Precisamos cada vez mais de textos bonitos, textos que nos espelhem a alma, nos acalentem a esperança. Nestes tempos de crescentes escuridões, do neoliberalismo, da pandemia, da precariedade, do desemprego, precisamos de coisas bonitas, da beleza da festa que é de todos os que a quiserem fazer. Vem isto a propósito da campanha de escuridão com que os donos disto tudo querem trancar as nossas almas do lado de fora da festa. Não vão conseguir. Vamos entrar pela festa dentro com toda a esperança num mundo onde a beleza seja de todos.
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
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2020/08/26
Não há festa como esta
«Para eles será sempre milagre nós irmos, como cantava o Zeca, sem sabermos de dores nem mágoas. Lembras-te? Das praias do mar onde o vento cortou amarras na baía do Seixal? Lembras-te das vagas, virando a proa à nossa galera, no mar de gente a descer à noite em direcção ao Palco 25 de Abril? Lembras-te de navegarmos na fresca brisa, onde a vitória ainda nos espera para dançar a carvalhesa? E não andamos ainda todos, de formas diferentes, é certo, à procura da moura encantada? E não esperamos, no fundo, que ainda venha a manhã clara?» (António Santos, Manifesto74)
2019/05/04
Venezuela, Venezuela, ainda e sempre a Venezuela ...
Sem Titulo
(Manuel Rocha, algures no facebook, 2019/05/03)
Rodrigo, meu querido (de toda a vida): não tens razão. O que está em jogo em tudo isto não é a "democracia". A democracia só interessa a democratas, que são aqueles que defendem para todos os cidadãos o mesmo acesso às ferramentas básicas de construção da individualidade e da sociedade. Mas esses não podem concordar com uma sociedade tão assimétrica que determine, à partida, quem tem e quem não tem acesso à autodeterminação.
Como sabes, a economia mundial está condicionada por um poder económico que não permite, para a quase generalidade dos países do mundo, qualquer esboço de independência. Pelo seu lado, esse mesmo poder económico, regional e multinacional, controla a quase totalidade dos órgão de informação, que emitem 24 horas por dia as tais fake news que orientam o povo para a aceitação de actos de guerra como o do Iraque e da Líbia; que orientam a opinião pública sobre os piratas da Somália, que não são mais do que camponeses a quem as potências ocidentais envenenaram as terras, cortaram as florestas, envenenaram o pescado.
Não tens razão quando dizes que o Brasil tem eleições livres, porque só há eleições livres quando a reflexão dos eleitores toma o lugar da intoxicação (e que leva sempre à desilusão dos eleitores). Não é verdade que não haja na Venezuela contestação ao governo. Podes assistir à contestação todos os dias, sob todas as formas, mas também sob a forma de imprensa escrita e audiovisual não governamental. A maioria dos órgãos de comunicação social da Venezuela são privados. Deixo-te uma lista dos que se publicam em Caracas: Últimas Noticias, El Universal, El Nacional, 2001, Correo del Orinoco, Vea, El Nuevo País, Meridiano, El Mundo. Todos eles têm página web. Vai lá e verás o seu conteúdo noticioso.
(Manuel Rocha, algures no facebook, 2019/05/03)
Rodrigo, meu querido (de toda a vida): não tens razão. O que está em jogo em tudo isto não é a "democracia". A democracia só interessa a democratas, que são aqueles que defendem para todos os cidadãos o mesmo acesso às ferramentas básicas de construção da individualidade e da sociedade. Mas esses não podem concordar com uma sociedade tão assimétrica que determine, à partida, quem tem e quem não tem acesso à autodeterminação.
Como sabes, a economia mundial está condicionada por um poder económico que não permite, para a quase generalidade dos países do mundo, qualquer esboço de independência. Pelo seu lado, esse mesmo poder económico, regional e multinacional, controla a quase totalidade dos órgão de informação, que emitem 24 horas por dia as tais fake news que orientam o povo para a aceitação de actos de guerra como o do Iraque e da Líbia; que orientam a opinião pública sobre os piratas da Somália, que não são mais do que camponeses a quem as potências ocidentais envenenaram as terras, cortaram as florestas, envenenaram o pescado.
