Vale mesmo a pena tirar uns trinta quarenta minutos para ler esta breve história dos últimos noventa anos, e depois voltar a ler e a reler.
«É essencial tomar consciência da «assimetria fundamental» que resulta da «globalização assimétrica» e que Ulrich Beck sintetiza magistralmente: a «assimetria entre poder e legitimidade» («um grande poder e pouca legitimidade do lado do capital e dos estados, um pequeno poder e uma elevada legitimidade do lado daqueles que protestam».)
É essencial levar a sério a luta ideológica, que nos ajuda a combater os interesses estabelecidos e as ideias feitas e que é, hoje mais do que nunca, um factor essencial das lutas políticas e das lutas sociais que fazem andar o mundo»
Primeira parte (para quem goste de história e de aprender com ela)
Segunda parte (para quem tenha pressa de chegar aos dias de hoje)
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
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2020/02/11
2020/02/01
O Estado: questão fundamental do nosso tempo
Interessante como o texto do Ricardo Paes Mamede leva um comentador a efabular sobre pós-modernismos e pós-histórias, desmentidos pela realidade contemporânea, onde eu vejo um marxista a explicar que o papel do estado na sociedade é o critério fundamental que destingue a direita da esquerda.
Marx e Engels foram só os primeiros a ver no estado "O" aparelho repressivo ao serviço da classe dominante. É assim, quando surge, durante o esclavagismo, na sua evolução monárquica do feudalismo e na contemporaneidade do capitalismo e do imperialismo. De acordo com as predições desse modelo explicativo-interventivo continuará a sê-lo durante a democracia do proletariado para reprimir O Capital (tem-se verificado em todas as revoluções e exceptuando o caso de Cuba, mostrado ineficiente nesse papel) até se extinguir ele próprio por evolução para uma superestrutura de gestão numa sociedade sem propriedade privada de meios de produção, fase nunca atingida até porque as zonas geográficas "revolucionadas", maiores ou menores, tiveram e têm de lutar para se defenderem de intensíssimas guerras de agressão por parte do capitalismo hegemónico e portanto não podem prescindir de um estado repressivo.(1)
A direita, porque defensora do capital, da "sua" propriedade privada e da liberdade para maximizar a exploração de quem não possui meios de produção (2) é sempre favorável a um estado repressivo forte na imposição da exploração e fraco na repressão dos desmandos da classe dominante. Independentemente do que propagandeie, prometa ou queira fazer de conta que defende, vai agir sempre no sentido de reforçar o estado de classe repressivo e limitar-lhe a capacidade de distribuir com justiça a riqueza socialmente criada.
A esquerda, enquanto defensora dos que não possuem meios de produção, vai pugnar sempre por um estado que garanta amplas liberdades para a maioria (os que não possuem meios de produção) e reprima os desmandos de quem de facto detém o poder: os proprietários dos meios de produção.(3)
Este é o principal critério para perceber onde andam a esquerda e a direita. As restantes modas, identitárias, culturais, "fracturantes" não passam disso mesmo, de modas a que o facto de a esquerda defender os interesses da maioria (de explorados) e portanto a mudança da ordem vigente, e a direita defender os interesses da minoria (de exploradores) e portanto a manutenção do "estado da coisa", empurram naturalmente para os lado da mudança em detrimento do lado da manutenção, para a esquerda em detrimento da direita, os que pugnam por mudanças na "ordem da coisa".
Afinal o lema da refer&ncia é o critério diferenciador: a esquerda está com o trabalho e a direita com o capital ;-)
A esquerda, a direita e o Estado
(Ricardo Paes Mamede, DN, 2020/01/28)
É um equívoco comum: a ideia de que esquerda e direita se distinguem pelo desejo de mais ou menos Estado. Há esquerda e direita estatizante, como há esquerda e direita libertária. Há direita que se afirma liberal e nada faz (ou pretende fazer) para reduzir a dimensão do Estado, como há esquerda que se diz socialista e contribui activamente para a redução do espaço da intervenção pública. A questão não é apenas conceptual, influencia muitas das opções políticas que são tomadas todos os dias.
Vale a pena lembrar que o Estado contemporâneo é indissociável da emergência e do desenvolvimento do capitalismo. Neste processo, o papel do Estado foi duplamente repressivo: proteger a propriedade privada, não apenas contra os bandidos mas também contra aqueles que se opunham à acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos; e submeter pela força outros países e povos, para permitir a expansão do poder económico além-fronteiras.
Marx e Engels foram só os primeiros a ver no estado "O" aparelho repressivo ao serviço da classe dominante. É assim, quando surge, durante o esclavagismo, na sua evolução monárquica do feudalismo e na contemporaneidade do capitalismo e do imperialismo. De acordo com as predições desse modelo explicativo-interventivo continuará a sê-lo durante a democracia do proletariado para reprimir O Capital (tem-se verificado em todas as revoluções e exceptuando o caso de Cuba, mostrado ineficiente nesse papel) até se extinguir ele próprio por evolução para uma superestrutura de gestão numa sociedade sem propriedade privada de meios de produção, fase nunca atingida até porque as zonas geográficas "revolucionadas", maiores ou menores, tiveram e têm de lutar para se defenderem de intensíssimas guerras de agressão por parte do capitalismo hegemónico e portanto não podem prescindir de um estado repressivo.(1)
A direita, porque defensora do capital, da "sua" propriedade privada e da liberdade para maximizar a exploração de quem não possui meios de produção (2) é sempre favorável a um estado repressivo forte na imposição da exploração e fraco na repressão dos desmandos da classe dominante. Independentemente do que propagandeie, prometa ou queira fazer de conta que defende, vai agir sempre no sentido de reforçar o estado de classe repressivo e limitar-lhe a capacidade de distribuir com justiça a riqueza socialmente criada.
A esquerda, enquanto defensora dos que não possuem meios de produção, vai pugnar sempre por um estado que garanta amplas liberdades para a maioria (os que não possuem meios de produção) e reprima os desmandos de quem de facto detém o poder: os proprietários dos meios de produção.(3)
Este é o principal critério para perceber onde andam a esquerda e a direita. As restantes modas, identitárias, culturais, "fracturantes" não passam disso mesmo, de modas a que o facto de a esquerda defender os interesses da maioria (de explorados) e portanto a mudança da ordem vigente, e a direita defender os interesses da minoria (de exploradores) e portanto a manutenção do "estado da coisa", empurram naturalmente para os lado da mudança em detrimento do lado da manutenção, para a esquerda em detrimento da direita, os que pugnam por mudanças na "ordem da coisa".
Afinal o lema da refer&ncia é o critério diferenciador: a esquerda está com o trabalho e a direita com o capital ;-)
A esquerda, a direita e o Estado
(Ricardo Paes Mamede, DN, 2020/01/28)
É um equívoco comum: a ideia de que esquerda e direita se distinguem pelo desejo de mais ou menos Estado. Há esquerda e direita estatizante, como há esquerda e direita libertária. Há direita que se afirma liberal e nada faz (ou pretende fazer) para reduzir a dimensão do Estado, como há esquerda que se diz socialista e contribui activamente para a redução do espaço da intervenção pública. A questão não é apenas conceptual, influencia muitas das opções políticas que são tomadas todos os dias.
Vale a pena lembrar que o Estado contemporâneo é indissociável da emergência e do desenvolvimento do capitalismo. Neste processo, o papel do Estado foi duplamente repressivo: proteger a propriedade privada, não apenas contra os bandidos mas também contra aqueles que se opunham à acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos; e submeter pela força outros países e povos, para permitir a expansão do poder económico além-fronteiras.
2020/01/08
A Estupidificação Da Nova Ordem Capitalista
As modernidades para lá do espelho
(Manuel Augusto Araújo, AbrilAbril, 2020/01/07)
Ultrapassado o espelho da «modernidade» assumida por algumas esquerdas, por mais que lapidem a realidade o que se encontra, de facto, é a renúncia a uma sociedade que se oponha à desordem do mundo actual.
A batalha ideológica que se trava desde que Marx estabeleceu as traves mestras de interpretação do mundo, em que a ideia central é a relação entre o capital e o trabalho, a luta de classes, as relações entre infra-estrutura e superestrutura, tem sido intensa e, na actualidade, é polarizada pelo imperialismo norte-americano que persegue dois grandes objectivos consonantes: um económico e outro cultural.
(Manuel Augusto Araújo, AbrilAbril, 2020/01/07)
Ultrapassado o espelho da «modernidade» assumida por algumas esquerdas, por mais que lapidem a realidade o que se encontra, de facto, é a renúncia a uma sociedade que se oponha à desordem do mundo actual.
A batalha ideológica que se trava desde que Marx estabeleceu as traves mestras de interpretação do mundo, em que a ideia central é a relação entre o capital e o trabalho, a luta de classes, as relações entre infra-estrutura e superestrutura, tem sido intensa e, na actualidade, é polarizada pelo imperialismo norte-americano que persegue dois grandes objectivos consonantes: um económico e outro cultural.
2019/11/01
A batalha ideológica pelo ambiente
«É importante trabalhar junto dos que olham para as questões ambientais com legítima preocupação, sem deixarmos de denunciar quais são os planos do capital nestas áreas, no sentido de aumentar a consciência e canalizar para o sítio certo a preocupação e o descontentamento. Para isso, temos de encontrar formas de valorização de importantes iniciativas que o PCP tem tido na área ambiental, com reconhecido mérito.» Diz o Vladimiro Valem e a Refer&ncia subcreve. Só é pena que o camarada vladimiro continue amarrado ao conjuntural e (atualmente redutor) operariado e não compreenda o estrutural (e abrangente) conceito de proletariado tal como foi pensado e definido pelos filósofos que tanto cita. Esse salto de uma coincidência conjuntural para um conceito de classe estrutural ajudar-nos-ia a todos a encontrar o atual proletariado e liderar os seus interesses de construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados. Mas vamos ao que interessa, ao artigo todo, vale a pena ...
