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2018/11/29

Policias Alugados ao Capital Portuário

Novos Ratinhos
(Manuel Rocha, N' As Beiras, 2018/11/24)

Setúbal. A guarda chegou na manhã para afastar os trabalhadores portuários que impediam a passagem do autocarro que, literalmente, iria furar a greve por direitos laborais. Não se disseram, mas poderiam ter-se dito - mesmo que outra seja a seara - as falas que José Saramago deixou escritas em Levantado do Chão: "Estão agora dois grupos de trabalhadores frente a frente, dez passos cortados os separam. Dizem os do norte, Há leis, fomos contratados e queremos trabalhar. Dizem os do sul, Sujeitam-se a ganhar menos, vêm aqui fazer-nos mal, voltem para a vossa terra, ratinhos. Dizem os do norte, Na nossa terra não há trabalho, tudo é pedra e tojo, somos beirões, não nos chamem ratinhos, que é ofensa. Dizem os do sul, São ratinhos, são ratos, vêm aqui para roer o nosso pão. Dizem os do norte, Temos fome. Dizem os do sul, Também nós, mas não queremos sujeitar-nos a esta miséria, se aceitarem trabalhar por esse jornal, ficamos nós sem ganhar. Dizem os do norte, A culpa é vossa, não sejais soberbos, aceitai o que o patrão oferece, antes menos que coisa nenhuma, e haverá trabalho para todos, porque sois poucos e nós vimos ajudar. Dizem os do sul, É um engano, querem enganar-nos a todos, nós não temos que consentir neste salário, juntem-se a nós e o patrão terá de pagar melhor jorna a toda a gente”.

2018/10/28

Brasil

Brasil
(Manuel Rocha, in As Beiras, 2019/10/28)

Chico Buarque subiu à tribuna e disse “eu tenho a esperança de que nas periferias, que é afinal onde está o povo que mais sofre com a miséria e a violência, onde votaram por mais violência e mais miséria – votaram contra si mesmos – talvez na última hora virem o voto. Não queremos mais mentira, não queremos mais força bruta. Queremos paz. Queremos alegria. Queremos Fernando (Haddad) e Manuela (D’ Ávila). Queremos democracia”. E mais não disse porque a voz embargou-se-lhe e, nesse quase-pranto, selou o mais curto e comovente dos discursos de campanha no Brasil.

2018/09/02

A Real Cuba Em Boa Prosa

CUBA
(Manuel Rocha, As Beiras, 2018/09/01)

Quando David carregou na funda a pedra que colheu num rio dali, Golias há de ter tido abundante vontade de rir. Dois metros de gente e uma espada de ferro não é grandeza que se despreze, sobretudo quando o volume do adversário não é de modo a aconselhar confrontos.

Mas nem sempre o que parece o é, pelo que, para a História e nas lições que dela se desprendem, coube a David passar aos vindouros a mensagem de que, nas coisas dos humanos, ser-se grande nunca é um dado adquirido. Havana era, até meados do século passado, o bordel dos Estados Unidos da América, abundante em servos e frutas tropicais, terra de clima ameno e gente amável, ainda por cima com queda para a música e para a dança (esta última em níveis de encanto a que, convenhamos, os descendentes das europas só chegam com muito esforço e dedicação – e, mesmo assim, sem qualquer garantia de sucesso à partida).

2018/04/07

Sobre a Nossa Cultura

Cultura - Encosta Acima, Imitando Sísifo
(Manuel Rocha, Diário As Beiras, 2018/04/07)

Se as decisões da DGArtes fossem leis divinas, Coimbra estaria condenada a quase não dispor de estruturas profissionais de criação artística. E se os membros dos júris nomeados pelo Ministério da Cultura fossem deuses, saberíamos já quais os sons, palavras e cores estariam autorizados, ou não, a habitar o mundo e as vidas dos mortais - criadores e público. Mas não. A criação artística nunca é só assunto dos artistas, do mesmo modo que as governações nunca são só a vontade dos governantes. Por isso vimos assistindo nestes dias ao protesto justo de artistas, agentes culturais, trabalhadores do sector da Cultura e públicos, num brado tal que o governo vem anunciando, a conta-gotas, o aumento de verbas destinadas ao apoio à Cultura. Como se de uma ópera bufa se tratasse, um criativo secretário de Estado vem escrevendo nos anais das políticas governativas um libreto delirante, entrando e saindo de cena de acordo com as exigências do enredo, nomeando júris, somando “roadshows” em que a arrogância governativa se mascara de diálogo.