50 anos depois do início das guerras coloniais, alguns dados para avivar a memória
(Irene Pimentel, in Jugular 2016/03/11)
Entre 1961 e 1974, Portugal, onde vigorava um regime ditatorial, levou a cabo guerras coloniais em três frentes de combate. Segundo números oficiais, ao chegar-se a 1974 - ano em que foram mobilizados 150 mil efectivos militares para o esforço de guerra em África -, já havia treze anos que a guerra durava em Angola, onze anos na Guiné e dez em Moçambique. Vejam-se alguns dados para memória presente e futura:
- A guerra sorveu entre 7 a 10% da população portuguesa e mais de 90% da juventude masculina. Ainda em termos de gastos humanos, durante os treze anos de guerra, morreriam mais de 8 mil homens e ficariam feridos ou incapacitados cerca de 100 mil portugueses.
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
Mostrar mensagens com a etiqueta #Salazarento. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #Salazarento. Mostrar todas as mensagens
2018/08/30
2018/07/28
Que a Terra lhe Pese os Mortos das Guerras
Fez ontem anos que o Esteves bateu as botas. Prendeu uns, maltratou outros, torturou e assassinou os mais recalcitrantes.
Manteve um país rural e ignorante, de luto, durante mais de 40 anos e enviou para as guerras de áfrica duas gerações de jovens.
Em jeito de festiva comemoração por ter batido as botas já depois de cair da cadeira, fica aqui um link para um texto da Diana Andringa publicado Entre As Brumas da Memória, e um poema de Jaime Cortesão ilustrativo do sentimento que nutro pelo bexigoso:
Maldição
(Poema a Salazar)
(Jaime Cortesão, publicado no jornal clandestino "A Verdade", 1934)
Por ti, pelo teu ódio à Liberdade
à Razão e à Verdade,
a tudo o que é viril, Humano e moço,
a fome e o luto apagaram os lares
e os homens agonizam aos milhares
no exílio, no hospital, no calabouço.
Por ti raivoso abutre
cujo apetite sôfrego se nutre
de lágrimas, de gritos, de aflições
gemem nas aspas da tortura
ou baixam em segredo à sepultura
os mártires que atiras às prisões.
A este claro Povo, herói dos povos,
que deu ao Mundo mundos novos,
mais estrelas ao Céu, mais luz ao dia;
a este livre e luminoso Apolo
atas as mãos, os pés e o colo,
e encerras numa lôbrega enxovia.
Falas do céu, como um doutor no templo
mas tu encarnação e vivo exemplo
da hipocrisia vil dos fariseus,
pelos sagrados laços que desunes,
pelos teus crimes, até hoje impunes
roubas ao mesmo crente a fé em Deus.
Passas... e mirra a erva nos caminhos,
as aves, com terror, fogem aos ninhos,
e ao ver-te o vulto gélido e felino,
mulheres e mães, lembrando os lastimosos
casos de irmãos, de filhos ou de esposos,
bradam crispadas as mãos: Assassino! Assassino!
Passas... e até os velhos, cujos anos
têm costumado a monstros e tiranos
dizem, com a boca cheia de ira e asco:
- Sobre esta Pátria mísera que oprimes,
jamais alguém foi réu de tantos crimes.
Vai-te! Basta de vítimas! Carrasco!
Passas... e ergue-se, vai de vale a cerro
dos hospitais, do fundo das masmorras
às inospitas plagas do desterro,
um coro de ais, de imprecações, de morras.
São multidões que rugem num só brado:
- Maldita a hora em que tu foste nado!
- Que se malogre tudo quanto almejas;
- Conturbem-se os teus dias de aflição;
- Neguem-te as fontes água, a terra pão
e as estrelas a luz - Maldito sejas!
Manteve um país rural e ignorante, de luto, durante mais de 40 anos e enviou para as guerras de áfrica duas gerações de jovens.
Em jeito de festiva comemoração por ter batido as botas já depois de cair da cadeira, fica aqui um link para um texto da Diana Andringa publicado Entre As Brumas da Memória, e um poema de Jaime Cortesão ilustrativo do sentimento que nutro pelo bexigoso:
Maldição
(Poema a Salazar)
(Jaime Cortesão, publicado no jornal clandestino "A Verdade", 1934)
Por ti, pelo teu ódio à Liberdade
à Razão e à Verdade,
a tudo o que é viril, Humano e moço,
a fome e o luto apagaram os lares
e os homens agonizam aos milhares
no exílio, no hospital, no calabouço.
Por ti raivoso abutre
cujo apetite sôfrego se nutre
de lágrimas, de gritos, de aflições
gemem nas aspas da tortura
ou baixam em segredo à sepultura
os mártires que atiras às prisões.
