja tempo e vontade.
Sobre esta última mantra vou elaborar um bocadinho, sobre as outras, de tão antigas, tão trabalhadas, tão glosadas, peço-vos que as aceitem como pressupostos. São outros, diferentes dos usuais, bem sei. Mas são alguns dos que, como dizem por aí os websummiters, nos podem ajudar a pensar fora da caixa.
Divaguemos então um pedaço sobre as limitações impostas pela verdade e as liberdades de oratória proporcionadas a quem mais livremente mente e, sim, liberdades só limitadas pela imaginação do mentiroso.
A verdade é sempre uma e só uma, é o facto, é a factual realidade, mesmo quando quântica, mesmo quando indeterminística, mesmo quando o gato pode estar vivo ou morto, enquanto não for observado, e assim permanecer naquele estado quântico de vivo e morto, ao mesmo tempo, a verdade é que, enquanto não abrirmos a caixa, "O Gato" está vivo e morto, simultaneamente, não "não está", nem "deixa de estar", nem "não existe", nem "está na lua", nem "em marte", nem "é imigrante", nem "emigrante", nem "branco", nem "preto", nem "amarelo", ele está, enquanto não abrirmos a caixa, "vivo e morto" e, depois de aberta a caixa, vivo ou morto, mas a verdade é sempre, em cada momento, uma única e não a variedade de mentiras que sobre o gato enquanto gato, ou lebre, ou perdiz poderíamos tecer apenas limitadas pela nossa imaginação.
E sim, a verdade também é algo de completamente diferente das variadíssimas opiniões que possam ser formuladas sobre essa verdade, opiniões essas que podem, essas sim, enquanto apenas algumas das possíveis mil e uma mentiras em redor dessa verdade, serem apresentadas como verdades alternativas, outras verdades, que como vimos paradoxalmente não existem. A verdade era só uma, a que antecedeu as opiniões mais tarde sobre ela formuladas e depois tentativamente apresentadas como verdades.
Sim, quem mente tem muito mais liberdade oratória do que quem diz a verdade que, por estar limitada/o à verdade só se pode repetir num discurso facilmente apelidado de: Está sempre a dizer a mesma coisa.
Pois! A verdade.
Enquanto a verdade for aquela, o discurso não tem campo para ser diferente.
Já para o mentiroso, há sempre uma nova mentira, uma novidade, uma outra mentira, outro falso argumento que consolide a mentira original. Sim para o sedutor e eticamente reprovável mentiroso, sim, não apenas moralmente, mas mesmo eticamente reprovável mentiroso sapo de loiça™ , à revelia do que Platão e Nietzsche afirmam ser, e que Maquiavel, dando mais uns passos em direção ao precipício da iniquidade, defende que deve ser, que deve mesmo ser para que o Príncipe daí tire vantagens, uoops, acabei de tropeçar na Razão de Ser da Mentira para sobrevivência da classe dominante, mas deixemos a pedra no sitio, para nela podermos continuar a tropeçar até ao final deste escrito, dizia, para o sedutor e moralmente mentiroso, a oratória está livre para incluir qualquer mentira que ajude a sedimentar a mentira original.
E sim, a pedra em que tropeçámos é a rocha que a ideologia dominante tenta descaradamente esconder da multidão dos restantes, a saber, a mentira é essencial para que a minoritária Classe Dominante possa continuar a enganar, leia-se textualmente oprimir, a imensa maioria dos produtores.
Só à classe dominante interessa moralizar e normalizar a mentira, afinal, essa Classe Dominante não pode simplesmente dizer à multidão dos outros, sob pena de essa imensa maioria acabar por lhe ir aos brioches, que a mais valia por eles socialmente produzida está a ser privadamente apropriada pelos detentores dos meios de produção. O que a minoritária Classe Dominante tem de "explicar", à imensa maioria, é que é graças a ela, classe dominante, que eles têm um emprego que lhes permite adquirir os bens de consumo, produzidos nas fábricas dessa classe dominante, candidamente omitindo, de passagem, por quem são esses bens produzidos.