A batalha ideológica contra a mercantilização na Natureza
(Vladimiro Vale, O Militante, Jul/Ago 2019)
A batalha ideológica contra a mercantilização na Natureza
(Vladimiro Vale, O Militante, Jul/Ago 2019)
2019/01/07
Mais-valia
Mais-valia
(António Vilarigues, O Castendo, 2018/12/14)
A jornada de trabalho divide-se em duas partes: trabalho necessário e sobretrabalho.
Na parte chamada trabalho necessário o trabalhador produz para si próprio, isto é, produz uma quantidade de valor correspondente ao valor dos seus meios de subsistência.
No sobretrabalho o trabalhador produz a mais-valia, ou seja, um valor a mais, que antes não existia e que, através da sua apropriação privada pelo capitalista, forma o lucro.
Se numa jornada de trabalho de 8 horas 2 são de trabalho necessário e 6 sobretrabalho, nesse caso a mais-valia equivale a 6 horas
(António Vilarigues, O Castendo, 2018/12/14)
A jornada de trabalho divide-se em duas partes: trabalho necessário e sobretrabalho.
Na parte chamada trabalho necessário o trabalhador produz para si próprio, isto é, produz uma quantidade de valor correspondente ao valor dos seus meios de subsistência.
No sobretrabalho o trabalhador produz a mais-valia, ou seja, um valor a mais, que antes não existia e que, através da sua apropriação privada pelo capitalista, forma o lucro.
Se numa jornada de trabalho de 8 horas 2 são de trabalho necessário e 6 sobretrabalho, nesse caso a mais-valia equivale a 6 horas
2018/12/05
Proletariado, chamem-lhe proletariado
Do artigo abaixo, interessa-me essencialmente o pedaço de ideologia dedicado ao conceito de classe e como se ganha essa consciência de classe.
Numa época de transição, durante uma revolução nas tecnologias de produção, importa discutir e compreender o processo de construção da consciência de classe que vai diferenciar uma classe de um saco de batatas.
Todo o debate em redor desta centralidade "classe e consciência de classe" é essencial para que os marxistas consigam voltar a liderar o proletariado. Para isso precisamos de saber onde ele anda, quais são as suas preocupações imediatas, quem são hoje em dia "as batatas", como é que ganham consciência de que podem ser mais do que batatas e qual o papel que um partido de vanguarda pode ter na fundamentação dessa consciência de classe.
Porque é no confronto com as contradições do imperialismo globalizado que o proletariado ganha consciência de classe e deixa de ser um mero saco de batatas.
Ouçamos o Mauro Iasi sobre o assunto:
Numa época de transição, durante uma revolução nas tecnologias de produção, importa discutir e compreender o processo de construção da consciência de classe que vai diferenciar uma classe de um saco de batatas.
Todo o debate em redor desta centralidade "classe e consciência de classe" é essencial para que os marxistas consigam voltar a liderar o proletariado. Para isso precisamos de saber onde ele anda, quais são as suas preocupações imediatas, quem são hoje em dia "as batatas", como é que ganham consciência de que podem ser mais do que batatas e qual o papel que um partido de vanguarda pode ter na fundamentação dessa consciência de classe.
Porque é no confronto com as contradições do imperialismo globalizado que o proletariado ganha consciência de classe e deixa de ser um mero saco de batatas.
Ouçamos o Mauro Iasi sobre o assunto:
2018/12/02
Os Problemas dos Grandes Timoneirismos
Sobre um texto do António Jorge que encontrei aqui, não pude furtar-me a uma conversa de pé de orelha. Ficam aqui os dois, a conversa e o texto, para futuras Refer&ncias.
Caro António Jorge, concordando com o pano de fundo do seu texto, permita-me continuar a discordar da sua leitura dos culpados mais e menos distantes.
Aqueles a quem apelida de traidores, os que se alcandoraram ao poder no XX congresso do PCUS, foram os sobreviventes do poder que se alcandorou à chefia, do partido e do estado, depois do afastamento da liderança leninista em 1924-26. Isto é "O" facto. Para ilustrar "O" facto, proponho a imagem acima e os números que dela se extraem: dos 25 membros do CC Bolchevique em 1917, 4 morreram na guerra civil e 9 de causas naturais. Os restantes 12 morreram às mãos do poder liderado pelo grande-líder.
No plano das interpretações d"O" facto, podemos discordar e defender diferentes teses, mas sobre a realidade d"O" facto não pode haver lugar a discussões. Tenham eles sobrevivido por serem os legítimos, e desejados, herdeiros e potenciais continuadores do recém-defunto poder, ou tenham eles sobrevivido por, quais ratos escondidos nas paredes do partido, nunca terem manifestado a sua oposição aos quase 30 anos de grande-timoneirismo, "O" facto é que eram eles, os sobreviventes, que estavam fisicamente presentes na câmara-ardente onde o caixão com o grande timoneiro aguardava um herdeiro. Escolha uma destas ou descreva-me uma terceira.
Entrevejam-se, nesta discrição, as catacumbas onde, já em 1956, estariam enterrados os Materialismos Histórico e Dialéctico, a Revolução de Outubro e o Movimento Comunista Internacional para conseguirmos personalizar tão individualizadamente os herdeiros do poder régio, naquela que já fora uma democracia do proletariado, com todo o poder descentralizado nos sovietes.
Voltemos a"O" facto. Após 30 anos de grande-timoneirismo, em 1956, na câmara ardente, estavam presentes duas linhas sucessórias: de um lado, "O Béria de serviço", terceiro em trinta anos, que tinha ajudado o grande-timoneiro a "julgar" e enterrar os últimos opositores, ex-camaradas de partido, do outro lado da urna, os opositores ao "Béria de serviço", sobreviventes que pretendiam, tão só, furtar-se a seguir o caminho dos seus camaradas, feitos desaparecidos ao longo dos último trinta anos. Alcandoraram-se ao poder régio, que de soviético já pouco teria, os vivos, acredito que para bem de muitos, tanto dentro como fora da URSS, apesar de tudo.
Os que se lhe seguiram não foram melhores.
Quanto à atribuição da queda do leste socialista à traição d"O" seu Presidente e Secretário Geral (Eleito? Nomeado? Herdeiro?), vou aos canhenhos dos dois filósofos, constatar que um sistema de produção, só é derrotado por outro, que ofereça maior produtividade. Isto de acordo com a economia politica marxista. E que os conjunturais lideres são emanações das massas, através de processos estruturais, isto a acreditar nas teses do materialismo histórico.
Assim sendo, isto é, seguindo os livros que de sagrado nada têm, note-mo-lo, das três uma: ou a) damos um pontapé na política económica marxista e no materialismo histórico, tudo de uma vez, bebé, água, banheira vai tudo pela janela fora e voltamos a acreditar nas histórias como sucessões de déspotas (mais ou menos) Iluminados, arcaicamente eleitos por deus ou, mais contemporaneamente, infiltrados pela omnipresente CIA; ou b) aceitamos que "aquilo" era um regime qualquer, passível de ser destruído pela traição de um condottieri, e também, por esta via, nos vergamos à anti-comunista ideologia dominante; ou c) assumimos que algo de muito errado se passava no reino da Dinamarca, para que em 60 anos não tivéssemos conseguido atingir níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do Capitalismo. Destas três, só a última me parece minimamente útil para trabalho futuro, para nos ajudar a não repetir erros e, pelo contrário, encontrar soluções para as pergunta que temos de começar já hoje a fazer: onde é que errámos, o que é que fizemos mal, como é que um sistema baseado na propriedade colectiva dos meios de produção "não conseguiu" oferecer níveis de produtividade qualitativamente superiores à selva do imperialismo predador em que a humanidade sobrevive? Como é que da próxima vez vamos conseguir?
Sobre traidores e traições, acredito que "O" facto ponha fim às polémicas sobre os idos de 56 e a leitura dos canhenhos à luz da realidade e da experiência, ajude a abrir portas para explicar consistentemente a queda do leste socialista.
Passemos às implicações d"O" facto.
Considerando os dois grandes exemplos de revoluções com pernas para andar, a russa e a chinesa, creio que temos de discutir, debater, investigar e aprender as formas de preservar a democracia do proletariado, depois da tomada do poder. Temos tempo. Como diz e concordo, não se prevêem revoluções mundiais para os próximos cinco a 10 anos anos, mas temos de fazer por elas, humanité oblige, e não podemos cometer os mesmos cataclísmicos erros das grandes revoluções do século XX, nomeadamente decepar os sempre poucos e mal formados quadros revolucionários nos altares dos voluntarismos e dos grandes timoneiros.
É possível aprender, já hoje, com a rica herança do passado. Aprender a não repetir os erros, os cultos das personalidades, as personificações do poder, os revisionismos da dialéctica materialista, os abandonos do método cientifico a favor de leituras e acções voluntaristas. Aprender com os bons exemplos: com a democracia de proximidade cubana, por exemplo, muito centrada no poder local, nos representantes de base, liderada por uma vanguarda com vastos conhecimentos teóricos e uma prática estritamente leninista. Cuba tem conseguido sobreviver a um bloqueio de cinquenta anos a 200 km da costa do império, e, curiosamente, teve até ao momento menos de meia dúzia de camaradas "dissidentes" que continuam vivinhos da silva e a "dissidir" como muito bem entendem, uns na ilha e outros em Miami, com toda a sua irrelevância.