Não tens razão quando dizes que o Brasil tem eleições livres, porque só há eleições livres quando a reflexão dos eleitores toma o lugar da intoxicação (e que leva sempre à desilusão dos eleitores). Não é verdade que não haja na Venezuela contestação ao governo. Podes assistir à contestação todos os dias, sob todas as formas, mas também sob a forma de imprensa escrita e audiovisual não governamental. A maioria dos órgãos de comunicação social da Venezuela são privados. Deixo-te uma lista dos que se publicam em Caracas: Últimas Noticias, El Universal, El Nacional, 2001, Correo del Orinoco, Vea, El Nuevo País, Meridiano, El Mundo. Todos eles têm página web. Vai lá e verás o seu conteúdo noticioso.
2019/02/06
Os Gostos Discutem-se e Muito
Sem Titulo
(Manuel Rocha, Forum "Pensar a Educação", 2019/02/03)
“Gostos não se discutem”, diz-se por aí como quem profere a mais límpida das verdades. Acontece, porém, que aqui dentro, e porque o tema é “pensar a educação”, os gostos discutem-se e muito, por ser a partir dos gostos que os lugares são assim ou assado, que a nossa relação com os demais é esta ou aquela, que a nossa visão do mundo tem mais ou menos futuro.
Nas notícias da passada semana dava-se conta de que um grupo de jovens portugueses presentes nas Jornadas Mundiais da Juventude, no Panamá, tinha adoptado como hino da sua passagem pelas américas a canção “Toda a Noite". Mau gosto, disse eu para comigo, que sou dos que acham que os gostos se discutem. Mas o pior da notícia viria a seguir, sob a forma de uma declaração do responsável do grupo que referiu que a canção, entretanto depurada do conteúdo brejeiro, “manifesta a alegria de sermos portugueses”.
(Manuel Rocha, Forum "Pensar a Educação", 2019/02/03)
“Gostos não se discutem”, diz-se por aí como quem profere a mais límpida das verdades. Acontece, porém, que aqui dentro, e porque o tema é “pensar a educação”, os gostos discutem-se e muito, por ser a partir dos gostos que os lugares são assim ou assado, que a nossa relação com os demais é esta ou aquela, que a nossa visão do mundo tem mais ou menos futuro.
Nas notícias da passada semana dava-se conta de que um grupo de jovens portugueses presentes nas Jornadas Mundiais da Juventude, no Panamá, tinha adoptado como hino da sua passagem pelas américas a canção “Toda a Noite". Mau gosto, disse eu para comigo, que sou dos que acham que os gostos se discutem. Mas o pior da notícia viria a seguir, sob a forma de uma declaração do responsável do grupo que referiu que a canção, entretanto depurada do conteúdo brejeiro, “manifesta a alegria de sermos portugueses”.
2018/11/29
Policias Alugados ao Capital Portuário
Novos Ratinhos
(Manuel Rocha, N' As Beiras, 2018/11/24)
Setúbal. A guarda chegou na manhã para afastar os trabalhadores portuários que impediam a passagem do autocarro que, literalmente, iria furar a greve por direitos laborais. Não se disseram, mas poderiam ter-se dito - mesmo que outra seja a seara - as falas que José Saramago deixou escritas em Levantado do Chão: "Estão agora dois grupos de trabalhadores frente a frente, dez passos cortados os separam. Dizem os do norte, Há leis, fomos contratados e queremos trabalhar. Dizem os do sul, Sujeitam-se a ganhar menos, vêm aqui fazer-nos mal, voltem para a vossa terra, ratinhos. Dizem os do norte, Na nossa terra não há trabalho, tudo é pedra e tojo, somos beirões, não nos chamem ratinhos, que é ofensa. Dizem os do sul, São ratinhos, são ratos, vêm aqui para roer o nosso pão. Dizem os do norte, Temos fome. Dizem os do sul, Também nós, mas não queremos sujeitar-nos a esta miséria, se aceitarem trabalhar por esse jornal, ficamos nós sem ganhar. Dizem os do norte, A culpa é vossa, não sejais soberbos, aceitai o que o patrão oferece, antes menos que coisa nenhuma, e haverá trabalho para todos, porque sois poucos e nós vimos ajudar. Dizem os do sul, É um engano, querem enganar-nos a todos, nós não temos que consentir neste salário, juntem-se a nós e o patrão terá de pagar melhor jorna a toda a gente”.
