2025/01/05

Queixam-se de quê?

Queixam-se de quê?

Os governos estão inocentes, «deixem-nos governar», já dizia o outro; a culpa toda é de factores externos e alheios e, acima de tudo, do povo – que ainda não se dispôs totalmente a ser domesticado.

A clique novembrista que sequestrou o 25 de Abril, assaltou os órgãos de poder e nos governa segundo uma forma de democracia pervertida e aleijada acordou revoltada, indignada, furibunda: os russos bombardearam a embaixada de Portugal em Kiev! É preciso vingar-nos, devolver-lhes em dobro o poder de fogo dos nossos mísseis, organizar uma missão patriótica como tão bem sabe o almirante candidato a salvador da pátria, desta feita colocando-se intrepidamente na vanguarda da poderosa frota de submarinos do Portas, quem sabe os deuses possam ser benévolos e consiga chegar à Ponta de Sagres – mas fica a intenção, Zelensky jamais a esquecerá. Enfim, há que fazer com que o maléfico Putin, o diabo em forma de gente, meta a viola no saco e engula as suas prosápias.

É fundamental recuperar os clarins de Aljubarrota, restaurar o quadrado invencível, ressuscitar a D.ª Brites, a padeira, para malhar à pazada agora nos russos em vez dos vizinhos espanhóis, que já são nossos aliados.

Bombardear embaixadas não se faz, é um crime «bárbaro», muito menos a portuguesa, representante da diplomacia de um povo seráfico e pacífico, amante da paz embora seja aconselhável não pronunciar esta última parte em voz alta porque ofende a opinião única, provoca os vigilantes cavaleiros da verdade terçando mentiras nos omniscientes meios de comunicação social do regime.

Sebastiânica saudade de grandeza

A história, porém, parece não ser tão linear como a pinta a casta governante.

Será que os russos resolveram vingar-se dos ataques com mísseis ATACAM norte-americanos e Storm Shadows britânicos contra alvos em Rostov, território da Federação, punindo apenas um membro da NATO, e logo Portugal?

Parece andar por aqui uma sebastiânica saudade de grandeza e um orgulho patriótico contrastante com o comportamento habitual dos governos, das maiorias parlamentares e do actual chefe de Estado, tão vocacionados para fazer desaparecer Portugal nos meandros conspirativos e não-democráticos, porque não-eleitos, da NATO e da União Europeia.

Por que razão iriam os russos escolher como alvo a punir logo um país que deixou de existir e mal se dá por ele porque o sim automático a todos os comportamentos imperiais, coloniais, expansionistas e provocatórios do «civilizado» Ocidente é sempre dado como adquirido? Além de ser um bom e incomparável aluno, sempre capaz de cumprir até mais do que os carrascos coloniais exigem.

Afinal, observando o cenário mais de perto e baixando o som do alarido parece que a embaixada não foi alvejada. Os mísseis, ou os seus destroços, atingiram «a zona» da embaixada», instalada num prédio onde existem outras representações diplomáticas de gigantes da arena mundial como o Montenegro, a Macedónia do Norte, a Argentina agora nas mãos de Milei, irmão de Cotrim, e, injustiça das injustiças, a Palestina.

Uns vidros partidos pelas explosões, uns sustos, tudo susceptível de caber naquele conceito que os militares norte-americanos em boa hora inventaram quando foram «libertar o Iraque»: o dos inevitáveis danos colaterais.

Tanto mais que na mesma «zona» funcionam o comando operacional da tenebrosa e torcionária polícia política nazi-banderista, responsável confessa pelo recentíssimo assassínio do tenente-general russo Kirilov, e alguns departamentos militares muito «criativos» dentro do aparelho de guerra do regime de Kiev. Esses sim, alvos na mira do ataque de Moscovo.

Tudo leva a crer, portanto, que a alegada punição portuguesa mais não foi do que uma infeliz coincidência de vizinhança, deitando água na fervura, no fervor e até no orgulho com que a clique governante lusa encarou a hipótese de ter sido a escolhida como alvo da fúria vingativa russa entre tantos apoiantes ocidentais do nazi-banderismo ucraniano na guerra com Moscovo.

Por outro lado, parece que na «zona» das redondezas da embaixada não caíram mísseis, a crer na versão oficial ucraniana, mas sim apenas destroços dos mísseis agressores, derrubados pelos «azoves» de serviço, atenuando a extensão dos prejuízos.