Quanto ao trabalho a fazer para que as próximas revoluções ofereçam níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do imperialismo predador, até podemos procurar caminhos nos canhenhos dos filósofos. A economia politica marxista aponta a crescente emancipação dos deserdados, dos explorados, dos produtores, a crescente emancipação do trabalho, como pedra de toque para os qualitativamente superiores ganhos de produtividade dos sistemas de produção tradicionalmente considerados no ocidente: o proletário do capitalismo é qualitativamente mais livre do que o servo do feudalismo e este mais livre do que o escravo do esclavagismo. O comunismo terá assim de oferecer uma maior liberdade em todas as suas vertentes, de movimentos, de intervenção, de espaço para a criatividade, para o livre debate, para o ser e o estar, enfim um espaço de democracia do proletariado. Este parece-me um tema a precisar de aprofundamento numa época em que a humanidade está prestes a libertar-se do trabalho repetitivo para se poder dedicar apenas ao criativo. Ou não.
Caro António Jorge, concordando com o pano de fundo do seu texto, permita-me continuar a discordar da sua leitura dos culpados mais e menos distantes.
Aqueles a quem apelida de traidores, os que se alcandoraram ao poder no XX congresso do PCUS, foram os sobreviventes do poder que se alcandorou à chefia, do partido e do estado, depois do afastamento da liderança leninista em 1924-26. Isto é "O" facto. Para ilustrar "O" facto, proponho a imagem acima e os números que dela se extraem: dos 25 membros do CC Bolchevique em 1917, 4 morreram na guerra civil e 9 de causas naturais. Os restantes 12 morreram às mãos do poder liderado pelo grande-líder.
No plano das interpretações d"O" facto, podemos discordar e defender diferentes teses, mas sobre a realidade d"O" facto não pode haver lugar a discussões. Tenham eles sobrevivido por serem os legítimos, e desejados, herdeiros e potenciais continuadores do recém-defunto poder, ou tenham eles sobrevivido por, quais ratos escondidos nas paredes do partido, nunca terem manifestado a sua oposição aos quase 30 anos de grande-timoneirismo, "O" facto é que eram eles, os sobreviventes, que estavam fisicamente presentes na câmara-ardente onde o caixão com o grande timoneiro aguardava um herdeiro. Escolha uma destas ou descreva-me uma terceira.
Entrevejam-se, nesta discrição, as catacumbas onde, já em 1956, estariam enterrados os Materialismos Histórico e Dialéctico, a Revolução de Outubro e o Movimento Comunista Internacional para conseguirmos personalizar tão individualizadamente os herdeiros do poder régio, naquela que já fora uma democracia do proletariado, com todo o poder descentralizado nos sovietes.
Voltemos a"O" facto. Após 30 anos de grande-timoneirismo, em 1956, na câmara ardente, estavam presentes duas linhas sucessórias: de um lado, "O Béria de serviço", terceiro em trinta anos, que tinha ajudado o grande-timoneiro a "julgar" e enterrar os últimos opositores, ex-camaradas de partido, do outro lado da urna, os opositores ao "Béria de serviço", sobreviventes que pretendiam, tão só, furtar-se a seguir o caminho dos seus camaradas, feitos desaparecidos ao longo dos último trinta anos. Alcandoraram-se ao poder régio, que de soviético já pouco teria, os vivos, acredito que para bem de muitos, tanto dentro como fora da URSS, apesar de tudo.
Os que se lhe seguiram não foram melhores.
Quanto à atribuição da queda do leste socialista à traição d"O" seu Presidente e Secretário Geral (Eleito? Nomeado? Herdeiro?), vou aos canhenhos dos dois filósofos, constatar que um sistema de produção, só é derrotado por outro, que ofereça maior produtividade. Isto de acordo com a economia politica marxista. E que os conjunturais lideres são emanações das massas, através de processos estruturais, isto a acreditar nas teses do materialismo histórico.
Assim sendo, isto é, seguindo os livros que de sagrado nada têm, note-mo-lo, das três uma: ou a) damos um pontapé na política económica marxista e no materialismo histórico, tudo de uma vez, bebé, água, banheira vai tudo pela janela fora e voltamos a acreditar nas histórias como sucessões de déspotas (mais ou menos) Iluminados, arcaicamente eleitos por deus ou, mais contemporaneamente, infiltrados pela omnipresente CIA; ou b) aceitamos que "aquilo" era um regime qualquer, passível de ser destruído pela traição de um condottieri, e também, por esta via, nos vergamos à anti-comunista ideologia dominante; ou c) assumimos que algo de muito errado se passava no reino da Dinamarca, para que em 60 anos não tivéssemos conseguido atingir níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do Capitalismo. Destas três, só a última me parece minimamente útil para trabalho futuro, para nos ajudar a não repetir erros e, pelo contrário, encontrar soluções para as pergunta que temos de começar já hoje a fazer: onde é que errámos, o que é que fizemos mal, como é que um sistema baseado na propriedade colectiva dos meios de produção "não conseguiu" oferecer níveis de produtividade qualitativamente superiores à selva do imperialismo predador em que a humanidade sobrevive? Como é que da próxima vez vamos conseguir?
Sobre traidores e traições, acredito que "O" facto ponha fim às polémicas sobre os idos de 56 e a leitura dos canhenhos à luz da realidade e da experiência, ajude a abrir portas para explicar consistentemente a queda do leste socialista.
Passemos às implicações d"O" facto.
Considerando os dois grandes exemplos de revoluções com pernas para andar, a russa e a chinesa, creio que temos de discutir, debater, investigar e aprender as formas de preservar a democracia do proletariado, depois da tomada do poder. Temos tempo. Como diz e concordo, não se prevêem revoluções mundiais para os próximos cinco a 10 anos anos, mas temos de fazer por elas, humanité oblige, e não podemos cometer os mesmos cataclísmicos erros das grandes revoluções do século XX, nomeadamente decepar os sempre poucos e mal formados quadros revolucionários nos altares dos voluntarismos e dos grandes timoneiros.
É possível aprender, já hoje, com a rica herança do passado. Aprender a não repetir os erros, os cultos das personalidades, as personificações do poder, os revisionismos da dialéctica materialista, os abandonos do método cientifico a favor de leituras e acções voluntaristas. Aprender com os bons exemplos: com a democracia de proximidade cubana, por exemplo, muito centrada no poder local, nos representantes de base, liderada por uma vanguarda com vastos conhecimentos teóricos e uma prática estritamente leninista. Cuba tem conseguido sobreviver a um bloqueio de cinquenta anos a 200 km da costa do império, e, curiosamente, teve até ao momento menos de meia dúzia de camaradas "dissidentes" que continuam vivinhos da silva e a "dissidir" como muito bem entendem, uns na ilha e outros em Miami, com toda a sua irrelevância.
Quanto ao trabalho a fazer para que as próximas revoluções ofereçam níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do imperialismo predador, até podemos procurar caminhos nos canhenhos dos filósofos. A economia politica marxista aponta a crescente emancipação dos deserdados, dos explorados, dos produtores, a crescente emancipação do trabalho, como pedra de toque para os qualitativamente superiores ganhos de produtividade dos sistemas de produção tradicionalmente considerados no ocidente: o proletário do capitalismo é qualitativamente mais livre do que o servo do feudalismo e este mais livre do que o escravo do esclavagismo. O comunismo terá assim de oferecer uma maior liberdade em todas as suas vertentes, de movimentos, de intervenção, de espaço para a criatividade, para o livre debate, para o ser e o estar, enfim um espaço de democracia do proletariado. Este parece-me um tema a precisar de aprofundamento numa época em que a humanidade está prestes a libertar-se do trabalho repetitivo para se poder dedicar apenas ao criativo. Ou não.
2018/10/16
Toda a Economia É Politica
O Marxismo, crítica da economia política ou economia política?
(Rémy Herrera in ODiário.info, 2018/10/12)
O marxismo é uma das armas teórico-práticas mais poderosas – senão a mais poderosa – de que as classes trabalhadoras dispõem para travar as suas lutas. Isso explica simultaneamente a sua presença marginal nas esferas académicas e intelectuais, onde essas classes não estão (ou quase não estão) representadas e onde a influência ideológica da burguesia é asfixiante, e também o facto de o marxismo não desaparecer, apesar de sinais evidentes de declínio e das esperanças dos seus inimigos – incluindo os sociais-democratas. No entanto, a sua relação com a economia, enquanto disciplina científica, não é evidente. Primeiro, porque a economia dita “política”, que apareceu na Europa ocidental entre os séculos XVI e XVIII, é um subproduto da evolução histórica do sistema capitalista.
(Rémy Herrera in ODiário.info, 2018/10/12)
O marxismo é uma das armas teórico-práticas mais poderosas – senão a mais poderosa – de que as classes trabalhadoras dispõem para travar as suas lutas. Isso explica simultaneamente a sua presença marginal nas esferas académicas e intelectuais, onde essas classes não estão (ou quase não estão) representadas e onde a influência ideológica da burguesia é asfixiante, e também o facto de o marxismo não desaparecer, apesar de sinais evidentes de declínio e das esperanças dos seus inimigos – incluindo os sociais-democratas. No entanto, a sua relação com a economia, enquanto disciplina científica, não é evidente. Primeiro, porque a economia dita “política”, que apareceu na Europa ocidental entre os séculos XVI e XVIII, é um subproduto da evolução histórica do sistema capitalista.