Ou ainda que o negócio privado da doença existe, para que os acionistas das empresas que detêm esse negócio se encham à tripa forra, com as prestações dos seguros de saúde sobre a doença alheia, e que a existência de um serviço de saúde gratuito, porque financiado pela imensa maioria dos explorados e, também, a contra gosto, pelos parcos impostos pagos pelos restantes 1%, é um verdadeiro atentado ao divino direito do Príncipe de viver à custa da doença alheia. O que a Classe Dominante, através dos seus arautos mediáticos e restantes sapos de loiça mentirosos, se vê forçada a fazer, em nome da sua sobrevivência e da sua sacrossanta apropriação de mais valias, é ensinar à imensa maioria dos restantes cidadãos que um serviço de saúde público, o único que pode ser gratuito, é ineficiente, nem que para isso tenha de ser subfinanciado, demasiado dispendioso, nem que para isso tenha de o obrigar a adquirir medicamentos, exames e análises ao negócio privado da doença a preços de mercado, carente de médicos, nem que para isso lhes tenha de acabar com as carreiras e de os sobrecarregar com horas extraordinárias, até que todos eles emigrem para o negócio privado da doença.
Ou mesmo que a desregulação dos mercados de capitais, de energia, de alimentos, de comunicações, de tudo e mais alguma coisa, é crucial para aumentar a mais valia socialmente produzida, através das poupanças nos meios de produção, tanto mais caros quanto mais sujeitos a regulamentos ambientais, que evitam catástrofes como derrames de petróleo, oriundo de plataformas offshore, a regulamentos de higiene e sanitagem, que evitam as vacas loucas criadas pela Tatcher, quando exterminou o organismo de vigilância agropecuário do reino unido, ou regulamentos do mercado de capitais que impeçam a Goldman Sachs de emprestar dinheiro à Grécia, ao mesmo tempo que aposta, à laia de seguro contra todos os riscos, em como essa mesma Grécia, a quem está a emprestar dinheiro a rodos, não vai conseguir pagar-lhe o empréstimo, fazendo assim com que os juros do empréstimo cresçam de forma vertiginosa, tornando o empréstimo de facto impagável. Mas não importa, a Goldman já lucrou no mercado de apostas, leia-se de futuros, mais do que lucraria com os juros dos empréstimos que, afinal, acabarão a ser pagos por todos nós através de mais um empréstimo do Banco Mundial, garantido pelo orçamento comunitário, leia-se pelos impostos que todos nós pagamos. Sim, porque se há coisa que a banca sabe fazer é cobrar um empréstimo, nem que para isso tenha de esperar que o bisneto do original devedor venda o palácio. Não, o que a Classe Dominante tem de nos explicar é que a desregulamentação de tudo e mais alguma coisa é absolutamente fundamental para que o desenvolvimento tecnológico, alimentado por essa desregulamentação, nos possa oferecer maior bem estar, mais e melhores produtos a preços mais convidativos, e que os lucros conseguidos pelo sistema financeiro com a desregulamentação dos mercados financeiros é essencial para os bancos, sem os quais óbvia e evidentemente não podemos passar, nos cobrem menos comissões e possam, vejam lá a candidez, baixar uns pontos percentuais nos juros dos empréstimos à habitação. Quanto à Banca Pública, vade retro satanás que ameaça a livre concorrência dos mercados.
Quanto tempo duraria o poder de uma ultraminoritária classe dominante que não conseguisse esconder, com uma muralha de mentira, a verdade de que ela deve o seu bem estar ao mal estar que provoca na imensa maioria dos restantes cidadãos?
É essencialmente por estas, mas também por outras, que a mentira, a repetição da mentira, a normalização da mentira é tão importante para a sobrevivência dos 1% detentores de 50% da riqueza. É por isso que é tão importante deixar claro, a todos nós, que os políticos são todos iguais, todos mentirosos, que não só mentem, como é a sua sobrevivência e não a dos seus patrões que depende da sua capacidade de mentir. E não nos preocupemos. Quando nós, a imensa maioria, tivermos finalmente compreendido que os políticos são todos iguais e todos uma cambada de aldrabões, a classe dominante cria, aduba e fortalece um qualquer novo sapo de loiça™ ainda mais mentiroso que, livre de quaisquer peias de realidade, e mentindo com a maior das imaginações e teatralidade, virá convencer-nos que o melhor é acabar com essa variedade de políticos aldrabões e entregar as nossas vidas nas mãos de um São Sebastião salvador. Ao menos será só um a roubar.
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Todos os direitos reservados.
O Nascimento de Fachus by Vieira Ressurected
Não é de estranhar que a usual abordagem à mentira na política, parta de um conjunto de pressupostos errados, para acabar numas águas mais ou menos turvas, eivadas de sins, mas tambéns, e vejam lá, pensem melhor sobre o assunto, quando, neste momento, já não há lugar para rodriguinhos: o sapo de loiça™ é um mentiroso compulsivo. Sim, nasceu, cresceu e fortificou-se num ambiente de governação mentirosa, apaparicado pelos leilões de audiências do espaço de infoentretenimento vendido aos anunciantes, mas, no cerne, está apenas e tão só um reles sapo de loiça™ mentiroso.