Aqui as opiniões dividem-se, é assim a propaganda de guerra. Kiev diz que abateu os seis mísseis hipersónicos lançados por Moscovo, graças à eficácia da sua já praticamente inexistente defesa antiaérea. Moscovo assegura que todos os mísseis atingiram os alvos seleccionados – na lista dos quais, para desespero do destemido cavaleiro andante Rangel, não estava a embaixada portuguesa. Quem fala verdade e quem mente? Venha o diabo e escolha.

Quem vai à guerra…

Suponhamos agora que, por absurdo, a Rússia tinha escolhido enviar um aviso aos dirigentes portugueses pela sua participação directa, através de apoio geopolítico e de ajuda material, em todo o processo golpista e terrorista ocorrido na Ucrânia e que conduziu ao actual estado de guerra. Moscovo tem ou não razão para estar descontente com o comportamento de Lisboa? Tem, sem dúvida.

«A casta usurpadora apátrida de Lisboa decidiu espezinhar a Lei Fundamental portuguesa e entrar numa guerra alheia, transformando Portugal – e, sobretudo, os portugueses – em alvos potenciais da parte escolhida como inimiga.»

E o povo português tem igualmente razões para não estar satisfeito com a política externa militarista e também ilegal da clique governante – porque orientada pela ordem internacional baseada em regras norte-americana e não pelo direito internacional – uma vez que nos envolve em guerras que não nos dizem respeito, violam a Constituição da República e ofendem o espírito do 25 de Abril, que também nasceu da necessidade de um urgente reencontro com a paz.

A casta usurpadora apátrida de Lisboa decidiu espezinhar a Lei Fundamental portuguesa e entrar numa guerra alheia, transformando Portugal – e, sobretudo, os portugueses – em alvos potenciais da parte escolhida como inimiga. Se os novembrista governantes conhecessem o povo e não vivessem cheios de si e encerrados em gabinetes onde existe ligação permanente por Skype aos burocratas não-eleitos e aos autocratas de Bruxelas, talvez já tivessem ouvido o velho aforismo segundo o qual «quem vai à guerra dá e leva». Então, se os russos tivessem atingido deliberadamente a embaixada lusitana em Kiev não estariam a praticar uma acção gratuita. A guerra é a guerra.

A democracia ou o golpismo nazi-banderista?

Defender a democracia é o objectivo do apoio ao regime corrupto de Zelensky até às últimas consequências (incluindo a extinção da vida na Terra, se necessária), explica o «arco da governação» com o desplante próprio de quem pratica a mentira e a manipulação como privilegiadas armas políticas. A democracia do regime nazi-banderista de Kiev? O apoio implícito, quando não explícito, ao genocídio e limpeza étnica praticados pelo regime sionista, a «única democracia do Médio Oriente», a «democracia» do criminoso de guerra Benjamin Netanyahu, valente defensor da «civilização ocidental» na região? A euforia irresponsável pela tomada «democrática» de Damasco pela al-Qaida? O reconhecimento presidencial de um candidato derrotado, mentor e condutor de esquadrões da morte, nas eleições legítimas e transparentes na Venezuela? Até a anulação de eleições livres na confrade Roménia porque foram ganhas por um candidato que não pertence à seita governamental e pró-Bruxelas de Bucareste.

Os portugueses têm razões para sentir vergonha dos seus governantes. Que dizem defender a democracia irmanando-se a regimes e correntes fascistas, envolvendo-se no expansionismo militarista imperial e colonial para que a paz seja finalmente encontrada no fim da guerra, sobretudo se for a paz dos cemitérios.

Os governos portugueses apoiaram deliberadamente o golpe nazi-banderista de 2014 na Praça Maidan, em Kiev, que «restabeleceu a democracia» derrubando um presidente e um sistema de governo resultantes de eleições democráticas, transparentes e que ninguém contestou; não emitiram um pio quando as novas autoridades autocráticas e nacionalistas da Ucrânia – que suprimiram os partidos capazes de fazerem oposição – avançaram para a guerra, a chacina e a limpeza étnica do Donbass, de maioria russa, em nome de uma raça pura, contra os «sub-humanos»; entraram deliberadamente na guerra, ao lado do regime ucraniano de apartheid, quando a Rússia decidiu defender os russos, como se os interesses dos portugueses fossem tidos e achados nesta situação. Como já se viu, a guerra ucraniana nada tem a ver com a democracia, essa história da Carochinha já fez o seu percurso e esfumou-se: agora é apenas uma sentença burocrática, ridícula, pervertida por imbecis desejosos de universalizar a imbecilidade.