2018/08/25
Marx e o capital no século XXI
Marx e o capital no século XXI
(uma entrevista com David Harvey, blogue da Boitempo, 2018/08/18)
David Harvey fala sobre seu novo livro "A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI" em entrevista a David Denvir: "Tenho apostando na construção de alianças. Para construir alianças, você precisa ter uma imagem da totalidade de uma sociedade capitalista. Daí a importância de ler Marx hoje."
Publicado em 17/08/2018
Entrevista especial com David Harvey.
David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade. Geógrafo de formação, ele desenvolveu uma leitura bastante original da obra de Marx informada por uma sensibilidade às dinâmicas de urbanização que acompanham a história do capitalismo e suas crises. Seu mais novo livro, A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI, é um esforço culminante desse projeto intelectual e político. Nele, Harvey se propõe a atualizar o pensamento de Karl Marx à luz das novas transformações da globalização capitalista contemporânea. Disparando contra a “loucura da razão econômica”, ele revela a total impotência da dita “ciência econômica” imperante para lidar com os problemas postos pela crise atual do capitalismo. Trata-se de uma obra de amplo alcance temático – abordando fenômenos diversos como bitcoin, inteligência artificial, a ascensão do fascismo, os megaprojetos chineses e a crise da Zona Euro – que procura fornecer um instrumental teórico à altura das complexidades e armadilhas da lógica do capital para que os diversos movimentos e organizações sociais possam calibrar melhor suas estratégias políticas diante do inimigo comum.
Na semana que vem, David Harvey desembarca no Brasil para uma série de atividades de lançamento do livro. Confira a agenda completa dele ao final deste post. Para esquentar, reproduzimos abaixo a entrevista que ele deu a Daniel Denvir, colaborador da Jacobin, para o The Dig. A tradução é de José Carlos Ruy, do Portal Vermelho.
Boa leitura!
* * *
Daniel Denvir: Você tem lecionado sobre O capital, de Marx, por um bom tempo. Faça uma breve visão geral de cada um dos três volumes.
David Harvey: Marx está muito nos detalhes, e às vezes é difícil entender exatamente no que consiste sua concepção de capital. Mas na verdade é simples. Os capitalistas começam com certa quantia de dinheiro, levam esse dinheiro ao mercado e compram algumas mercadorias, como meios de produção e força de trabalho, que colocam para trabalhar num processo de produção que gera novas mercadorias. Elas são vendidas por dinheiro, com um lucro. Então o lucro é redistribuído de várias maneiras, na forma de aluguéis e juros, e então circula de volta para aquele dinheiro, e reinicia o ciclo de produção.
É um processo de circulação. E os três volumes de O capital lidam com diferentes aspectos desse processo. O primeiro trata da produção. O segundo lida com a circulação e o que chamamos de “realização” – a maneira como a mercadoria é convertida em dinheiro. E o terceiro lida com a distribuição – quanto vai para o proprietário, quanto vai para o financista, quanto vai para o comerciante, antes que tudo seja revirado e reenviado de volta ao processo de circulação.
É o que tento ensinar, para que as pessoas entendam as relações entre os três volumes de O capital e não se percam totalmente em nenhum volume ou em partes deles.
(uma entrevista com David Harvey, blogue da Boitempo, 2018/08/18)
David Harvey fala sobre seu novo livro "A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI" em entrevista a David Denvir: "Tenho apostando na construção de alianças. Para construir alianças, você precisa ter uma imagem da totalidade de uma sociedade capitalista. Daí a importância de ler Marx hoje."
Publicado em 17/08/2018
Entrevista especial com David Harvey.
David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade. Geógrafo de formação, ele desenvolveu uma leitura bastante original da obra de Marx informada por uma sensibilidade às dinâmicas de urbanização que acompanham a história do capitalismo e suas crises. Seu mais novo livro, A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI, é um esforço culminante desse projeto intelectual e político. Nele, Harvey se propõe a atualizar o pensamento de Karl Marx à luz das novas transformações da globalização capitalista contemporânea. Disparando contra a “loucura da razão econômica”, ele revela a total impotência da dita “ciência econômica” imperante para lidar com os problemas postos pela crise atual do capitalismo. Trata-se de uma obra de amplo alcance temático – abordando fenômenos diversos como bitcoin, inteligência artificial, a ascensão do fascismo, os megaprojetos chineses e a crise da Zona Euro – que procura fornecer um instrumental teórico à altura das complexidades e armadilhas da lógica do capital para que os diversos movimentos e organizações sociais possam calibrar melhor suas estratégias políticas diante do inimigo comum.
Na semana que vem, David Harvey desembarca no Brasil para uma série de atividades de lançamento do livro. Confira a agenda completa dele ao final deste post. Para esquentar, reproduzimos abaixo a entrevista que ele deu a Daniel Denvir, colaborador da Jacobin, para o The Dig. A tradução é de José Carlos Ruy, do Portal Vermelho.
Boa leitura!
* * *
Daniel Denvir: Você tem lecionado sobre O capital, de Marx, por um bom tempo. Faça uma breve visão geral de cada um dos três volumes.
David Harvey: Marx está muito nos detalhes, e às vezes é difícil entender exatamente no que consiste sua concepção de capital. Mas na verdade é simples. Os capitalistas começam com certa quantia de dinheiro, levam esse dinheiro ao mercado e compram algumas mercadorias, como meios de produção e força de trabalho, que colocam para trabalhar num processo de produção que gera novas mercadorias. Elas são vendidas por dinheiro, com um lucro. Então o lucro é redistribuído de várias maneiras, na forma de aluguéis e juros, e então circula de volta para aquele dinheiro, e reinicia o ciclo de produção.
É um processo de circulação. E os três volumes de O capital lidam com diferentes aspectos desse processo. O primeiro trata da produção. O segundo lida com a circulação e o que chamamos de “realização” – a maneira como a mercadoria é convertida em dinheiro. E o terceiro lida com a distribuição – quanto vai para o proprietário, quanto vai para o financista, quanto vai para o comerciante, antes que tudo seja revirado e reenviado de volta ao processo de circulação.
É o que tento ensinar, para que as pessoas entendam as relações entre os três volumes de O capital e não se percam totalmente em nenhum volume ou em partes deles.
2018/05/05
Comunismo é o Mundo Sem Fronteiras
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos é muito mais do que um slogan, é todo um programa revolucionário.
É a forma de dizermos de onde vimos, para onde vamos e como vamos.
Vimos do mundo do capital que nos divide com fronteiras.
Caminhamos para um mundo sem elas, unidos como os dedos da mão.
É um programa revolucionário que começa com a organização num partido comunista, passa pela miscegenização dos nacionalismos numa só internacional e só terminará quando o mundo for um, sem muros, classes ou fronteiras, um mundo justo, fraterno e solidário com todos e para todos.
É um programa revolucionário para levarmos o planeta a uma terra sem amos nem fronteiras.
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos por um planeta sem amos.
É a forma de dizermos de onde vimos, para onde vamos e como vamos.
Vimos do mundo do capital que nos divide com fronteiras.
Caminhamos para um mundo sem elas, unidos como os dedos da mão.
É um programa revolucionário que começa com a organização num partido comunista, passa pela miscegenização dos nacionalismos numa só internacional e só terminará quando o mundo for um, sem muros, classes ou fronteiras, um mundo justo, fraterno e solidário com todos e para todos.
É um programa revolucionário para levarmos o planeta a uma terra sem amos nem fronteiras.
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos por um planeta sem amos.
Viva a Democracia do Proletariado!
É verdade, o nome escolhido pelos pais do Marxismo para a verdadeira democracia foi um fenomenal erro de casting.
É verdade, já em finais do século XIX a palavra democracia estava muito desvalorizada pelo conteúdo que a burguesia lhe tinha inculcado, com proibições de partidos, eleições fraudulentas, tribunais ao serviço do capital, policias a reprimir nas ruas os revoltados com a ignomínia da ditadura burguesa.
É tempo de reclamarmos o que é legitimamente nosso: a democracia do proletariado, a democracia popular, a verdadeira democracia, a democracia de todos os dias, completa, interventiva, solidária, justa.
Viva a Democracia do Proletariado!
2018/05/04
Comunismo é Liberdade
É a mais pura verdade. Sem incorrer num retrocesso aos socialismos utópicos das descrições de futuros idílicos, Marx e Engels descrevem um processo histórico em que a luta de classes é o motor da evolução no sentido de uma sempre maior emancipação do trabalho.
Desde o escravo, livre para morrer escravo, passando pelo servo, acorrentado à terra e com ela vendido, até ao proletário, livre para vender a sua força de trabalho num mercado viciado pelo capital, atingimos um patamar em que só a mais absoluta libertação das grilhetas da exploração pode ser aceitável.
É precisamente isso que propoem uma sociedade comunista: a absoluta libertação do trabalho.
É por isso que nós comunistas lutamos: l i b e r d a d e !
Desde o escravo, livre para morrer escravo, passando pelo servo, acorrentado à terra e com ela vendido, até ao proletário, livre para vender a sua força de trabalho num mercado viciado pelo capital, atingimos um patamar em que só a mais absoluta libertação das grilhetas da exploração pode ser aceitável.
É precisamente isso que propoem uma sociedade comunista: a absoluta libertação do trabalho.
É por isso que nós comunistas lutamos: l i b e r d a d e !