(Manuel Rocha, N' As Beiras, 2018/11/24)
Setúbal. A guarda chegou na manhã para afastar os trabalhadores portuários que impediam a passagem do autocarro que, literalmente, iria furar a greve por direitos laborais. Não se disseram, mas poderiam ter-se dito - mesmo que outra seja a seara - as falas que José Saramago deixou escritas em Levantado do Chão: "Estão agora dois grupos de trabalhadores frente a frente, dez passos cortados os separam. Dizem os do norte, Há leis, fomos contratados e queremos trabalhar. Dizem os do sul, Sujeitam-se a ganhar menos, vêm aqui fazer-nos mal, voltem para a vossa terra, ratinhos. Dizem os do norte, Na nossa terra não há trabalho, tudo é pedra e tojo, somos beirões, não nos chamem ratinhos, que é ofensa. Dizem os do sul, São ratinhos, são ratos, vêm aqui para roer o nosso pão. Dizem os do norte, Temos fome. Dizem os do sul, Também nós, mas não queremos sujeitar-nos a esta miséria, se aceitarem trabalhar por esse jornal, ficamos nós sem ganhar. Dizem os do norte, A culpa é vossa, não sejais soberbos, aceitai o que o patrão oferece, antes menos que coisa nenhuma, e haverá trabalho para todos, porque sois poucos e nós vimos ajudar. Dizem os do sul, É um engano, querem enganar-nos a todos, nós não temos que consentir neste salário, juntem-se a nós e o patrão terá de pagar melhor jorna a toda a gente”.
2018/10/28
Brasil
Brasil
(Manuel Rocha, in As Beiras, 2019/10/28)
Chico Buarque subiu à tribuna e disse “eu tenho a esperança de que nas periferias, que é afinal onde está o povo que mais sofre com a miséria e a violência, onde votaram por mais violência e mais miséria – votaram contra si mesmos – talvez na última hora virem o voto. Não queremos mais mentira, não queremos mais força bruta. Queremos paz. Queremos alegria. Queremos Fernando (Haddad) e Manuela (D’ Ávila). Queremos democracia”. E mais não disse porque a voz embargou-se-lhe e, nesse quase-pranto, selou o mais curto e comovente dos discursos de campanha no Brasil.
(Manuel Rocha, in As Beiras, 2019/10/28)
Chico Buarque subiu à tribuna e disse “eu tenho a esperança de que nas periferias, que é afinal onde está o povo que mais sofre com a miséria e a violência, onde votaram por mais violência e mais miséria – votaram contra si mesmos – talvez na última hora virem o voto. Não queremos mais mentira, não queremos mais força bruta. Queremos paz. Queremos alegria. Queremos Fernando (Haddad) e Manuela (D’ Ávila). Queremos democracia”. E mais não disse porque a voz embargou-se-lhe e, nesse quase-pranto, selou o mais curto e comovente dos discursos de campanha no Brasil.
2018/09/02
A Real Cuba Em Boa Prosa
CUBA
(Manuel Rocha, As Beiras, 2018/09/01)
Quando David carregou na funda a pedra que colheu num rio dali, Golias há de ter tido abundante vontade de rir. Dois metros de gente e uma espada de ferro não é grandeza que se despreze, sobretudo quando o volume do adversário não é de modo a aconselhar confrontos.
Mas nem sempre o que parece o é, pelo que, para a História e nas lições que dela se desprendem, coube a David passar aos vindouros a mensagem de que, nas coisas dos humanos, ser-se grande nunca é um dado adquirido. Havana era, até meados do século passado, o bordel dos Estados Unidos da América, abundante em servos e frutas tropicais, terra de clima ameno e gente amável, ainda por cima com queda para a música e para a dança (esta última em níveis de encanto a que, convenhamos, os descendentes das europas só chegam com muito esforço e dedicação – e, mesmo assim, sem qualquer garantia de sucesso à partida).
(Manuel Rocha, As Beiras, 2018/09/01)
Quando David carregou na funda a pedra que colheu num rio dali, Golias há de ter tido abundante vontade de rir. Dois metros de gente e uma espada de ferro não é grandeza que se despreze, sobretudo quando o volume do adversário não é de modo a aconselhar confrontos.
Mas nem sempre o que parece o é, pelo que, para a História e nas lições que dela se desprendem, coube a David passar aos vindouros a mensagem de que, nas coisas dos humanos, ser-se grande nunca é um dado adquirido. Havana era, até meados do século passado, o bordel dos Estados Unidos da América, abundante em servos e frutas tropicais, terra de clima ameno e gente amável, ainda por cima com queda para a música e para a dança (esta última em níveis de encanto a que, convenhamos, os descendentes das europas só chegam com muito esforço e dedicação – e, mesmo assim, sem qualquer garantia de sucesso à partida).