Então os governos portugueses enviaram dois ou três tanques coxos, logo transformados em sucata, apenas para mostrarem a valentia bacoca de se dizerem em guerra; mandam fabricar drones para entregar aos nazi-banderistas de Kiev e alimentar uma guerra perdida, assim contribuindo para liquidar inutilmente milhares de vidas humanas por dia. O então primeiro-ministro Costa não se coibiu de atacar o tesouro nacional, e os rendimentos dos contribuintes, apropriando-se indevidamente de 250 milhões de euros para os lançar no poço sem fundo dos proveitos do ditador Zelensky, cujo mandato já caducou há mais de um ano. Costa recebeu como prebenda a presidência do Conselho Europeu e em poucos dias fez-nos ter saudades do retardado Charles Michel. Como Durão Barroso ao actuar como mordomo da cimeira que pôs em marcha a injustificada guerra contra o Iraque, Costa recebe a recompensa pelos bons serviços prestados à causa autocrática europeia e ao terrorismo de Estado norte-americano e – por arrastamento – israelita.

Os russos, naturalmente, teriam as suas razões para advertir as autoridades portuguesas – com o preço mais alto a ser pago pelo povo português – devido ao seu evidente envolvimento ao lado dos nazis de Kiev. Mas não o fizeram. Seria inútil e um desperdício de mísseis.

Vergonha do Martim Moniz

A rábula mediática e politiqueira, embrulhada em ademanes de palavreado diplomático das Necessidades exibidos com uma valentia bacoca e de banda desenhada, chegou mesmo a tempo de desviar o foco político e mediático da vergonha nacional que foi o assalto das «forças da ordem», ditas «de segurança», contra o Martim Moniz e a população dessa zona lisboeta, fazendo lembrar as «operações de limpeza» de outros tempos. Porém, não há memória de o famigerado capitão Maltês, da polícia de choque salazarista-marcelista, ter chegado alguma vez ao ponto de humilhar centenas de pessoas virando-as contra a parede como se já as tivesse definido como criminosas.

Violência, xenofobia, arbitrariedade, desprezo feroz pelos direitos humanos, desumanidade cruel, raiva fascista com tonalidades de vingança no país que é de Novembro, governado por quem faz por desconhecer o que foi Abril. Tudo numa operação à medida dos programas racistas do Chega que o «arco da governação» aconchega no seu regaço como filho pródigo finalmente regressado meio século depois de transviado em 25 de Abril de 1974.

O chefe de Estado, que sabia imediatamente tudo sobre o que (não) se passara em Kiev, desconhecia, porém, a acção terrorista desencadeada nas suas vizinhanças porque «ainda não tinha visto as imagens». Nem parecia interessado em fazê-lo.

Afinal, fazendo uma radiografia da «operação de segurança» conduzida por forças policiais com nova farda mas mentalizadas como as de antigamente, parece que a culpa do estado de desastre económico e social – que não securitário, essa é outra patranha com que tentam envenenar os cidadãos – a que Portugal chegou é toda dos imigrantes e refugiados. Sem eles, viveríamos no país das maravilhas. As diligentes forças de «segurança», ao que consta, detiveram apenas uma das vítimas da rusga fascista, por sinal um branco, bem portuguesinho, indubitavelmente membro da raça pura, do jardim de Borrell, um aríete da «civilização ocidental».

O governo de apátridas ao serviço de interesses estrangeiros, ao contrário dos imigrantes e refugiados, esse tem as mãos limpas nesta hecatombe nacional anunciada, que ainda não passou do adro.

De que se queixa então o «arco da governação»? Dos russos, dos imigrantes, dos refugiados, dos mísseis que caem «na zona» da sua embaixada numa guerra para a qual os portugueses não são tidos e achados, dos anos de atraso com que a al-Qaida tomou Damasco, dos iranianos, dos chineses, dos venezuelanos, dos cubanos, até dos palestinianos por não se renderem como deviam ao sionismo, assumindo os caminhos do exílio e da extinção.