Mas, afirmava eu, antes de me perder em explicações escatológicas para o milagre do nascimento do sapo de loiça™, não estranhar que a normal, usual e rotineira abordagem à mentira na política parta de um conjunto de pressupostos errados.
Não é em vão que vivemos imersos na ideologia dominante, a tal ponto que nem a conseguimos ver como ideologia. É como o ar que nos rodeia ou a água onde nadam os peixes: não o vemos, não o ouvimos, está aqui e nem o sentimos apesar de vivermos nele imersos.
Dizia Marx: "A ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante, reproduz-se", naturalmente, acrescento eu frisando a vertente orgânica do pensamento, implícita na frase do jovem filósofo alemão do século XIX, para quem, e volto a reproduzi-lo, livremente e de cor, "A filosofia se ocupou em explicar o mundo quando o que de facto importa é transformá-lo".
Implícita mas não explicitamente, e é por isso que a vou repetir, novamente, com a sua implícita orgânica naturalidade como explicito epílogo.
"A Ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante reproduz-se", organicamente, com naturalidade, imperceptivelmente.
Deixem-me repetir estes dois mantras que me têm acompanhado desde a puberdade, quando alguém me impingiu uns caderninhos coloridos escritos pela Marta Harnecker e a Gabriela Uribe.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da classe dominante reproduz-se.
e
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
Bom! E sobre a mentira e o mentiroso que nos trouxe aqui? Sobre a mentira, o mais relevante é reconhecer que ela é, s e m p r e e sob qualquer forma, cor ou tamanho: moral e mesmo eticamente i n a c e i t á v e l. Ponto.
Poderia frisar com o famoso "ponto final parágrafo, travessão na outra linha" dos ditados que infernizaram a minha infância, mas fiquemo-nos pela versão resumida: a mentira é inaceitável ponto!
De exclamação, concordo. A afirmação é suficientemente pomposa para reclamar mais do que um sonoro, bem sei, mas breve, ponto.
Creio até que, pelo seu peso, merece mais uma mantra, desta vez oriunda do mais do que pragmático jovem intelectual revolucionário Vladimir Ilitch, Lénine para os mais chegados, falecido ali pelos primeiros quartéis do século passado:
- "Só a verdade é revolucionária!"
Já não me lembro bem quando, nem onde, nem a que propósito terá o então jovem revolucionário dito tal verdade, mas gostaria de usar mais esta mantra para nos guiar numa viagem de vastos parágrafos, pelo mesmo mundo, olhado com outros pressupostos.
Proponho-vos, assim, partir de um quadro mental mais fora da caixa para a abordagem d'A Mentira na Política. Proponho-vos tentar partir de um quadro mental menos embebido em ideologia dominante. Um quadro mental baseado, não na Ideologia Dominante, não no pensamento dos intelectuais do sistema, isto é, não no pensamento de intelectuais preocupados em explicar o sistema como ele é, como deveria ser, ou como aparenta ser, como o fizeram o cidadão grego Platão, num tempo em que ser cidadão era pertencer à classe dominante, a única com direito de voto, o serviçal renascentista Maquiavel, serventuário bem pago pelo Príncipe da classe dominante a quem dedicou uma cuidada descrição dos pontos fortes do César Bórgia, ou o filósofo burguês Nietzsche, mas sim, aceitando como pressupostos, as três referidas mantras a que irei brevemente acrescentar uma quarta, para a qual só recentemente despertei, graças a uma Filósofa portuguesa de origem brasileira que tive o prazer de "ouver" há uns meses numa maravilhosa "Sociedade Civil" da RTP 2 dedicada à ... mentira na política.
Ponto de ordem à mesa para repetição das mantras que tomaremos como pressupostos na nossa, mais minha e para a qual vos quero arrastar, caminhada.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da Classe Dominante reproduz-se.
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
- Só a verdade é revolucionária.
E, como corolário, um outro pressuposto mais aceitável pela ideologia dominante e, no entanto, verdadeiramente revolucionário, porque indiscutível e universalmente verdadeiro:
- "Quem fala verdade é refém dessa mesma verdade, vê o seu discurso limitado pelas baias dessa verdade, ao passo que quem mente, é livre para mentir no mais vasto universo das mentiras limitado apenas pela imaginação do mentiroso."
Resumindo: a verdade é castradora enquanto a mentira é libertadora.
Uuuoooppss!