2018/03/23
Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade
Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade
(José Barata-Moura, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo», 2018/02/28)
1. Tema.
Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades».
Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.
Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.
Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.
Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).
(José Barata-Moura, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo», 2018/02/28)
1. Tema.
Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades».
Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.
Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.
Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.
Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).
2018/03/04
Sobre os limites do capitalismo
François Chesnais e os impasses do capitalismo
(Eleutério F. S. Prado, in Fundação Dinarco Reis, 28/01/2018)
É preciso começar pelo fim. François Chesnais escreveu, em novembro de 2017, uma série de três pequenos artigos para o portal A l’encontre em que atualiza o seu entendimento dos impasses atuais do capitalismo globalizado.
Na última sentença do terceiro artigo, cita com aprovação, uma frase de um filósofo francês muito conhecido pelos seus trabalhos seminais em sociologia da ciência: “numa perspectiva diferente, compartilho o julgamento de Bruno Latour, segundo o qual as classes dominantes já não pretendem governar, mas apenas protegerem-se do mundo”. Pois, diante das perspectivas para manter o modo de vida dominante, chegaram à conclusão paradoxal – e que permanece amplamente tácita – de que “não há mais lugar na terra para eles e para o resto dos habitantes do mundo”.
(Eleutério F. S. Prado, in Fundação Dinarco Reis, 28/01/2018)
É preciso começar pelo fim. François Chesnais escreveu, em novembro de 2017, uma série de três pequenos artigos para o portal A l’encontre em que atualiza o seu entendimento dos impasses atuais do capitalismo globalizado.
Na última sentença do terceiro artigo, cita com aprovação, uma frase de um filósofo francês muito conhecido pelos seus trabalhos seminais em sociologia da ciência: “numa perspectiva diferente, compartilho o julgamento de Bruno Latour, segundo o qual as classes dominantes já não pretendem governar, mas apenas protegerem-se do mundo”. Pois, diante das perspectivas para manter o modo de vida dominante, chegaram à conclusão paradoxal – e que permanece amplamente tácita – de que “não há mais lugar na terra para eles e para o resto dos habitantes do mundo”.
2018/01/17
Jean Salemn (1956, 2018)
No passado dia 14 de Janeiro faleceu o filósofo marxista Jean Salemn.
Que melhor homenagem do que ler e discutir um texto dele traduzido por João Paulo Gascão para o diário.info?
Marxismo, uma filosofia da praxis para a revolução
(Jean Salemn, XVII Jornadas Independentistas Galegas, 2013/04/20)
Marx, mais actual que nunca
1. Marx não é apenas um «clássico» do pensamento filosófico. Estou convencido que Marx é hoje mais contemporâneo para nós do que era há trinta ou quarenta anos! Tomemos, por exemplo, o Manifesto do Partido Comunista. Lembro-me de, quando o lia pela primeira vez, ir perguntar ao meu pai: que significa essa «concorrência» entre operários que os autores falam em várias ocasiões? A concorrência entre capitalistas, a concorrência mesmo no seio da burguesia, isso era na verdade evidente; mas a possibilidade de que existisse uma concorrência entre trabalhadores não parecia tão evidente, numa época em que os sindicatos eram fortes, em que a classe operária estava poderosamente organizada, numa época de pleno emprego (ou quase) e de políticas «keynesianas». Hoje em dia, pelo contrário, qualquer pessoa remetida para empregos cada vez mais precários e menos frequentes compreenderia isto desde a primeira leitura: efectivamente, o sistema repete-lhe constantemente «se não estás contente, e mais ainda se protestares, há mais dez que estão dispostos a ocupar o teu lugar!». Penso também naquele trecho em que Marx e Engels falam da prostituição, na altura muito alargada entre a classe operária inglesa: não era um fenómeno de massas na década de 1960. Mas, nos nossos dias, depois da grande «libertação» de 1989-1991, há mais de 4 milhões de mulheres que foram – literalmente – vendidas: e esta atmosfera de mercantilização generalizada dos objectos e dos seres humanos, a nossa, facilita-nos, mais uma vez a compreensão imediata do texto do Manifesto. Definitivamente, há muitas coisas que poderemos encontrar em Marx adaptando-as, claro está, à nossa própria época. Por isso é que continuo a acreditar que o marxismo se mantém, como filosofia, inultrapassável do nosso tempo.
Que melhor homenagem do que ler e discutir um texto dele traduzido por João Paulo Gascão para o diário.info?
Marxismo, uma filosofia da praxis para a revolução
(Jean Salemn, XVII Jornadas Independentistas Galegas, 2013/04/20)
Marx, mais actual que nunca
1. Marx não é apenas um «clássico» do pensamento filosófico. Estou convencido que Marx é hoje mais contemporâneo para nós do que era há trinta ou quarenta anos! Tomemos, por exemplo, o Manifesto do Partido Comunista. Lembro-me de, quando o lia pela primeira vez, ir perguntar ao meu pai: que significa essa «concorrência» entre operários que os autores falam em várias ocasiões? A concorrência entre capitalistas, a concorrência mesmo no seio da burguesia, isso era na verdade evidente; mas a possibilidade de que existisse uma concorrência entre trabalhadores não parecia tão evidente, numa época em que os sindicatos eram fortes, em que a classe operária estava poderosamente organizada, numa época de pleno emprego (ou quase) e de políticas «keynesianas». Hoje em dia, pelo contrário, qualquer pessoa remetida para empregos cada vez mais precários e menos frequentes compreenderia isto desde a primeira leitura: efectivamente, o sistema repete-lhe constantemente «se não estás contente, e mais ainda se protestares, há mais dez que estão dispostos a ocupar o teu lugar!». Penso também naquele trecho em que Marx e Engels falam da prostituição, na altura muito alargada entre a classe operária inglesa: não era um fenómeno de massas na década de 1960. Mas, nos nossos dias, depois da grande «libertação» de 1989-1991, há mais de 4 milhões de mulheres que foram – literalmente – vendidas: e esta atmosfera de mercantilização generalizada dos objectos e dos seres humanos, a nossa, facilita-nos, mais uma vez a compreensão imediata do texto do Manifesto. Definitivamente, há muitas coisas que poderemos encontrar em Marx adaptando-as, claro está, à nossa própria época. Por isso é que continuo a acreditar que o marxismo se mantém, como filosofia, inultrapassável do nosso tempo.
2017/12/07
Nos 150 anos d'O Capital
“O Capital não é uma bíblia nem um receituário”, diz José Paulo Netto
(Juliana Gonçalves, in Brasil de Fato, 2017/09/16)
Vista por muitos como “a bíblia” da revolução, há 150 anos era lançada a obra O capital, de Karl Marx (1818-1883). Em nome do intelectual alemão e sua obra maior, muitas batalhas políticas e ideológicas são travadas até hoje. Em entrevista ao Brasil de Fato, concedida por e-mail, o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Paulo Netto, que se define como comunista, desmistifica a obra.
Netto defende o conteúdo como um “programa analítico que deve ser sistematicamente desenvolvido”. Além disso, fala dos principais pontos de análise estruturados por Marx no livro, das crises do capitalismo como oportunidades para mudança social, do poder da conscientização dos trabalhadores e, por fim, das questões de raça e gênero, tidas como “pós-modernas”, que ganham novas leituras e esquentam os debates sobre a luta de classe.
Brasil de Fato: Como vê a importância da obra e o que ela representa?
José Paulo Netto: A meu juízo, o caráter clássico dessa obra de Marx reside em que ela, centrada na análise social da produção econômica capitalista e evidenciando as suas inextirpáveis contradições, permitiu-lhe elaborar uma teoria sobre a gênese, a constituição e a dinâmica da sociedade burguesa. Depois de Marx, nenhuma outra construção científica foi capaz de explicar e compreender tão rigorosamente, numa perspectiva histórica e crítica, as condições objetivas que propiciam a vida social cada vez mais diversificada e complexa da sociedade em que vivemos. O que Marx nos oferece n’O capital (e o livro I contém a sua fundamentação) é a teoria que expressa, nas suas tendências mais essenciais, o movimento histórico real do que chamamos capitalismo.
Nas pesquisas que realizou, à base da dialética de Hegel, Marx descobriu o mecanismo fundamental sobre o qual se ergue a sociedade burguesa: a exploração do trabalho pelo capital. Evidentemente, corridos um século e meio desde a publicação d’O capital, a organização econômica e social da nossa sociedade se transformou profundamente — o capitalismo do século XXI não é o capitalismo do século XIX. Mas o capitalismo, uma vez constituído, só pode assentar na exploração do trabalho — não existe capitalismo sem a exploração do trabalho pelo capital. Marx não foi nem profeta nem um criador de utopias: foi um teórico rigoroso e o essencial das suas descobertas permanece o fundamento necessário para a análise da sociedade contemporânea.
(Juliana Gonçalves, in Brasil de Fato, 2017/09/16)
Vista por muitos como “a bíblia” da revolução, há 150 anos era lançada a obra O capital, de Karl Marx (1818-1883). Em nome do intelectual alemão e sua obra maior, muitas batalhas políticas e ideológicas são travadas até hoje. Em entrevista ao Brasil de Fato, concedida por e-mail, o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Paulo Netto, que se define como comunista, desmistifica a obra.
Netto defende o conteúdo como um “programa analítico que deve ser sistematicamente desenvolvido”. Além disso, fala dos principais pontos de análise estruturados por Marx no livro, das crises do capitalismo como oportunidades para mudança social, do poder da conscientização dos trabalhadores e, por fim, das questões de raça e gênero, tidas como “pós-modernas”, que ganham novas leituras e esquentam os debates sobre a luta de classe.