2018/07/02
Obrador Eleito no México com 53%
Há dias que começam melhor do que outros e, por vezes, alguns desses começam de forma memorável.
Raramente, muito raramente, são segundas feiras.
Esta é uma excepcional excepção à regra.
Depois de duas vitórias consecutivas, nas presidenciais de 2006 e 2012, roubadas por duas imensas chapeladas, internacionalmente reconhecidas e mediaticamente abafadas pelas agências de desinformação ao serviço do capital, Andres Manuel López Obrador, candidato de centro-esquerda social-democrata foi eleito presidente do México para um mandato único de seis anos.
E sim, isto é uma possível reviravolta na sequência do golpismo que grassa pela américa latina, mesmo lembrando-nos nós das considerações tecidas pelos comunistas mexicanos em 2012 a propósito deste mesmo candidato «[...] em 2005 o EZLN lançou a «Sexta Declaração da Selva Lacandona», um movimento alternativo a esta esquerda dos de cima. Porque no México, alguns identificam Lopez Obrador como de esquerda, mas nós sabemos que ele representa os interesses monopolistas de Carlos Slim e da burguesia de Monterrey. Representa interesses do grande capital, não representa os interesses dos trabalhadores, apesar do discurso populista em defesa de políticas assistencialistas. Então, o ELZN disse que essa esquerda, a dos de cima, não representava os interesses dos trabalhadores, nem dos camponeses, nem das mulheres, nem do movimento indígena, nem do movimento lésbico-gay, nem dos trabalhadores subalternos, nem dos emigrantes, isto é, não representava a classe dos oprimidos e explorados».
E em cima da vitória cai-me no facebroncas uma cereja no topo do bolo, um link para um artigo imperdível. O Manuel "do violino" Rocha a escrever sobre o Chico Buarque.
Excelente forma de começar o dia.@Refer&ncia
Chico Buarque e a Revolução de Emoções
(Manuel Rocha in Avante!, 2018/06/21)
Das abundâncias que caracterizam o Brasil, a das canções é das mais indispensáveis. Muitas delas – e das mais belas, algumas – foram escritas por Francisco Buarque de Hollanda, o Chico Buarque que há várias décadas marca encontro com os públicos portugueses. Escreveu canções sozinho e em parceria, umas valendo por si, outras integrando dramaturgias e enredos de cinema. Cantou grande parte do que escreveu, e o modo de cantar tornou-se portador essencial e insubstituível das mensagens que – por fortuna da partilha do idioma – construíram muito da nossa noção de Brasil.
Brasil que é pátria de Rita, Bárbara, Beatriz, Carolina, Januária e Pedro (que era pedreiro), de Teresinha, Jorge Maravilha, Geni e tantos outros, que sendo nomes são condições – retratos de gente comum convertida em protagonista principal da grande aventura humana.
Raramente, muito raramente, são segundas feiras.
Esta é uma excepcional excepção à regra.
Depois de duas vitórias consecutivas, nas presidenciais de 2006 e 2012, roubadas por duas imensas chapeladas, internacionalmente reconhecidas e mediaticamente abafadas pelas agências de desinformação ao serviço do capital, Andres Manuel López Obrador, candidato de centro-esquerda social-democrata foi eleito presidente do México para um mandato único de seis anos.
E sim, isto é uma possível reviravolta na sequência do golpismo que grassa pela américa latina, mesmo lembrando-nos nós das considerações tecidas pelos comunistas mexicanos em 2012 a propósito deste mesmo candidato «[...] em 2005 o EZLN lançou a «Sexta Declaração da Selva Lacandona», um movimento alternativo a esta esquerda dos de cima. Porque no México, alguns identificam Lopez Obrador como de esquerda, mas nós sabemos que ele representa os interesses monopolistas de Carlos Slim e da burguesia de Monterrey. Representa interesses do grande capital, não representa os interesses dos trabalhadores, apesar do discurso populista em defesa de políticas assistencialistas. Então, o ELZN disse que essa esquerda, a dos de cima, não representava os interesses dos trabalhadores, nem dos camponeses, nem das mulheres, nem do movimento indígena, nem do movimento lésbico-gay, nem dos trabalhadores subalternos, nem dos emigrantes, isto é, não representava a classe dos oprimidos e explorados».