Diz-nos a tal Filósofa de quem não recordo o nome, mas para quem poderão, com a facilidade própria da vossa juventude, fazer o favor de encontrar nome, filiação, data de nascimento, biografia e bibliografia, assim haja tempo e vontade.
Sobre esta última mantra vou elaborar um bocadinho, sobre as outras, de tão antigas, tão trabalhadas, tão glosadas, peço-vos que as aceitem como pressupostos. São outros, diferentes dos usuais, bem sei. Mas são alguns dos que, como dizem por aí os websummiters, nos podem ajudar a pensar fora da caixa.
Divaguemos então um pedaço sobre as limitações impostas pela verdade e as liberdades de oratória proporcionadas a quem mais livremente mente e, sim, liberdades só limitadas pela imaginação do mentiroso.
A verdade é sempre uma e só uma, é o facto, é a factual realidade, mesmo quando quântica, mesmo quando indeterminística, mesmo quando o gato pode estar vivo ou morto, enquanto não for observado, e assim permanecer naquele estado quântico de vivo e morto, ao mesmo tempo, a verdade é que, enquanto não abrirmos a caixa, "O Gato" está vivo e morto, simultaneamente, não "não está", nem "deixa de estar", nem "não existe", nem "está na lua", nem "em marte", nem "é imigrante", nem "emigrante", nem "branco", nem "preto", nem "amarelo", ele está, enquanto não abrirmos a caixa, "vivo e morto" e, depois de aberta a caixa, vivo ou morto, mas a verdade é sempre, em cada momento, uma única e não a variedade de mentiras que sobre o gato enquanto gato, ou lebre, ou perdiz poderíamos tecer apenas limitadas pela nossa imaginação.
E sim, a verdade também é algo de completamente diferente das variadíssimas opiniões que possam ser formuladas sobre essa verdade, opiniões essas que podem, essas sim, enquanto apenas algumas das possíveis mil e uma mentiras em redor dessa verdade, serem apresentadas como verdades alternativas, outras verdades, que como vimos paradoxalmente não existem. A verdade era só uma, a que antecedeu as opiniões mais tarde sobre ela formuladas e depois tentativamente apresentadas como verdades.
Sim, quem mente tem muito mais liberdade oratória do que quem diz a verdade que, por estar limitada/o à verdade só se pode repetir num discurso facilmente apelidado de: Está sempre a dizer a mesma coisa.
Pois! A verdade.
Enquanto a verdade for aquela, o discurso não tem campo para ser diferente.
Já para o mentiroso, há sempre uma nova mentira, uma novidade, uma outra mentira, outro falso argumento que consolide a mentira original. Sim para o sedutor e eticamente reprovável mentiroso, sim, não apenas moralmente, mas mesmo eticamente reprovável mentiroso sapo de loiça™ , à revelia do que Platão e Nietzsche afirmam ser, e que Maquiavel, dando mais uns passos em direção ao precipício da iniquidade, defende que deve ser, que deve mesmo ser para que o Príncipe daí tire vantagens, uoops, acabei de tropeçar na Razão de Ser da Mentira para sobrevivência da classe dominante, mas deixemos a pedra no sitio, para nela podermos continuar a tropeçar até ao final deste escrito, dizia, para o sedutor e moralmente mentiroso, a oratória está livre para incluir qualquer mentira que ajude a sedimentar a mentira original.
E sim, a pedra em que tropeçámos é a rocha que a ideologia dominante tenta descaradamente esconder da multidão dos restantes, a saber, a mentira é essencial para que a minoritária Classe Dominante possa continuar a enganar, leia-se textualmente oprimir, a imensa maioria dos produtores.
Só à classe dominante interessa moralizar e normalizar a mentira, afinal, essa Classe Dominante não pode simplesmente dizer à multidão dos outros, sob pena de essa imensa maioria acabar por lhe ir aos brioches, que a mais valia por eles socialmente produzida está a ser privadamente apropriada pelos detentores dos meios de produção. O que a minoritária Classe Dominante tem de "explicar", à imensa maioria, é que é graças a ela, classe dominante, que eles têm um emprego que lhes permite adquirir os bens de consumo, produzidos nas fábricas dessa classe dominante, candidamente omitindo, de passagem, por quem são esses bens produzidos.