Brasil de Fato: Como vê a importância da obra e o que ela representa?
José Paulo Netto: A meu juízo, o caráter clássico dessa obra de Marx reside em que ela, centrada na análise social da produção econômica capitalista e evidenciando as suas inextirpáveis contradições, permitiu-lhe elaborar uma teoria sobre a gênese, a constituição e a dinâmica da sociedade burguesa. Depois de Marx, nenhuma outra construção científica foi capaz de explicar e compreender tão rigorosamente, numa perspectiva histórica e crítica, as condições objetivas que propiciam a vida social cada vez mais diversificada e complexa da sociedade em que vivemos. O que Marx nos oferece n’O capital (e o livro I contém a sua fundamentação) é a teoria que expressa, nas suas tendências mais essenciais, o movimento histórico real do que chamamos capitalismo.
Nas pesquisas que realizou, à base da dialética de Hegel, Marx descobriu o mecanismo fundamental sobre o qual se ergue a sociedade burguesa: a exploração do trabalho pelo capital. Evidentemente, corridos um século e meio desde a publicação d’O capital, a organização econômica e social da nossa sociedade se transformou profundamente — o capitalismo do século XXI não é o capitalismo do século XIX. Mas o capitalismo, uma vez constituído, só pode assentar na exploração do trabalho — não existe capitalismo sem a exploração do trabalho pelo capital. Marx não foi nem profeta nem um criador de utopias: foi um teórico rigoroso e o essencial das suas descobertas permanece o fundamento necessário para a análise da sociedade contemporânea.
2017/11/15
Mais Factos no Centenário da Revolução de Outubro
Os Primeiros Decretos
(Café Central, in facebook 2017/11/15)
Na noite de 7 de Novembro, os operários armados rodeavam o Palácio De Inverno e o tomavam horas depois. Os operários contemplavam atónitos a riqueza e o luxo com que tinham vivido os czares durante anos. Pela primeira vez na história, a classe operária tomava as rédeas do Estado. Agora faltava levar o poder soviético a cada um dos cantos da Rússia e vencer a feroz resistência dos capitalistas para manter os seus privilégios. Mas, por onde começar? Como se destrói uma máquina estatal para criar outra?
No dia 8 de Novembro iniciava-se a obra legislativa da Grande Revolução Socialista de Outubro.
- O Decreto ao Mundo ou Decreto sobre a Paz
Foi esta a primeira norma do poder soviético. Nele se decreta a Paz sem anexações tal como deseja a imensa maioria da classe trabalhadora de qualquer país. O decreto proclama solenemente a sua vontade de assinar imediatamente um tratado de paz que faça cessar a guerra nas condições indicadas, igualmente equitativas para todos os povos sem excepção. Também elimina as negociações secretas e decreta uma trégua. Era a máxima prioridade naquele momento para a classe operária russa e europeia, acabar com uma guerra em que os operários morriam defendendo os interesses dos capitalistas.
- O Decreto da terra
Este decreto elimina a propriedade privada da terra. As grandes propriedades privadas, assim como as terras da Coroa, os conventos, a igreja, com todo o seu gado e utensílios, os seus edifícios e todas as dependências, passam a depender dos comités de terras das comarcas e dos sovietes de deputados camponeses do distrito. A única propriedade privada que este decreto mantém são as terras dos camponeses. Um fundo nacional de terras é criado para colocar à disposição dos camponeses. Proíbe-se a contratação, a terra é de quem a trabalha.
(Café Central, in facebook 2017/11/15)
Na noite de 7 de Novembro, os operários armados rodeavam o Palácio De Inverno e o tomavam horas depois. Os operários contemplavam atónitos a riqueza e o luxo com que tinham vivido os czares durante anos. Pela primeira vez na história, a classe operária tomava as rédeas do Estado. Agora faltava levar o poder soviético a cada um dos cantos da Rússia e vencer a feroz resistência dos capitalistas para manter os seus privilégios. Mas, por onde começar? Como se destrói uma máquina estatal para criar outra?
No dia 8 de Novembro iniciava-se a obra legislativa da Grande Revolução Socialista de Outubro.
- O Decreto ao Mundo ou Decreto sobre a Paz
Foi esta a primeira norma do poder soviético. Nele se decreta a Paz sem anexações tal como deseja a imensa maioria da classe trabalhadora de qualquer país. O decreto proclama solenemente a sua vontade de assinar imediatamente um tratado de paz que faça cessar a guerra nas condições indicadas, igualmente equitativas para todos os povos sem excepção. Também elimina as negociações secretas e decreta uma trégua. Era a máxima prioridade naquele momento para a classe operária russa e europeia, acabar com uma guerra em que os operários morriam defendendo os interesses dos capitalistas.
- O Decreto da terra
Este decreto elimina a propriedade privada da terra. As grandes propriedades privadas, assim como as terras da Coroa, os conventos, a igreja, com todo o seu gado e utensílios, os seus edifícios e todas as dependências, passam a depender dos comités de terras das comarcas e dos sovietes de deputados camponeses do distrito. A única propriedade privada que este decreto mantém são as terras dos camponeses. Um fundo nacional de terras é criado para colocar à disposição dos camponeses. Proíbe-se a contratação, a terra é de quem a trabalha.
2017/11/05
As Revoluções no Centenário de Outubro
Por vezes, sempre menos do que gostaríamos, surgem pequenas pérolas de pensamento materialista-histórico que nos deixam com vontade de ler mais. Já não é a primeira vez que Manuel Loff nos brinda com esses pequenos prazeres. Chegado ao fim, fui à procura de mais, do resto do artigo. Não havia mais. Fiquei com a impressão de ter lido uma introdução, com a sensação de que muito mais haveria para ler.
As Revoluções no Centenário de Outubro
(Manuel Loff, in Público 2017/11/04)
Foi o acontecimento central da história do séc. XX”, dizia Eric Hobsbawm (A Era dos Extremos, 1994), “da mesma forma como a Revolução Francesa o foi do séc. XIX”. Sendo puros produtos da modernidade ocidental, em toda a sua contradição interna, a qual ajudaram a transformar como nenhum outro processo político, ambas foram transformadas em objetos históricos malditos por todas as direitas do mundo, que as tentaram desocidentalizar como se, numa rançosa lógica colonial, elas não fossem mais do que processos de mudança tumultuária às mãos de massas ignorantes e fanatizadas.
As Revoluções no Centenário de Outubro
(Manuel Loff, in Público 2017/11/04)
Foi o acontecimento central da história do séc. XX”, dizia Eric Hobsbawm (A Era dos Extremos, 1994), “da mesma forma como a Revolução Francesa o foi do séc. XIX”. Sendo puros produtos da modernidade ocidental, em toda a sua contradição interna, a qual ajudaram a transformar como nenhum outro processo político, ambas foram transformadas em objetos históricos malditos por todas as direitas do mundo, que as tentaram desocidentalizar como se, numa rançosa lógica colonial, elas não fossem mais do que processos de mudança tumultuária às mãos de massas ignorantes e fanatizadas.
2017/06/23
O Anticomunismo da Ideologia Burguesa
A melhor forma de comemorar Outubro é produzir desassossego, abanar consciências, revolucionar. Manuel Gusmão conseguiu fazê-lo com uma intervenção nas comemorações do centenário da Revolução de Outubro.
E porque lhe quis arranjar mais um poiso no ciberespaço, além da referência acima, deixo aqui também uma cópia.
A ideologia burguesa é a ideologia da burguesia. Dizer isto não é uma banalidade sem consequências ou uma mera tautologia. É que uma das características básicas da ideologia burguesa consiste em recusar que seja uma ideologia e que seja referida a um sujeito social preciso, a burguesia. Assim, a maior parte das vezes, a ideologia burguesa tenta fazer-se passar por uma espécie de senso comum, ou por uma difusa doxa, uma espécie de “opinião pública” que atravessasse as fronteiras entre as diferentes classes. Todas essas formas de se considerar a si mesma, comportam gestos que visam recusar e dificultar a sua percepção como ideologia, ou seja, como um conjunto de representações, imagens do mundo e valores que exprimem os interesses e as necessidades de reprodução das condições de existência de uma determinada classe social.
Uma outra das suas características básicas que visa também dificultar a sua percepção como ideologia que representa os interesses, os desejos e os fantasmas de uma classe social, manifesta-se no seu carácter intensamente contraditório, flexível, destinado a adaptar-se a um número extensível de conjunturas e a diferentes funções-sujeito.
Sendo social e colectivamente produzida, a ideologia burguesa funciona como uma banca onde se vão buscar estruturas pré-fabricadas de sentidos que asseguram aos indivíduos uma estruturação e uma afirmação de si próprio como sujeito. Podemos dizer que o indivíduo abstracto burguês é um produto das relações de produção capitalistas e da ideologia burguesa que se apresenta como um pensamento que seria uma função de tal sujeito. Ou seja, a ideologia burguesa constitui um sujeito ilusoriamente criador de um pensamento, que é de facto fabricado algures. A essência agressiva da ideologia burguesa tem no seu coração o anticomunismo.
A grande Revolução Socialista de Outubro é a primeira revolução operária vencedora e constitui por isso a demonstração prática, e na história, da necessidade e da possibilidade da revolução. A necessidade da revolução de Outubro é a necessidade de resolver ou superar revolucionariamente o feixe de contradições que caracteriza qualquer sociedade capitalista. Por outro lado a possibilidade de uma tal revolução torna-se evidente e investigável face aos acontecimentos históricos que marcam a Comuna de Paris e que ligam essa experiência à da revolução de Outubro.