E em cima da vitória cai-me no facebroncas uma cereja no topo do bolo, um link para um artigo imperdível. O Manuel "do violino" Rocha a escrever sobre o Chico Buarque.
Excelente forma de começar o dia.@Refer&ncia
Chico Buarque e a Revolução de Emoções
(Manuel Rocha in Avante!, 2018/06/21)
Das abundâncias que caracterizam o Brasil, a das canções é das mais indispensáveis. Muitas delas – e das mais belas, algumas – foram escritas por Francisco Buarque de Hollanda, o Chico Buarque que há várias décadas marca encontro com os públicos portugueses. Escreveu canções sozinho e em parceria, umas valendo por si, outras integrando dramaturgias e enredos de cinema. Cantou grande parte do que escreveu, e o modo de cantar tornou-se portador essencial e insubstituível das mensagens que – por fortuna da partilha do idioma – construíram muito da nossa noção de Brasil.
Brasil que é pátria de Rita, Bárbara, Beatriz, Carolina, Januária e Pedro (que era pedreiro), de Teresinha, Jorge Maravilha, Geni e tantos outros, que sendo nomes são condições – retratos de gente comum convertida em protagonista principal da grande aventura humana.
2018/04/07
Sobre a Nossa Cultura
Cultura - Encosta Acima, Imitando Sísifo
(Manuel Rocha, Diário As Beiras, 2018/04/07)
Se as decisões da DGArtes fossem leis divinas, Coimbra estaria condenada a quase não dispor de estruturas profissionais de criação artística. E se os membros dos júris nomeados pelo Ministério da Cultura fossem deuses, saberíamos já quais os sons, palavras e cores estariam autorizados, ou não, a habitar o mundo e as vidas dos mortais - criadores e público. Mas não. A criação artística nunca é só assunto dos artistas, do mesmo modo que as governações nunca são só a vontade dos governantes. Por isso vimos assistindo nestes dias ao protesto justo de artistas, agentes culturais, trabalhadores do sector da Cultura e públicos, num brado tal que o governo vem anunciando, a conta-gotas, o aumento de verbas destinadas ao apoio à Cultura. Como se de uma ópera bufa se tratasse, um criativo secretário de Estado vem escrevendo nos anais das políticas governativas um libreto delirante, entrando e saindo de cena de acordo com as exigências do enredo, nomeando júris, somando “roadshows” em que a arrogância governativa se mascara de diálogo.
(Manuel Rocha, Diário As Beiras, 2018/04/07)
Se as decisões da DGArtes fossem leis divinas, Coimbra estaria condenada a quase não dispor de estruturas profissionais de criação artística. E se os membros dos júris nomeados pelo Ministério da Cultura fossem deuses, saberíamos já quais os sons, palavras e cores estariam autorizados, ou não, a habitar o mundo e as vidas dos mortais - criadores e público. Mas não. A criação artística nunca é só assunto dos artistas, do mesmo modo que as governações nunca são só a vontade dos governantes. Por isso vimos assistindo nestes dias ao protesto justo de artistas, agentes culturais, trabalhadores do sector da Cultura e públicos, num brado tal que o governo vem anunciando, a conta-gotas, o aumento de verbas destinadas ao apoio à Cultura. Como se de uma ópera bufa se tratasse, um criativo secretário de Estado vem escrevendo nos anais das políticas governativas um libreto delirante, entrando e saindo de cena de acordo com as exigências do enredo, nomeando júris, somando “roadshows” em que a arrogância governativa se mascara de diálogo.
Argumentação de um Homem em Prol da Cultura
Sem Titulo
(Manuel Rocha in facebook, 2018/04/07)
Cara [..]: Não há nos seres da Natureza um que não cuide da nutrição ou do abrigo. A mais inofensiva das plantas que não reúna estes requisitos de existência não tem como não falecer.
Com os humanos acontece o mesmo, mas, sabe-se lá por que razão, sempre a sua deriva no mundo foi acompanhada da representação do que existe, seja realidade seja sonho. E a isso chamou Cultura, que é o grande chapéu em que se abriga a sua natureza humana e o rasto que dela desprende, e a Arte, que é um seu operacionalizador.