Ou ainda que o negócio privado da doença existe, para que os acionistas das empresas que detêm esse negócio se encham à tripa forra, com as prestações dos seguros de saúde sobre a doença alheia, e que a existência de um serviço de saúde gratuito, porque financiado pela imensa maioria dos explorados e, também, a contra gosto, pelos parcos impostos pagos pelos restantes 1%, é um verdadeiro atentado ao divino direito do Príncipe de viver à custa da doença alheia. O que a Classe Dominante, através dos seus arautos mediáticos e restantes sapos de loiça mentirosos, se vê forçada a fazer, em nome da sua sobrevivência e da sua sacrossanta apropriação de mais valias, é ensinar à imensa maioria dos restantes cidadãos que um serviço de saúde público, o único que pode ser gratuito, é ineficiente, nem que para isso tenha de ser subfinanciado, demasiado dispendioso, nem que para isso tenha de o obrigar a adquirir medicamentos, exames e análises ao negócio privado da doença a preços de mercado, carente de médicos, nem que para isso lhes tenha de acabar com as carreiras e de os sobrecarregar com horas extraordinárias, até que todos eles emigrem para o negócio privado da doença.
Ou mesmo que a desregulação dos mercados de capitais, de energia, de alimentos, de comunicações, de tudo e mais alguma coisa, é crucial para aumentar a mais valia socialmente produzida, através das poupanças nos meios de produção, tanto mais caros quanto mais sujeitos a regulamentos ambientais, que evitam catástrofes como derrames de petróleo, oriundo de plataformas offshore, a regulamentos de higiene e sanitagem, que evitam as vacas loucas criadas pela Tatcher, quando exterminou o organismo de vigilância agropecuário do reino unido, ou regulamentos do mercado de capitais que impeçam a Goldman Sachs de emprestar dinheiro à Grécia, ao mesmo tempo que aposta, à laia de seguro contra todos os riscos, em como essa mesma Grécia, a quem está a emprestar dinheiro a rodos, não vai conseguir pagar-lhe o empréstimo, fazendo assim com que os juros do empréstimo cresçam de forma vertiginosa, tornando o empréstimo de facto impagável. Mas não importa, a Goldman já lucrou no mercado de apostas, leia-se de futuros, mais do que lucraria com os juros dos empréstimos que, afinal, acabarão a ser pagos por todos nós através de mais um empréstimo do Banco Mundial, garantido pelo orçamento comunitário, leia-se pelos impostos que todos nós pagamos. Sim, porque se há coisa que a banca sabe fazer é cobrar um empréstimo, nem que para isso tenha de esperar que o bisneto do original devedor venda o palácio. Não, o que a Classe Dominante tem de nos explicar é que a desregulamentação de tudo e mais alguma coisa é absolutamente fundamental para que o desenvolvimento tecnológico, alimentado por essa desregulamentação, nos possa oferecer maior bem estar, mais e melhores produtos a preços mais convidativos, e que os lucros conseguidos pelo sistema financeiro com a desregulamentação dos mercados financeiros é essencial para os bancos, sem os quais óbvia e evidentemente não podemos passar, nos cobrem menos comissões e possam, vejam lá a candidez, baixar uns pontos percentuais nos juros dos empréstimos à habitação. Quanto à Banca Pública, vade retro satanás que ameaça a livre concorrência dos mercados.
Quanto tempo duraria o poder de uma ultraminoritária classe dominante que não conseguisse esconder, com uma muralha de mentira, a verdade de que ela deve o seu bem estar ao mal estar que provoca na imensa maioria dos restantes cidadãos?
É essencialmente por estas, mas também por outras, que a mentira, a repetição da mentira, a normalização da mentira é tão importante para a sobrevivência dos 1% detentores de 50% da riqueza. É por isso que é tão importante deixar claro, a todos nós, que os políticos são todos iguais, todos mentirosos, que não só mentem, como é a sua sobrevivência e não a dos seus patrões que depende da sua capacidade de mentir. E não nos preocupemos. Quando nós, a imensa maioria, tivermos finalmente compreendido que os políticos são todos iguais e todos uma cambada de aldrabões, a classe dominante cria, aduba e fortalece um qualquer novo sapo de loiça™ ainda mais mentiroso que, livre de quaisquer peias de realidade, e mentindo com a maior das imaginações e teatralidade, virá convencer-nos que o melhor é acabar com essa variedade de políticos aldrabões e entregar as nossas vidas nas mãos de um São Sebastião salvador. Ao menos será só um a roubar.
Sapo de loiça é trademark de "Vieira Ressurected".
Todos os direitos reservados.
2025/07/22
A ideologia por trás da “Nova América” é mais perigosa do que parece
A ideologia por trás da “Nova América” é mais perigosa do que parece
Os super-humanos estão a chegar – e o perigo também.
(Artyom Lukin(*), RT, 2025/07/20)
Nos últimos 500 anos, o Ocidente reinou como a civilização dominante do mundo. Embora o seu domínio tenha diminuído nos últimos anos, o Ocidente — especialmente os Estados Unidos — continua a ser a força mais poderosa na política global e na economia internacional. Este poder, embora capaz de construir muito, também tem o potencial de destruir muito.