A este claro Povo, herói dos povos,
que deu ao Mundo mundos novos,
mais estrelas ao Céu, mais luz ao dia;
a este livre e luminoso Apolo
atas as mãos, os pés e o colo,
e encerras numa lôbrega enxovia.
Falas do céu, como um doutor no templo
mas tu encarnação e vivo exemplo
da hipocrisia vil dos fariseus,
pelos sagrados laços que desunes,
pelos teus crimes, até hoje impunes
roubas ao mesmo crente a fé em Deus.
Passas... e mirra a erva nos caminhos,
as aves, com terror, fogem aos ninhos,
e ao ver-te o vulto gélido e felino,
mulheres e mães, lembrando os lastimosos
casos de irmãos, de filhos ou de esposos,
bradam crispadas as mãos: Assassino! Assassino!
Passas... e até os velhos, cujos anos
têm costumado a monstros e tiranos
dizem, com a boca cheia de ira e asco:
- Sobre esta Pátria mísera que oprimes,
jamais alguém foi réu de tantos crimes.
Vai-te! Basta de vítimas! Carrasco!
Passas... e ergue-se, vai de vale a cerro
dos hospitais, do fundo das masmorras
às inospitas plagas do desterro,
um coro de ais, de imprecações, de morras.
São multidões que rugem num só brado:
- Maldita a hora em que tu foste nado!
- Que se malogre tudo quanto almejas;
- Conturbem-se os teus dias de aflição;
- Neguem-te as fontes água, a terra pão
e as estrelas a luz - Maldito sejas!
2018/06/27
Não, não era bom!
Antigamente é que era bom?
(Arlindo Costa in Odivelas Noticias, 2018/06/21)
Sou um jovem da geração dos anos quarenta do século passado e por isso, uma das coisas que me incomodam é ouvir certa gente dizer que neste país " Antigamente é que era bom !" Daí, eu resolver escrever neste espaço e em especial para os mais novos, sobre antigamente.
Antigamente é que era bom! Tínhamos um guia, o ditador Salazar.
Antigamente é que era bom! Não tínhamos liberdade, tinhamos a censura, a policia politica (PIDE) e prisões políticas.
Antigamente é que era bom! Não havia o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em cada mil nascimentos de crianças,cinquenta e sete morriam nos primeiros dois anos de vida.
Antigamente é que era bom! Muitos portugueses morriam por falta de condições higiénicas nas suas habitações, pois a maioria do nosso povo não tinha água canalizada, não tinha electricidade, nem rede de esgotos.
Antigamente é que era bom! Em 1974 cerca de três milhões de portugueses viviam em bairros de lata, sem água, sem electricidade e com esgotos a céu aberto (uma fonte de doenças).
Antigamente é que era bom! Os que tinham a sorte de ir à escola e fazer a 4ª classe, começavam logo a trabalhar aos 12, 13 (foi o meu caso) e ou aos 14 anos de idade.
Antigamente é que era bom! Tínhamos a guerra colonial à nossa espera onde muitos jovens perderam a vida e outros vieram de lá com mazelas para o resto das suas vidas.
Antigamente é que era bom! As mulheres portuguesas não podiam sair do país sem autorização dos seus maridos.
Enfim, antigamente é que era bom ! Tínhamos de comer e calar, caso contrário a PIDE tratava-nos da saúde.
E eu pergunto: Quem é que pode ter saudades disto ?
(Arlindo Costa in Odivelas Noticias, 2018/06/21)
Sou um jovem da geração dos anos quarenta do século passado e por isso, uma das coisas que me incomodam é ouvir certa gente dizer que neste país " Antigamente é que era bom !" Daí, eu resolver escrever neste espaço e em especial para os mais novos, sobre antigamente.
Antigamente é que era bom! Tínhamos um guia, o ditador Salazar.
Antigamente é que era bom! Não tínhamos liberdade, tinhamos a censura, a policia politica (PIDE) e prisões políticas.
Antigamente é que era bom! Não havia o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em cada mil nascimentos de crianças,cinquenta e sete morriam nos primeiros dois anos de vida.
Antigamente é que era bom! Muitos portugueses morriam por falta de condições higiénicas nas suas habitações, pois a maioria do nosso povo não tinha água canalizada, não tinha electricidade, nem rede de esgotos.
Antigamente é que era bom! Em 1974 cerca de três milhões de portugueses viviam em bairros de lata, sem água, sem electricidade e com esgotos a céu aberto (uma fonte de doenças).
Antigamente é que era bom! Os que tinham a sorte de ir à escola e fazer a 4ª classe, começavam logo a trabalhar aos 12, 13 (foi o meu caso) e ou aos 14 anos de idade.
Antigamente é que era bom! Tínhamos a guerra colonial à nossa espera onde muitos jovens perderam a vida e outros vieram de lá com mazelas para o resto das suas vidas.