Marx e Engels utilizam a palavra ideologia em duas acepções: a restrita e a geral.” (João Vasco Fagundes, «Fragmentos sobre ideologia, de Vasco Magalhães-Vilhena: Alguns Tópicos para Reflexão, O Militante, nº 344, p.47).
“Aquilo que é criticado na ideologia dos jovens hegelianos, não é o poder de idealização, não é o caracter ideal das ideias, as ideias não são criticadas por serem ideias. Aquilo que é criticado nos jovens hegelianos, sobre a designação de ideologia, é o idealismo que comanda as suas concepções, é a autonomia absoluta que eles conferem às ideias, é a desconsideração da génese e do vínculo objectivo das ideias com a realidade e a prática social que a transforma; é, no fundo, a atribuição às ideias do estatuto de fundamento da realidade, levando a que as relações entre o ser social e consciência social surjam invertidas, assim como invertidas surgem a relações entre, por exemplo, base e superestrutura e entre valor e preço. (…)
Como afirma Vasco Magalhães-Vilhena: “ideológico” é penas uma outra palavra para idealista”. Vasco Magalhães-Vilhena, Fragmentos sobre a Ideologia (idem 36, p.50).
“Na sua acepção geral, a ideologia traduz, para Marx e para Engels, o conjunto das formas da consciência social, que se ergue sobre uma base social dada, o acervo das representações sociais, dos objectivos, desígnios, ideias, opiniões, e formas de sentir disponíveis, a cada momento na sociedade.
A este título, a categoria histórico-filosófica de ideologia significa concepção geral do mundo e da vida que, simultaneamente, reflete a marca social da sua origem, e projecta eixos de actuação prática sobre a realidade. (João Vasco Fagundes, idem, p.48-49)
A revolução de 1917, situando-se embora na continuidade da Comuna de Paris, implica alguns traços inovadores onde podemos ter em conta as diferenças entre essa tradição e o modo como deles se pode extrair a possibilidade efectiva da revolução.
O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo.
Porque o anticomunismo visa desacreditar a ideia de que uma revolução socialista é uma forma necessária e possível de resolver ou superar revolucionariamente o feixe de contradições que caracteriza qualquer sociedade capitalista.
A grande Revolução Socialista de Outubro é um acontecimento histórico que demonstra na prática a necessidade e a possibilidade dessa revolução. Situando-se no primeiro quartel do século XX, e sucedendo a uma série de insurreições operárias, em 1830, 1848 e 1871, passando pela experiência de 1905, na própria Rússia, a Revolução Socialista de Outubro estabelece uma linha de continuidade com aquelas rebeliões operárias nas quais introduz características inovadoras que certamente justificam o facto de esta ser a primeira revolução que vence.
Lenine propõe ao congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (bolchevique) de 1918, que o partido passe a designar-se Partido Comunista, homenageando assim os militantes operários da Comuna de Paris. Reclamando-se assim de uma continuidade com anteriores insurreições operárias, o Partido inscreve na sua adaptação programática alguns traços inovadores que poderão ter contribuído para a vitória da Revolução de Outubro.
O anticomunismo, enquanto arma fundamental da ideologia burguesa, indica a direcção e a orientação fundamental da sua estratégia de mistificação. Os seus diferentes temas visam assegurar a “invisibilidade” dos comunistas ou da alternativa comunista. Por isso, um dos eixos fundamentais do seu comportamento é o sistemático, prolongado e implacável silenciamento da sua voz, das suas propostas, da sua história, indiscernível da história, dos últimos 150 anos, em particular, dos povos. O mesmo se passa em Portugal.
O silenciamento do PCP é assumido por um discurso que atribui ao excluído a responsabilidade por aquilo que é assim apresentado como a sua autoexclusão. É o que o próprio PCP é, aquilo porque tem combatido e combate, que é a razão da sua (auto)exclusão. A exclusão do PCP é, por outro lado, “justificada” porque o PCP “está fechado à realidade”. A credibilização desta ideia passa por uma manipulação completa da realidade. Assim, o PCP não aparece na realidade portuguesa porque dela foi previamente retirado. A televisão não concede a palavra ao PCP, ignora iniciativas, grandes reuniões, debates de propostas para os problemas do país, lutas um pouco por todo o território nacional e em variadíssimos sectores da vida nacional, e depois conclui que o PCP está calado, não tem opinião ou a sua opinião não é visível. Nos debates sobre os grandes temas económicos, políticos e sociais, frequentemente não há comunistas. O argumento, que podem explicitar, ou deixar que as pessoas o infiram: é o de que não há comunistas que sejam especialistas dessa matéria, ou que tenham ideias interessantes sobre aquela outra matéria. Isto torna-se mais escandaloso quando o tema parece trazer consigo os comunistas, os trabalhadores, a sua luta. Suponhamos uma luta de empresa ou a luta num sector profissional. Se é demasiado escandaloso não convidar nenhum representante dos trabalhadores, da CGTP ou dos comunistas, a dificuldade pode ser contornada convidando a participar um elemento da UGT, mesmo que nada efectivamente represente nessa luta ou nesse sector de actividade, ou um especialista universitário de “sociologia do trabalho” que represente os interesses patronais.
A manipulação da realidade, a fabricação do consenso e a imposição da obediência
A televisão e os media em geral apresentam as medidas que o governo (seja ele um qualquer governo que conduza uma política de direita) vem tomando como inevitáveis. Esta é uma das características que identificam a política de direita: a inevitabilidade é uma espécie de deus ex maquina que governa a situação política, social e económica portuguesa. A tentativa de convencer dessa inevitabilidade representa uma activa imposição da obediência, baseada na generalização de um falso consenso, que é sobretudo a obtenção, pela violência psicossocial e pela aculturação, de uma disposição para o consentimento. Esse consenso manipulado que se visa impor é também a partilha de uma outra ideia que não precisa de ser explicitada para ficar a pairar suspensa, ao nível sub-consciente dos espectadores, mas sempre que necessário pronta a ser reactivada, segundo a qual o capitalismo é a realidade, a ordem natural das coisas; e a realidade é um dado intransponível, imóvel e intransformável, contra o qual nada se pode fazer. O PCP, ao não aceitar esta realidade que representaria o final da evolução histórica [houve história mas já não há – é o máximo de flexibilidade consentida] mostra assim estar fora da realidade.
A “realidade” é configurada pelos grandes meios audiovisuais de forma intensamente mistificadora. Desde os programas de informação ao conjunto da programação; tudo trabalha para impôr uma noção de realidade.
A realidade é algo de inteiramente visível: é algo que se vê completamente, no ecrã de televisão, que mostra o que se passa (presente), ou o que se passou, (passado) e se pode passar (futuro).
Telenovelas, noticiários, diversos tipos de talk-shows, concursos, documentários, séries, filmes, tudo se homogeneíza num discurso uniforme e absolutamente dominante, que absorve qualquer reparo crítico, que tende a impor modelos de reconhecimento da realidade e padrões de comportamentos aceitáveis.
Toda a descrição da realidade é, neste quadro, subordinada à definição de objectivos a alcançar, num determinado momento. Os reality-shows, por exemplo, não se limitam a pôr ou a “dar” em espectáculo aquilo que é a realidade, mas constroem modelos de comportamento susceptíveis de serem reconhecidos e adoptados. As sondagens mais do que diagnósticos de um estado da opinião são construções tendentes a induzir determinados resultados. Os programas de entretenimento potenciam o que já é conhecido quanto aos valores e desejos maioritários e tendem a torná-los ainda mais maioritários.
É conhecido o fenómeno da espectacularização do político e da aplicação da lógica da publicidade comercial à propaganda política. São os efeitos de expansão de dois dos grandes valores da ideologia burguesa, que reflectem duas tendências do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo: a mercadoria – a tendência para a mercantilização de todas as relações sociais e humanas; e o espectáculo - a tendência para a espectacularização de todas as esferas da vida humana.
Estes dois valores e tendências exprimem a imposição de dois modelos da organização burguesa do viver social: o mercado, que tende a substituir o diálogo e o confronto no espaço público e o espectáculo, que impõe a distância e promove uma satisfação ilusória dos desejos dos cidadãos reduzidos de participantes a espectadores.
A ideologia burguesa, jogando com estes dois valores, acaba por confundir o funcionamento do mercado capitalista com o funcionamento da democracia e este com o da representação.
São várias as formulações produzidas sobretudo na área das relações internacionais onde os representantes do imperialismo e das potências capitalistas identificam, numa confusão deliberada, as sociedades democráticas como “sociedades de livre mercado”. Essa confusão é tal que, para a ideologia burguesa dizer que as sociedades democráticas são sociedades de mercado e estas são necessariamente sociedades democráticas é rigorosamente equivalente, embora essa equivalência possa ser empiricamente refutada.
Uma idolatria da representação
Por outro lado, pode dizer-se que a ideologia burguesa é uma idolatria da representação. A sua concepção da democracia tende a esgotar-se no mecanismo de representação, que introduz ou supõe uma separação inultrapassável entre representantes e representados. Essa separação traduz-se numa forte desigualdade na participação e exercício do poder. A maioria da população só pode ser representada, ou seja, a sua participação no poder limita-se à escolha de quem serão os seus representantes. A pressão das divisões sociais procede a uma evidente (e, contudo, silenciosa) selecção social dos representantes. Assim, os trabalhadores tendem a ser representados por indivíduos com outras origens e situações de classe.