Hoje, uma nova ideologia está a tomar forma no Ocidente, particularmente nos EUA. Nas condições certas, pode ser tão perigoso para a humanidade como foram o fascismo e o nazismo no século passado. A reeleição de Donald Trump pode marcar um ponto de viragem decisivo, transferindo poder para pessoas e ideias que são, na melhor das hipóteses, profundamente ambíguas.
Esta “Nova América” não é movida por uma visão única do mundo, mas antes por uma convergência de quatro facções ideológicas.
Os restauracionistas imperiais
No centro está o próprio Trump e os seus aliados — reminiscências da era do imperialismo das grandes potências. O discurso inaugural de Trump para lançamento do seu segundo mandato deixou poucas dúvidas: apelou à expansão territorial, ao crescimento industrial e a um militarismo ressurgente. A América, declarou, é “a maior civilização da história da humanidade”. Falou com aprovação do presidente William McKinley e de Theodore Roosevelt, ambos arquitetos do imperialismo americano.
A visão é inconfundível: o excepcionalismo americano, imposto pelo poderio militar e impulsionado pela lógica da conquista. É a linguagem do império.
Os conservadores nacionalistas
Depois, há os populistas de direita – figuras como o vice-presidente J.D. Vance, o estratega Steve Bannon e o jornalista Tucker Carlson. O seu grito de guerra é “América em primeiro lugar”. Defendem os valores tradicionais, afirmam falar pela classe trabalhadora e desprezam a elite liberal concentrada nas cidades costeiras.
Opõem-se ao globalismo, apoiam o protecionismo comercial e promovem o isolacionismo na política externa. Esta fação não é particularmente nova na política norte-americana, mas a sua influência aprofundou-se, especialmente sob o patrocínio de Trump.
Vice President JD Vance em visita a Los Angeles depois do distúrbios provocados pelas rusgas do ICE © Getty Images
Os multi-milionários tecno-libertários
Um elemento mais novo — e talvez mais perturbador — da ideologia emergente dos Estados Unidos é representado pelos multimilionários de Silicon Valley. Elon Musk é a figura mais visível, tendo chefiado brevemente o Departamento de Eficiência Governamental de Trump no início de 2025. Mas o ator mais influente pode ser Marc Andreessen, o capitalista de risco e pioneiro da internet que se tornou conselheiro informal de Trump.
A mudança política de Andreessen ocorreu após a sua frustração com as regulamentações da era Biden sobre criptomoedas e inteligência artificial. Em 2023, publicou um manifesto chamado ‘O Tecno-Otimista’, um documento que prega a aceleração tecnológica desenfreada. Na sua opinião, a inovação científica e o mercado livre podem resolver todos os problemas da humanidade, desde que o governo não interfira.
Andreessen cita Nietzsche e invoca a imagem do “predador de topo” – uma nova geração de super-homens tecnológicos que está no topo da cadeia alimentar. Escreve: “Não somos vítimas, somos conquistadores… o predador mais forte no topo da cadeia alimentar.”
Esta linguagem pode parecer metafórica, mas é reveladora. A lista de inspirações intelectuais de Andreessen inclui Filippo Marinetti, o futurista que ajudou a lançar as bases estéticas do fascismo italiano e morreu a combater o Exército Vermelho em Estalinegrado.
Marc Andreessen
O filósofo-fazedor de reis
O pensador mais intelectualmente desenvolvido do campo tecno-libertário é Peter Thiel, cofundador da PayPal e da empresa de vigilância de dados Palantir Technologies. Thiel já não é uma figura marginal – é agora, sem dúvida, o segundo ideólogo mais importante da Nova América, depois do próprio Trump.
Thiel é também um mestre estratega. Orientou e financiou pessoalmente Vance, agora vice-presidente e possivelmente herdeiro aparente de Trump. Ao mesmo tempo, apoiou Blake Masters no Arizona, embora esta aposta não tenha resultado. Thiel lê a Bíblia, cita Carl Schmitt e Leo Strauss e fala abertamente sobre os limites da democracia. “A liberdade já não é compatível com a democracia”, disse.
Comparou a América moderna à Alemanha de Weimar, defendendo que o liberalismo está esgotado e deve surgir um novo sistema. Apesar das suas inclinações libertárias, as empresas de Thiel desenvolvem ferramentas de IA para o Pentágono e financiam sistemas de armas de última geração através de empresas como a Anduril.