Antigamente é que era bom! As mulheres portuguesas não podiam sair do país sem autorização dos seus maridos.
Enfim, antigamente é que era bom ! Tínhamos de comer e calar, caso contrário a PIDE tratava-nos da saúde.
E eu pergunto: Quem é que pode ter saudades disto ?
2018/04/29
Os Assassinados Pelo Botas Salazarento
1931 - O estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto; 1932 - Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; - Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; - Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa; 1934 - Américo Gomes, operário e militante comunista, morre em Peniche com 22 anos após dois meses de tortura; - Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve de 18 de Janeiro; - Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada na sequência do 18 de Janeiro; |
|
1935
- Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);
- Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);
1936
- António Bandeira Cabrita, Antifascista de extraordinária coragem e humanismo, perseguido e preso pela polícia política, membro do PCP deportado aos 21 anos para Timor, foi dos primeiros portugueses a alistar-se nas milícias populares, para lutar pela Liberdade ao lado do povo espanhol. Destacando-se pela sua bravura, morreu aos 26 anos na frente de Talavera, morto pelas balas dos franquistas - Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934;
- Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;
- António Bandeira Cabrita, Antifascista de extraordinária coragem e humanismo, perseguido e preso pela polícia política, membro do PCP deportado aos 21 anos para Timor, foi dos primeiros portugueses a alistar-se nas milícias populares, para lutar pela Liberdade ao lado do povo espanhol. Destacando-se pela sua bravura, morreu aos 26 anos na frente de Talavera, morto pelas balas dos franquistas - Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934;
- Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;
2018/04/13
Fascismo Salazarento: um Ror de Misérias
O retrato é simultaneamente objectivo e ilustrativo da visão de uma pequena burguesia ainda em urbanização acelerada, mas importa também notar como a bilderberga consegue falar na oposição ao salazarento sem usar a palavra comunista, é dificil eu sei, mas a bilderberguista conseguiu.
"Tão felizes que nós éramos"
(Clara Loira de Bilderberg em Castelo algures no Espesso)
Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.
Eu não ponho flores neste cemitério.
"Tão felizes que nós éramos"
(Clara Loira de Bilderberg em Castelo algures no Espesso)
Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.
Eu não ponho flores neste cemitério.
2017/01/21
Fascismo foi isto
Um manifesto do escritor Mário de Carvalho contra o esquecimento e o revisionismo histórico e contra o desejo que alguma direita tem de apagar a ditadura fascista de Salazar das páginas da História de Portugal:
- Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores.
- Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura.
- Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares.
- Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «milícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser.
- Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor.
- Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado».
- Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado».
- Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família».
- Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar».
- Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores».
- Eu nunca me apercebi do «dia da Raça».
- Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha.
- Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo.
- Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar».
- Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim.
- Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes.
- Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto.
- Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos.
- Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai.
- Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros».
- Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal.
- Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada.
- Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono».
- Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia.
- Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intérprete oficial».
- Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães.
- Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol.
- Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua.
- Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio.
- Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida.
- Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados.
- Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes.
- Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país.
- Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão.
- Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos.
- Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias.
- Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado.
- Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina.
- Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária.
- Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais.
- Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado.
- Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos.
- Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde.
- Eu nunca tive o meu telefone vigiado.
- Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria.
- Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro.
- Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública.
- Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida.
- Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado».
- Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação».
- Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil.
- Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer.
- Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedidos de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado.
- Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço.
- Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche.
- Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono.
- Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor.
- Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país.
- Eu nunca vivi num regime de partido único.
-Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo."
Mário de Carvalho
Aparentemente terá sido publicado no fb em Setembro de 2012
- Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores.
- Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura.
- Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares.
- Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «milícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser.
- Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor.
- Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado».
- Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado».
- Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família».
- Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar».
- Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores».
- Eu nunca me apercebi do «dia da Raça».
- Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha.
- Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo.
- Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar».
- Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim.
- Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes.
- Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto.
- Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos.
- Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai.
- Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros».
- Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal.
- Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada.
- Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono».
- Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia.
- Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intérprete oficial».
- Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães.
- Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol.
- Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua.
- Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio.
- Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida.
- Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados.
- Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes.
- Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país.
- Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão.
- Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos.
- Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias.
- Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado.
- Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina.
- Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária.
- Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais.
- Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado.
- Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos.
- Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde.
- Eu nunca tive o meu telefone vigiado.
- Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria.
- Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro.
- Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública.
- Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida.
- Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado».
- Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação».
- Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil.
- Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer.
- Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedidos de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado.
- Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço.
- Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche.
- Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono.
- Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor.
- Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país.
- Eu nunca vivi num regime de partido único.
-Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo."
Mário de Carvalho
Aparentemente terá sido publicado no fb em Setembro de 2012
Subscrever:
Mensagens (Atom)