Os governos estão inocentes, «deixem-nos governar,» já dizia o outro; a culpa toda é de factores externos e alheios e, acima de tudo, do povo – que ainda não se dispôs totalmente a ser domesticado. Para isso se montou a operação do Martim Moniz, provavelmente outras e mais graves se seguirão, se não lhes fizermos frente com todas as nossas forças, meios, mobilização e convicções verdadeiramente democráticas. A instauração deliberada do estado policial espreita-nos. É que na sombra, como já se percebeu, lá está outro almirante, o homem providencial que certamente não desdenhará institucionalizar o «safanão dado a tempo», como dizia o beato de Santa Comba, tão bem como organizou o rebanho dos vacinados, provando assim que a domesticação do povo é possível, basta ele encarregar-se disso. Pelos vistos – talvez seja mesmo uma certeza que ele alimenta no seu ego inchado como um sapo – polícias, tropa e NATO não lhe faltarão.

2024/11/26

Estará o Ocidente finalmente pronto para admitir a derrota na Ucrânia?

Estará o Ocidente finalmente pronto para admitir a derrota na Ucrânia?

(Glenn Diesen*, Russia Today RT**, 2024/11/03)



A comunicação social está a mudar a narrativa à medida que a guerra por procuração perde força.

A revista The Economist noticia esta semana que “a Rússia está a destruir as defesas ucranianas” e a Ucrânia está subsequentemente “a lutar para sobreviver”. Em todos os meios de comunicação ocidentais, o público está a ser preparado para derrotas e concessões dolorosas em futuras negociações. Os jornalistas estão a mudar a narrativa, pois a realidade já não pode ser ignorada. O futuro sucesso de Moscovo tem sido óbvio pelo menos desde o Verão de 2023, mas foi ignorado para manter a guerra por procuração.

Estamos a assistir a uma impressionante demonstração de controlo narrativo: durante mais de dois anos, as elites político-mediáticas têm gritado “A Ucrânia está a vencer” e denunciado qualquer dissidência à sua narrativa como “propaganda do Kremlin” que visam reduzir o apoio à guerra. O que ontem era “propaganda russa” é agora subitamente o consenso das elites colectivas. A autorreflexão crítica está tão ausente como estava após a reportagem do Russiagate, depois das eleições de 2016 nos EUA.

Um controlo narrativo semelhante foi demonstrado quando os meios de comunicação social garantiram ao público durante duas décadas que os EUA controlavam o Afeganistão, antes de fugirem apressadamente com imagens dramáticas de pessoas a cair de um avião.

Os jornalistas enganaram o público no passado ao apresentarem as linhas da frente estagnadas como prova de que a Rússia não estava a ganhar vantagem. Contudo, numa guerra de desgaste, a direcção da guerra é medida pelas taxas de desgaste – as perdas de cada lado. O controlo territorial ocorre depois de o adversário estar exausto, uma vez que a expansão territorial é muito dispendiosa numa guerra de alta intensidade com linhas defensivas poderosas. As taxas de desgaste durante a guerra foram extremamente desfavoráveis para a Ucrânia e continuam a agravar-se. O actual colapso das linhas da frente de Kiev era muito previsível, uma vez que a sua mão-de-obra e armamento estavam esgotados.

Por que razão a narrativa anterior expirou? O público pode ser induzido em erro por falsas taxas de desgaste, mas não é possível encobrir as alterações territoriais após o eventual ponto de rutura. Além disso, a guerra por procuração foi benéfica para a NATO quando os russos e os ucranianos se sangravam uns aos outros sem quaisquer alterações territoriais significativas. Agora que os ucranianos estão exaustos e começam a perder território estratégico, já não é do interesse do bloco liderado pelos EUA continuar a guerra.

Controlo narrativo: armando a empatia

Em 2022, as elites políticas e mediáticas utilizaram a empatia como arma para obter o apoio público para a guerra e o desprezo pela diplomacia. O público ocidental foi convencido a apoiar a guerra por procuração contra a Rússia através de mensagens intermináveis sobre o sofrimento dos ucranianos e a injustiça da sua perda de soberania.

Aqueles que discordaram do mantra da NATO de que “as armas são o caminho para a paz” e, em vez disso, sugeriram negociações, foram rapidamente rejeitados como fantoches do Kremlin que não se preocupavam com os ucranianos. O apoio à continuação dos combates numa guerra que não pode ser ganha tem sido a única expressão aceitável de empatia.