Thiel acredita que os Estados Unidos entraram num longo declínio – e que são necessários avanços tecnológicos radicais para o inverter. Um dos seus projetos favoritos é o “Enhanced Games”, uma competição onde o doping e o biohacking são permitidos. Coorganizado com Donald Trump Jr., o evento reflete a obsessão de Thiel com o transumanismo e o aperfeiçoamento humano.
Na política externa, Thiel vê a China como o principal inimigo dos Estados Unidos. Chamou-lhe "gerontocracia semifascista e semicomunista" e pressionou pela completa dissociação económica. Curiosamente, Thiel é muito menos hostil à Rússia, que vê como culturalmente mais próxima do Ocidente. Na sua opinião, empurrar Moscovo para os braços de Pequim é um erro estratégico.
Peter Thiel
O Iluminismo Sombrio
O último grupo por trás da Nova América é o dos teóricos do “Iluminismo Sombrio”, ou movimento neo-reacionário. Estes provocadores intelectuais rejeitam os valores do Iluminismo que outrora definiram o Ocidente.
Nick Land, um filósofo britânico que vive em Xangai, está entre os pensadores fundadores desta escola. Prevê o fim da humanidade tal como a conhecemos e a ascensão de sistemas pós-humanos e tecno-autoritários governados pelo capital e pelas máquinas. Para Land, a moralidade é irrelevante; o que interessa é a eficiência, a evolução e a potência bruta.
Curtis Yarvin (também conhecido por Mencius Moldbug), um programador norte-americano, é outra figura central. Amigo de Thiel e membro do círculo intelectual de Trump, Yarvin defende a substituição da democracia por uma monarquia de estilo corporativo. Imagina um futuro de cidades-estado soberanas geridas como empresas, onde a experimentação de leis e tecnologias é irrestrita.
Yarvin é claro na sua rejeição da liderança global americana. Acredita que os EUA se devem retirar da Europa e deixar que as potências regionais resolvam as suas próprias disputas. Fala calorosamente da China, e as suas opiniões sobre a Segunda Guerra Mundial são pouco ortodoxas, para dizer o mínimo — sugerindo que Hitler foi motivado por cálculos estratégicos e não por ambições genocidas.
Curtis Yarvin
O que aí vem?
Muitas destas ideias podem parecer marginais. Mas as ideias marginais têm poder — sobretudo quando ecoam pelos corredores da influência política e tecnológica. As teorias jurídicas de Carl Schmitt permitiram a Hitler tomar poderes ditatoriais em 1933. Hoje, os aliados intelectuais de Trump e Thiel estão a elaborar as suas próprias narrativas de "emergência", "decadência" e "despertar".
O que está a surgir na América não é um recuo da hegemonia, mas uma reformulação da mesma. A ordem internacional liberal já não é vista como sagrada — nem mesmo pelo país que a construiu. A nova elite americana pode estar a retirar tropas da Europa, do Médio Oriente e da Coreia, mas as suas ambições não diminuíram. Em vez disso, estão a recorrer a métodos mais subtis de controlo: IA, domínio cibernético, guerra ideológica e superioridade tecnológica.
O seu objetivo não é um mundo multipolar, mas um mundo unipolar redesenhado — governado não por diplomatas e tratados, mas por algoritmos, monopólios e máquinas.
A ameaça ao mundo já não é apenas política. É civilizacional. Os super-humanos estão em marcha.
(*) Professor associado de relações internacionais na Universidade Federal do Extremo Oriente em Vladivostok, Rússia
O seu objetivo não é um mundo multipolar, mas um mundo unipolar redesenhado — governado não por diplomatas e tratados, mas por algoritmos, monopólios e máquinas.
A ameaça ao mundo já não é apenas política. É civilizacional. Os super-humanos estão em marcha.
(*) Professor associado de relações internacionais na Universidade Federal do Extremo Oriente em Vladivostok, Rússia
Este artigo foi publicado pela primeira vez pela Rússia na Global Affairs, traduzido e editado pela equipa da RT.
2025/06/29
2025/05/11
Comunicação de Putin sobre as negociações com a Ucrânia e as violações da trégua: Principais conclusões
Como tudo quanto é media já está a interpretar e a comentar o que Putin terá dito na sua noturna comunicação à imprensa é sempre boa ideia ler também o que Os Russos dizem que o seu presidente disse. Direitinhos da RT e ainda quentinhos aqui ficam os pontos chave da comunicação à imprensa de ontem á noite.