A Cultura não está antes nem depois do pão. E às vezes é, ela mesma, o mais essencial dos pães. Olivier Messiaen era um grande compositor francês que, no decorrer da II Grande Guerra, foi feito prisioneiro pelos nazis e internado no campo de concentração de Görlitz. Saberá que o pão não era, ali, abundante. Mas nem por isso Messiaen renunciou à sua maior prioridade: compor o Quarteto Para o Fim dos Tempos, que nós herdámos como testemunho maior da dignidade em tempos de ignomínia.
Não seguiu Messiaen o seu conselho, [...]. A luta dele pelo pão não era dissociável da necessidade de permanecer humano, muito para além do exemplo da planta que estende raízes à procura de nutrientes. Para ele e para os seus companheiros de cativeiro, a estreia da sua obra no rigor do gelo do inverno polaco terá sido o maior pão, o mais essencial abrigo.
Repare que, para lhe responder, nem lhe vim falar das prioridades governativas que põem os banqueiros em primeiro lugar (muito antes do pão dos concidadãos dos governantes); nem das prioridades da "Europa", que nos suga a existência em equilíbrios que nunca o chegam a ser, porque nos levam o pão, a casa e a Cultura; nem do chumbo das leis laborais, precisadas de ser pão, casa e tempo para a família. E nem sequer lhe vim dizer que os trabalhadores da Cultura, e os seus filhos crianças, também têm direito ao pão e à casa que a Ana Beatriz entende poderem ser-lhes negados. Vim apenas chamar-lhe a atenção para a sua própria natureza e para o insulto que as suas declarações constituem, a si própria e aos seus, calhando ter um filho ou um neto que um dia pegou num lápis e desenhou o seu retrato, com amor e empenho estético.
O que mais me custa é que a marcha do mundo também dependa de quem levou demasiado a sério a macabra História da Cigarra e da Formiga. Cumprimentos.
(Manuel Rocha in facebook, 2018/04/07)
Cara [..]: Não há nos seres da Natureza um que não cuide da nutrição ou do abrigo. A mais inofensiva das plantas que não reúna estes requisitos de existência não tem como não falecer.
Com os humanos acontece o mesmo, mas, sabe-se lá por que razão, sempre a sua deriva no mundo foi acompanhada da representação do que existe, seja realidade seja sonho. E a isso chamou Cultura, que é o grande chapéu em que se abriga a sua natureza humana e o rasto que dela desprende, e a Arte, que é um seu operacionalizador.
A Cultura não está antes nem depois do pão. E às vezes é, ela mesma, o mais essencial dos pães. Olivier Messiaen era um grande compositor francês que, no decorrer da II Grande Guerra, foi feito prisioneiro pelos nazis e internado no campo de concentração de Görlitz. Saberá que o pão não era, ali, abundante. Mas nem por isso Messiaen renunciou à sua maior prioridade: compor o Quarteto Para o Fim dos Tempos, que nós herdámos como testemunho maior da dignidade em tempos de ignomínia.
Não seguiu Messiaen o seu conselho, [...]. A luta dele pelo pão não era dissociável da necessidade de permanecer humano, muito para além do exemplo da planta que estende raízes à procura de nutrientes. Para ele e para os seus companheiros de cativeiro, a estreia da sua obra no rigor do gelo do inverno polaco terá sido o maior pão, o mais essencial abrigo.
Repare que, para lhe responder, nem lhe vim falar das prioridades governativas que põem os banqueiros em primeiro lugar (muito antes do pão dos concidadãos dos governantes); nem das prioridades da "Europa", que nos suga a existência em equilíbrios que nunca o chegam a ser, porque nos levam o pão, a casa e a Cultura; nem do chumbo das leis laborais, precisadas de ser pão, casa e tempo para a família. E nem sequer lhe vim dizer que os trabalhadores da Cultura, e os seus filhos crianças, também têm direito ao pão e à casa que a Ana Beatriz entende poderem ser-lhes negados. Vim apenas chamar-lhe a atenção para a sua própria natureza e para o insulto que as suas declarações constituem, a si própria e aos seus, calhando ter um filho ou um neto que um dia pegou num lápis e desenhou o seu retrato, com amor e empenho estético.
O que mais me custa é que a marcha do mundo também dependa de quem levou demasiado a sério a macabra História da Cigarra e da Formiga. Cumprimentos.