Para os pós-modernistas que procuram construir socialmente a sua própria realidade, a rivalidade entre grandes potências é, em grande parte, uma batalha de narrativas. A transformação da empatia numa arma permitiu que a narrativa militar se tornasse imune às críticas. A guerra era virtuosa e a diplomacia traiçoeira, uma vez que a Ucrânia, alegadamente, travava a guerra “não provocada” da Rússia com o objectivo de subjugar todo o país. Um forte enquadramento moral convenceu as pessoas a enganarem-se e a autocensurarem-se em apoio desta nobre causa.

Até as críticas sobre a forma como os civis ucranianos foram arrastados para os carros pelo seu governo e enviados para a morte nas linhas da frente foram retratadas como apoio aos “pontos de discussão do Kremlin”, uma vez que minaram a narrativa de guerra da NATO.

Os relatórios sobre as elevadas taxas de baixas ucranianas ameaçaram minar o apoio aos combates. Reportar sobre o fracasso das sanções ameaçou reduzir o apoio público às sanções. Reportar sobre a provável destruição do Nord Stream pelos EUA ameaçou criar divisões dentro da NATO. As reportagens sobre a sabotagem dos EUA e do Reino Unido aos acordos de Minsk e às negociações de Istambul ameaçaram a narrativa de que o Ocidente se limita a tentar “ajudar” a Ucrânia. Foi oferecida ao público a opção binária de aderir à narrativa pró-Ucrânia/NATO ou à narrativa pró-Rússia. Qualquer pessoa que a conteste com factos inconvenientes poderá assim ser acusada de apoiar os objectivos de Moscovo. Salientar que a Rússia estava a ganhar foi interpretado acriticamente como estar do seu lado.

Existem amplos factos e declarações que demonstram que a NATO tem lutado até ao último ucraniano para enfraquecer um rival estratégico. No entanto, o controlo narrativo estrito implica que tais provas não tenham sido autorizadas a ser discutidas.

Os objetivos de uma guerra por procuração: Sangrar o adversário

A estrita exigência de lealdade à narrativa esconde o facto de que a política externa dos EUA visa restaurar a primazia global e não um compromisso altruísta com os valores democráticos liberais. Os EUA consideram a Ucrânia um instrumento importante para enfraquecer a Rússia como rival estratégico.

A RAND Corporation, um think tank financiado pelo governo dos EUA e conhecido pelos seus estreitos laços com a comunidade de inteligência, publicou um relatório em 2019 sobre como os EUA poderiam sangrar a Rússia, puxando-a ainda mais para a Ucrânia. A RAND propôs que os EUA poderiam enviar mais equipamento militar para Kiev e ameaçar a expansão da NATO para provocar Moscovo a aumentar o seu envolvimento na Ucrânia:

“Fornecer mais equipamento militar e aconselhamento dos EUA poderá levar a Rússia a aumentar o seu envolvimento directo no conflito e a pagar o preço por isso… Embora o requisito de unanimidade da NATO torne improvável que a Ucrânia consiga tornar-se membro num futuro próximo, a insistência de Washington nesta possibilidade poderá impulsionar a determinação ucraniana, ao mesmo tempo que levará a Rússia a redobrar os seus esforços para impedir tal desenvolvimento.”

No entanto, o mesmo relatório da RAND reconheceu que a estratégia de sangrar a Rússia tinha de ser cuidadosamente “calibrada”, uma vez que uma guerra em grande escala poderia resultar na aquisição de territórios estratégicos pela Rússia, o que não é do interesse dos EUA . Depois de a Rússia ter lançado a sua operação militar em Fevereiro de 2022, a estratégia foi igualmente manter a guerra enquanto não houvesse mudanças territoriais significativas.

Em março de 2022, Leon Panetta (ex-chefe de gabinete da Casa Branca, secretário da defesa e diretor da CIA) reconheceu: “Estamos envolvidos num conflito aqui, é uma guerra por procuração com a Rússia, quer o digamos quer não… A forma de obter vantagem é, francamente, entrar e matar russos.” Até Zelensky reconheceu, em Março de 2022, que alguns estados ocidentais queriam usar a Ucrânia como representante: “Há aqueles no Ocidente que não se importam com uma guerra longa porque significaria exaurir a Rússia, mesmo que isso signifique o fim da Ucrânia e seja à custa de vidas ucranianas.”

O Secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, descreveu os objectivos da guerra por procuração na Ucrânia para enfraquecer o seu adversário estratégico:

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisas que fez ao invadir a Ucrânia… Portanto, [a Rússia] já perdeu muita capacidade militar. E muitas das suas tropas, afirme-mo-lo francamente. E queremos que não tenham a capacidade de reproduzir essa capacidade muito rapidamente.”