Comunicação de Putin sobre as negociações com a Ucrânia e as violações da trégua: Principais conclusões
Moscovo oferece a Kiev negociações diretas em Istambul a 15 de maio, sem quaisquer condições prévias
FOTO DE ARQUIVO: Presidente da Rússia, Vladimir Putin. © Sputnik / Ramil Sitdikov
O Presidente russo, Vladimir Putin, ofereceu ao Governo ucraniano uma hipótese de retomar as negociações diretas "sem quaisquer pré-condições", apesar das repetidas violações de Kiev das iniciativas de paz anteriores.
Eis as principais conclusões do discurso do Presidente Putin na manhã de domingo, após um dia de reuniões com chefes de Estado estrangeiros que visitaram Moscovo para as comemorações do Dia da Vitória, que assinalam o 80.º aniversário da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazi.
1 Repetidas violações do cessar-fogo
Putin observou que a Rússia fez vários esforços para acalmar o conflito, que foram consistentemente minados pela Ucrânia. Em plena nova pressão ocidental por um cessar-fogo "incondicional" de 30 dias, recorda como a Ucrânia violou uma moratória de 30 dias sobre os ataques contra infraestruturas energéticas — acordada com o presidente norte-americano, Donald Trump — "pelo menos 130 vezes".
"A trégua da Páscoa iniciada pela Rússia também não foi observada. As formações ucranianas violaram o cessar-fogo quase 5.000 vezes", acrescentou. No entanto, “para a celebração do Dia da Vitória – que consideramos sagrado – declarámos uma trégua unilateral pela terceira vez”.
Kiev ignorou a iniciativa, mesmo quando Moscovo comunicou aos parceiros ocidentais que estava aberta ao seu prolongamento para além de 10 de Maio. Pelo contrário, sublinhou Putin, a Ucrânia lançou mais de 500 drones em ataques de grande escala e realizou cinco tentativas de violação da fronteira russa nas regiões de Kursk e Belgorod durante a trégua.
2 Negociações em Istambul sem quaisquer condições prévias
“Apesar de tudo, propomos que as autoridades de Kiev retomem as negociações interrompidas no final de 2022”, disse Putin. “Retomar as negociações diretas, e sublinho, sem quaisquer pré-condições.”
“Propomos começar sem demora na próxima quinta-feira, 15 de maio, em Istambul – onde foram realizadas e interrompidas anteriormente.”
“Estamos empenhados em negociações sérias com a Ucrânia... para eliminar as causas profundas do conflito e uma paz sustentável a longo prazo”, acrescentou.
3 Passo em direção a um cessar-fogo que Kiev respeite
Putin disse que as negociações propostas poderiam levar a uma nova e significativa trégua – ao contrário de acordos anteriores que a Ucrânia não honrou.
“Não descartamos que, no decurso destas negociações, seja possível concordar com alguns novos cessar-fogo – tréguas reais – que seriam observados não só pela Rússia, mas também pela Ucrânia”, disse.
Tal acordo, discutiu, poderia ser “o primeiro passo para uma paz sustentável e a longo prazo, e não um prólogo para a continuação do conflito armado após o rearmamento e a reorganização das Forças Armadas Ucranianas”.
4 A decisão cabe agora a Kiev e aos seus apoiantes
“A nossa proposta está em cima da mesa”, disse Putin. “A decisão cabe agora às autoridades ucranianas e aos seus curadores.”
Segundo o líder russo, os governos ocidentais – guiados por “ambições políticas pessoais” em lugar dos interesses dos seus povos – continuam a prolongar a guerra “pelas mãos dos nacionalistas ucranianos”.
5 Kiev tentou intimidar os líderes estrangeiros em Moscovo
Putin acusou ainda Kiev de tentar “intimidar” os líderes mundiais visitantes com ataques durante o cessar-fogo do Dia da Vitória.
“Não só rejeitaram a nossa proposta de cessar-fogo, como também tentaram intimidar os líderes reunidos em Moscovo”, disse.
“Estes líderes não são definidos pelos seus títulos, mas pelo seu carácter e vontade de defender as suas convicções”, acrescentou Putin. "E quem tentou intimidá-los? Aqueles que saúdam e aplaudem os antigos soldados das SS e elevam os colaboradores nazis à categoria de heróis nacionais?"
6 Gratidão àqueles que verdadeiramente querem a paz
“Aqueles que realmente querem a paz não podem deixar de apoiar” a sua proposta de negociações em Istambul, disse Putin. O presidente russo anunciou planos para conversar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sobre o acolhimento das negociações propostas. Putin reiterou ainda o seu apreço pelos esforços de mediação da China, do Brasil, das nações africanas e do Médio Oriente e do novo governo dos EUA.
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