2018/03/25
A Escola Pública do PCP
Sem Titulo
(Manuel Rocha in Encontro Nacional do PCP sobre a escola pública, 2018/03/17)
Se experimentarmos ir à procura de traços que definam a nossa natureza de humanos, encontraremos na Arte um elemento de central significado. Arte é impulso de todos nós, e até os gestores de fortunas, os banqueiros e os correctores da Bolsa sentiram, em algum dia das suas vidas das crianças que já foram, a sensação transformadora de tirar de um lápis de carvão o mundo inteiro, num tempo em que o gesto tinha a forma de uma ideia e da felicidade que pudesse gerar. A opção de classe viria depois e, para esses, o valor da Arte passou a ser directamente indexada ao lucro financeiro que as criações artísticas pudessem gerar.
(Manuel Rocha in Encontro Nacional do PCP sobre a escola pública, 2018/03/17)
Se experimentarmos ir à procura de traços que definam a nossa natureza de humanos, encontraremos na Arte um elemento de central significado. Arte é impulso de todos nós, e até os gestores de fortunas, os banqueiros e os correctores da Bolsa sentiram, em algum dia das suas vidas das crianças que já foram, a sensação transformadora de tirar de um lápis de carvão o mundo inteiro, num tempo em que o gesto tinha a forma de uma ideia e da felicidade que pudesse gerar. A opção de classe viria depois e, para esses, o valor da Arte passou a ser directamente indexada ao lucro financeiro que as criações artísticas pudessem gerar.
2017/09/11
Grande Reportagem de uma Grande Homenagem
Grande texto, grande reportagem de uma grande homenagem.
Tudo em grande como costuma sair da pena do "Manel do Violino".
Obrigado Manel, não pares de escrever violino, perdão, de tocar violino.
A música dos dias em que o futuro nasceu
(Manuel Pires Rocha in Avante!, 2017/09/07)
Quando as primeiras notas da Carvalhesa soaram nas colunas de som do Palco 25 de Abril, a orquestra e o coro estavam já instalados e prontos a iniciar o Concerto “100 Anos de Futuro”. A praça foi então tomada pela dança colectiva que sempre acompanha o toque da velha moda transmontana. Por breves instantes a Sinfonietta de Lisboa e o Coro Lisboa Cantat foram o público, e o público o protagonista.
Calado o brado das muitas vozes, acendidas as luzes sobre o palco, instalado o silêncio na praça, por sobre o sussurro da Festa, as madeiras abriram caminho às vozes da primeira das Danças Polovtsianas de Borodine, no primeiro dos maravilhamentos do Concerto. Portuguesas as vozes mas russo o cantar, Alexander Borodine moldando a música do seu povo. Era o surgimento de uma nova Rússia, a vida colectiva construída a partir da imagem sonora popular, um traço mais na criação da consciência revolucionária que viria a dar origem à Revolução de Outubro. Vibrante a orquestra, as Danças foram fixando no relvado, ainda pouco pisado, quem passava pela avenida que circunda a praça.
Tudo em grande como costuma sair da pena do "Manel do Violino".
Obrigado Manel, não pares de escrever violino, perdão, de tocar violino.
A música dos dias em que o futuro nasceu
(Manuel Pires Rocha in Avante!, 2017/09/07)
Quando as primeiras notas da Carvalhesa soaram nas colunas de som do Palco 25 de Abril, a orquestra e o coro estavam já instalados e prontos a iniciar o Concerto “100 Anos de Futuro”. A praça foi então tomada pela dança colectiva que sempre acompanha o toque da velha moda transmontana. Por breves instantes a Sinfonietta de Lisboa e o Coro Lisboa Cantat foram o público, e o público o protagonista.
Calado o brado das muitas vozes, acendidas as luzes sobre o palco, instalado o silêncio na praça, por sobre o sussurro da Festa, as madeiras abriram caminho às vozes da primeira das Danças Polovtsianas de Borodine, no primeiro dos maravilhamentos do Concerto. Portuguesas as vozes mas russo o cantar, Alexander Borodine moldando a música do seu povo. Era o surgimento de uma nova Rússia, a vida colectiva construída a partir da imagem sonora popular, um traço mais na criação da consciência revolucionária que viria a dar origem à Revolução de Outubro. Vibrante a orquestra, as Danças foram fixando no relvado, ainda pouco pisado, quem passava pela avenida que circunda a praça.
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