Houve também indícios de mudança de regime como objectivo mais vasto da guerra. Fontes dos governos dos EUA e do Reino Unido confirmaram em Março de 2022 que o objectivo era que “o conflito se prolongasse e, assim, sangrasse Putin”, uma vez que “o único fim do jogo agora é o fim do regime de Putin”. O presidente norte-americano, Joe Biden, sugeriu que a mudança de regime era necessária na Rússia: “Por amor de Deus, este homem não pode permanecer no poder”. No entanto, a Casa Branca recuou posteriormente nestas observações perigosas.

Um porta-voz do então primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, fez também uma referência explícita à mudança de regime, defendendo que “as medidas que estamos a introduzir, que grandes partes do mundo estão a introduzir, destinam-se a derrubar o regime de Putin”. James Heappey, o ministro das Forças Armadas do Reino Unido, escreveu de forma semelhante no Daily Telegraph:

“O seu fracasso deve ser completo; A soberania ucraniana deve ser restaurada e o povo russo deve ser capacitado para ver quão pouco se preocupa com ele. Ao mostrar-lhes isto, os dias de Putin como Presidente estarão certamente contados, tal como os da elite cleptocrática que o rodeia. Perderá o poder e não poderá escolher o seu sucessor.”

Lutando até ao último ucraniano

Chas Freeman, antigo secretário adjunto da Defesa dos EUA para assuntos de segurança internacional e diretor para assuntos chineses no Departamento de Estado, criticou a decisão de Washington de “lutar até ao último ucraniano”.

Entretanto, o senador republicano Lindsey Graham descreveu os acordos favoráveis que os EUA estabeleceram com a Ucrânia: “Gosto do caminho estrutural em que estamos aqui. Enquanto ajudarmos a Ucrânia com as armas de que necessita e com o apoio económico, eles lutarão até à última pessoa.” O líder republicano do Senado, Mitch McConnell, advertiu contra a confusão do idealismo com a dura realidade dos objectivos dos EUA na guerra por procuração:

“O Presidente Zelensky é um líder inspirador. Mas as razões mais básicas para continuar a ajudar a Ucrânia a degradar e derrotar os invasores russos são os interesses americanos frios, duros e práticos. Ajudar a equipar os nossos amigos na Europa de Leste para vencerem esta guerra é também um investimento directo na redução das capacidades futuras de Vladimir Putin para ameaçar a América, ameaçar os nossos aliados e contestar os nossos interesses fundamentais... Finalmente, todos sabemos que a luta da Ucrânia para retomar o seu território não é nem o início nem o fim da competição estratégica mais ampla do Ocidente com a Rússia de Putin.”

O senador Mitt Romney argumentou que armar a Ucrânia estava “a diminuir e a devastar as forças armadas russas por uma quantia muito pequena de dinheiro… uma Rússia enfraquecida é uma coisa boa”, e tem um custo relativamente baixo, pois “não estamos a perder vidas na Ucrânia ”. .” O Senador Richard Blumenthal afirmou de forma semelhante: “estamos a obter o valor do nosso dinheiro no nosso investimento na Ucrânia” porque “por menos de 3 por cento do orçamento militar da nossa nação, permitimos que a Ucrânia degradasse a força militar da Rússia para metade… Tudo sem [a morte de] um único americano”. O congressista Dan Crenshaw concorda que “investir na destruição das forças armadas do nosso adversário, sem perder um único militar americano, parece-me uma boa ideia”.

O general norte-americano reformado Keith Kellogg argumentou de forma semelhante em Março de 2023 que “se conseguir derrotar um adversário estratégico sem utilizar quaisquer tropas dos EUA, estará no auge do profissionalismo”. Kellogg explicou ainda que utilizar ucranianos para combater a Rússia “tira um adversário estratégico da mesa” e permite assim que os EUA se concentrem no seu “principal adversário que é a China”. O antigo secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, defendeu ainda que derrotar a Rússia e usar a Ucrânia como baluarte contra a Rússia “tornará mais fácil” para os EUA “concentrarem-se também na China… se a Ucrânia ganhar, então terá o segundo maior exército da Europa”, o exército ucraniano, endurecido pela batalha, do nosso lado, e teremos um exército russo enfraquecido, e agora temos também a Europa a intensificar realmente os gastos com defesa.”

É necessária uma nova narrativa de vitória, uma vez que uma Ucrânia apoiada pela NATO não pode, de forma realista, derrotar a Rússia no campo de batalha. A mais óbvia é afirmar que a Rússia falhou no seu objectivo de anexar toda a Ucrânia para ajudar a recriar a União Soviética e, posteriormente, conquistar a Europa. Esta falsificação permitiria à NATO reclamar a vitória. Após a desastrosa contra-ofensiva da Ucrânia no Verão de 2023, esta foi assinalada por David Ignatius no Washington Post, onde defendeu que a medida do sucesso é o enfraquecimento da Rússia:

“Entretanto, para os Estados Unidos e os seus aliados da NATO, estes 18 meses de guerra foram uma sorte inesperada estratégica, a um custo relativamente baixo (excepto para os ucranianos). O antagonista mais imprudente do Ocidente foi abalado. A NATO tornou-se muito mais forte com a adição da Suécia e da Finlândia. A Alemanha abandonou a dependência da energia russa e, em muitos aspetos, redescobriu o seu sentido de valores. As disputas da NATO fazem manchetes, mas, no geral, este foi um verão triunfal para a aliança.”

Sean Bell, antigo vice-marechal da Royal Air Force e funcionário do Ministério da Defesa, defendeu em Setembro de 2023 que a guerra degradou significativamente os militares russos a tal ponto que “já não representa uma ameaça credível para a Europa”. Bell concluiu, por isso, que “o objectivo ocidental deste conflito foi alcançado” e “A dura realidade é que os objectivos da Ucrânia já não estão alinhados com os seus apoiantes”.

A procuração ucraniana esgotou-se, o que põe fim à guerra por procuração, a menos que a NATO esteja preparada para entrar em guerra contra a Rússia. À medida que a NATO se prepara para reduzir as suas perdas, é necessária uma nova narrativa. Em breve será permitido apelar à realização de negociações como demonstração de empatia pelos ucranianos.

*Glenn Diesen é professor da Universidade do Sudeste da Noruega e editor da revista Russia in Global Affairs. Siga-o no Substack. Este artigo foi publicado originalmente na Substack de Glenn Diesen e editado pela equipa da RT.
** Para aceder ao original deste artigo copie este link para um navegador com VPN: https://swentr.site/news/606810-west-media-changes-narrative-ukraine/

2024/09/22

Sobre censuras, liberdades de informação e duplos critérios

Todos nós, marxistas, sabemos que a Rússia é, desde a queda da URSS, uma potência imperialista. Não se trata aqui, por isso, de defender ou tomar partido pelo mal menor, pela potência imperialista em ascensão, pela Rússia, no confronto global entre o Sul Emergente e o Ocidente Decadente. Todos nos lembramos, ainda, como a Rússia de finais da década de 90 do século passado "tentou" entrar para a União Europeia e para a NATO, na vã esperança de que os EUA, os EUA, sempre os EUA, a deixassem jogar na liga dos ricos. É por isso demasiado óbvio que não se pode ver aqui, com a série de artigos da Russia Today (RT), que vamos começar a publicar, uma tentativa de justificação de acções ou posições de um imperialismo emergente.

Mas então porquê e para quê todo este trabalho de tradução, edição, publicação e distribuição de artigos que estão livremente acessíveis na nuvem?

Washington tem um novo plano para controlar o Sul Global

Washington tem um novo plano para controlar o Sul Global

(Ana Belkina, RT , 2024/09/20)

Não satisfeitos com a proibição da RT na maioria dos países ocidentais há quase três anos, os EUA e os seus aliados revelaram um novo plano para intimidar o resto do mundo a seguir o exemplo.



FOTO DO ARQUIVO. Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken © Drew Angerer/Getty Images

Quando o Secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, , na semana passada, anunciou uma nova “campanha diplomática conjunta” a ser implementada com o Canadá e o Reino Unido, definiu claramente o objectivo da iniciativa – “reunir aliados e parceiros em todo o mundo para se juntarem a nós na abordagem à ameaça representada pela RT e outras máquinas de desinformação e influência russa.”

2024/09/21

Para aceder a sites censurados pelo ocidente decadente use o navegador Opera+VPN

Se foi dirigido para este artigo é porque, no exercicio dos seus direitos constitucionais (*), tentou aceder a uma tradução ou citação de um artigo publicado ou citado no blog Refer&nCIA, que as autodenominadas democracias do Ocidente Global não querem que leia e por isso estão, inconstitucionalmente no caso português (*), a tentar impedi-lo de a ele aceder. 

Para contornar essa ilegal, porque inconstitucional, censura e aceder ao original da tradução ou da citação a que no exercicio dos seus direitos constitucionais (*) estava a tentar aceder, basta-lhe usar uma Virtual Pivate Network (VPN) com o seu navegador (browser) habitual (i.e. Chrome, Firefox, Edge etc.)

Caso não assine nenhuma VPN pode sempre usar a do browser Opera com o proxy Asiático que não censura nada do que o Ocidente decadente com os EUA à cabeça lhe tenta impedir o acesso.

Para tal:
1. Descarregue o Opera de: "https://www.opera.com/pt/download"
2. Instale-o seguindo as instruções.
3. No lado esquerdo da barra de navegação vai ver um logo com as iniciais "VPN".
4. Clique em VPN para abrir a janela de ativação e escolha do proxy.
5. Escolha o proxy "Asia" e ative a VPN.
6. Copie o endereço da tradução/citação no Refer&nCIA do seu antigo browser para a barra de navegação do Opera.
7. Substitua os quatro asteriscos "****" por "https://" prima enter et voilá ... passou por cima da censura que lhe está a ser inconstitucionalmente imposta.

Caso tenha alguma dúvida ou dificuldade, coloque-a como um comentário a este artigo e tentaremos ajudá-lo.

(*) Artigo 37.º – Liberdade de expressão e informação

1 - Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

2 - O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

3 - As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.

4 - A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

2024/09/09

Não se trata de acreditar, trata-se de analisar criticamente a desinformação dominante

As eleições de 28 de julho de 2024 na Venezuela: Em quê e em quem acreditar? 
(Alfred de Zayas, ODiario.info 2024.09.04)

«O que está aqui em causa não é o facto de Maduro ter ganho ou perdido as eleições de 2024. Eu não sou venezuelano e só quero que a vontade do povo venezuelano seja respeitada. O que está em causa é o princípio da soberania dos Estados - não apenas a soberania da Venezuela e o direito de autodeterminação do povo venezuelano, mas a soberania de outros Estados na América Latina, em África e na Ásia.»

Os nossos meios de comunicação social apressam-se a fazer manchetes sensacionalistas e fazem frequentemente juízos prematuros que, quando falsos, raramente são corrigidos. No que respeita às eleições venezuelanas de 28 de Julho, espera-se que acreditemos que Nicolas Maduro as manipulou. Mas porque é que tendemos a pensar assim? Porque é que os jornalistas do New York Times, do WaPo e do WSJ insistem em que devemos duvidar dos resultados das eleições? Tentemos uma perspectiva histórica e olhemos para trás, para os cem anos de história da Venezuela de políticos corruptos subservientes a Washington - até à eleição de Hugo Chávez em 1998. Também eu acreditava na narrativa dominante, mas a minha experiência como Perito Independente das Nações Unidas para a Ordem Internacional e a minha missão oficial à Venezuela em Novembro/Dezembro de 2017 ensinaram-me o contrário. Na altura, havia também um sentimento muito forte nos meios de comunicação social contra Nicolas Maduro, que era rotineiramente rotulado de ditador e de violador grosseiro dos direitos humanos.

Muitos de nós compreendemos que, no que respeita a questões geopolíticas importantes, o nosso panorama mediático não está isento de “notícias falsas” e de narrativas tendenciosas. É certamente o caso das notícias e comentários homologados nos EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Espanha, Itália e, infelizmente, também na Suíça, onde resido. Os nossos meios de comunicação social parecem ser gleichgeschaltet (uniformemente alinhados), como sabemos pelos meios de comunicação social alemães nos anos 30, onde havia apenas uma narrativa. Tendo em conta que os meios de comunicação ocidentais reflectem em grande parte as declarações de Washington e Bruxelas, é aconselhável fazer um esforço suplementar para consultar informações e comentários de múltiplas fontes.

2024/09/02

Africa 1878-1914

 Para memória futura aqui fica um mapa do colonialismo europeu em África por volta de 1914. Só para argumentar quando os racistas me vierem com a conversa do "Ah África e tal, é só miséria e ditadores e tal". Quem terá deixado esse continente nesse estado?