É claro que as sociedades baseadas na exploração do trabalho e na opressão dos trabalhadores tudo fazem para autonomizarem a representação, da função pela qual ela é representação de outros. Assistimos então a uma manipulação da representação, de tal forma empreendida, que os representantes em vez de cuidarem da fidelidade àqueles que os escolheram para os representarem, constroem a representação como modelação retroactiva dos representados.
A representação pode então tornar-se um colossal embuste: os representantes escolhem e fabricam os conteúdos da representação; modelam e remodelam a vontade daqueles mesmos que os “escolheram” como seus representantes e que, nesse preciso momento, ficam sem efectiva representação.
A representação da realidade processa-se através de frases onde os verbos são dominantemente verbos de descrição. Entretanto esses textos, mais do que descrições de estados de coisas, são indicações de comportamentos e de gestos, de acções a serem desempenhadas pelos “parceiros” da comunicação.
“Os partidos são todos iguais”
Pode dizer-se que esta “fórmula”, embora parecendo corresponder à experiência real que os eleitores têm dos partidos burgueses e da mistificação que é a representação formal na democracia burguesa, é desviada desse terreno e é posta a funcionar fundamentalmente contra o PCP. Porque o PCP é o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue, pelas regras explícitas do seu funcionamento, o PCP deveria ser a opção eleitoral de inúmeros eleitores fartos de serem enganados pelos partidos em que têm votado. Entretanto a fórmula “são todos iguais” é usada particularmente por aqueles que, desesperados com o sistemático logro em que são levados a cair, não são ainda capazes de alterarem a sua opção de voto e votarem no PCP. A fórmula “são todos iguais” é assim uma espécie de seguro de vida para os partidos da política de direita que assim conseguem que os seus eleitores rigorosamente não vejam a diferença dos comunistas.
E porque lhe quis arranjar mais um poiso no ciberespaço, além da referência acima, deixo aqui também uma cópia.
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A ideologia burguesa é a ideologia da burguesia. Dizer isto não é uma banalidade sem consequências ou uma mera tautologia. É que uma das características básicas da ideologia burguesa consiste em recusar que seja uma ideologia e que seja referida a um sujeito social preciso, a burguesia. Assim, a maior parte das vezes, a ideologia burguesa tenta fazer-se passar por uma espécie de senso comum, ou por uma difusa doxa, uma espécie de “opinião pública” que atravessasse as fronteiras entre as diferentes classes. Todas essas formas de se considerar a si mesma, comportam gestos que visam recusar e dificultar a sua percepção como ideologia, ou seja, como um conjunto de representações, imagens do mundo e valores que exprimem os interesses e as necessidades de reprodução das condições de existência de uma determinada classe social.
Uma outra das suas características básicas que visa também dificultar a sua percepção como ideologia que representa os interesses, os desejos e os fantasmas de uma classe social, manifesta-se no seu carácter intensamente contraditório, flexível, destinado a adaptar-se a um número extensível de conjunturas e a diferentes funções-sujeito.
Sendo social e colectivamente produzida, a ideologia burguesa funciona como uma banca onde se vão buscar estruturas pré-fabricadas de sentidos que asseguram aos indivíduos uma estruturação e uma afirmação de si próprio como sujeito. Podemos dizer que o indivíduo abstracto burguês é um produto das relações de produção capitalistas e da ideologia burguesa que se apresenta como um pensamento que seria uma função de tal sujeito. Ou seja, a ideologia burguesa constitui um sujeito ilusoriamente criador de um pensamento, que é de facto fabricado algures. A essência agressiva da ideologia burguesa tem no seu coração o anticomunismo.
A grande Revolução Socialista de Outubro é a primeira revolução operária vencedora e constitui por isso a demonstração prática, e na história, da necessidade e da possibilidade da revolução. A necessidade da revolução de Outubro é a necessidade de resolver ou superar revolucionariamente o feixe de contradições que caracteriza qualquer sociedade capitalista. Por outro lado a possibilidade de uma tal revolução torna-se evidente e investigável face aos acontecimentos históricos que marcam a Comuna de Paris e que ligam essa experiência à da revolução de Outubro.
Marx e Engels utilizam a palavra ideologia em duas acepções: a restrita e a geral.” (João Vasco Fagundes, «Fragmentos sobre ideologia, de Vasco Magalhães-Vilhena: Alguns Tópicos para Reflexão, O Militante, nº 344, p.47).
“Aquilo que é criticado na ideologia dos jovens hegelianos, não é o poder de idealização, não é o caracter ideal das ideias, as ideias não são criticadas por serem ideias. Aquilo que é criticado nos jovens hegelianos, sobre a designação de ideologia, é o idealismo que comanda as suas concepções, é a autonomia absoluta que eles conferem às ideias, é a desconsideração da génese e do vínculo objectivo das ideias com a realidade e a prática social que a transforma; é, no fundo, a atribuição às ideias do estatuto de fundamento da realidade, levando a que as relações entre o ser social e consciência social surjam invertidas, assim como invertidas surgem a relações entre, por exemplo, base e superestrutura e entre valor e preço. (…)
Como afirma Vasco Magalhães-Vilhena: “ideológico” é penas uma outra palavra para idealista”. Vasco Magalhães-Vilhena, Fragmentos sobre a Ideologia (idem 36, p.50).
“Na sua acepção geral, a ideologia traduz, para Marx e para Engels, o conjunto das formas da consciência social, que se ergue sobre uma base social dada, o acervo das representações sociais, dos objectivos, desígnios, ideias, opiniões, e formas de sentir disponíveis, a cada momento na sociedade.
A este título, a categoria histórico-filosófica de ideologia significa concepção geral do mundo e da vida que, simultaneamente, reflete a marca social da sua origem, e projecta eixos de actuação prática sobre a realidade. (João Vasco Fagundes, idem, p.48-49)
A revolução de 1917, situando-se embora na continuidade da Comuna de Paris, implica alguns traços inovadores onde podemos ter em conta as diferenças entre essa tradição e o modo como deles se pode extrair a possibilidade efectiva da revolução.
O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo.
Porque o anticomunismo visa desacreditar a ideia de que uma revolução socialista é uma forma necessária e possível de resolver ou superar revolucionariamente o feixe de contradições que caracteriza qualquer sociedade capitalista.
A grande Revolução Socialista de Outubro é um acontecimento histórico que demonstra na prática a necessidade e a possibilidade dessa revolução. Situando-se no primeiro quartel do século XX, e sucedendo a uma série de insurreições operárias, em 1830, 1848 e 1871, passando pela experiência de 1905, na própria Rússia, a Revolução Socialista de Outubro estabelece uma linha de continuidade com aquelas rebeliões operárias nas quais introduz características inovadoras que certamente justificam o facto de esta ser a primeira revolução que vence.
Lenine propõe ao congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (bolchevique) de 1918, que o partido passe a designar-se Partido Comunista, homenageando assim os militantes operários da Comuna de Paris. Reclamando-se assim de uma continuidade com anteriores insurreições operárias, o Partido inscreve na sua adaptação programática alguns traços inovadores que poderão ter contribuído para a vitória da Revolução de Outubro.
O anticomunismo, enquanto arma fundamental da ideologia burguesa, indica a direcção e a orientação fundamental da sua estratégia de mistificação. Os seus diferentes temas visam assegurar a “invisibilidade” dos comunistas ou da alternativa comunista. Por isso, um dos eixos fundamentais do seu comportamento é o sistemático, prolongado e implacável silenciamento da sua voz, das suas propostas, da sua história, indiscernível da história, dos últimos 150 anos, em particular, dos povos. O mesmo se passa em Portugal.
O silenciamento do PCP é assumido por um discurso que atribui ao excluído a responsabilidade por aquilo que é assim apresentado como a sua autoexclusão. É o que o próprio PCP é, aquilo porque tem combatido e combate, que é a razão da sua (auto)exclusão. A exclusão do PCP é, por outro lado, “justificada” porque o PCP “está fechado à realidade”. A credibilização desta ideia passa por uma manipulação completa da realidade. Assim, o PCP não aparece na realidade portuguesa porque dela foi previamente retirado. A televisão não concede a palavra ao PCP, ignora iniciativas, grandes reuniões, debates de propostas para os problemas do país, lutas um pouco por todo o território nacional e em variadíssimos sectores da vida nacional, e depois conclui que o PCP está calado, não tem opinião ou a sua opinião não é visível. Nos debates sobre os grandes temas económicos, políticos e sociais, frequentemente não há comunistas. O argumento, que podem explicitar, ou deixar que as pessoas o infiram: é o de que não há comunistas que sejam especialistas dessa matéria, ou que tenham ideias interessantes sobre aquela outra matéria. Isto torna-se mais escandaloso quando o tema parece trazer consigo os comunistas, os trabalhadores, a sua luta. Suponhamos uma luta de empresa ou a luta num sector profissional. Se é demasiado escandaloso não convidar nenhum representante dos trabalhadores, da CGTP ou dos comunistas, a dificuldade pode ser contornada convidando a participar um elemento da UGT, mesmo que nada efectivamente represente nessa luta ou nesse sector de actividade, ou um especialista universitário de “sociologia do trabalho” que represente os interesses patronais.
A manipulação da realidade, a fabricação do consenso e a imposição da obediência
A televisão e os media em geral apresentam as medidas que o governo (seja ele um qualquer governo que conduza uma política de direita) vem tomando como inevitáveis. Esta é uma das características que identificam a política de direita: a inevitabilidade é uma espécie de deus ex maquina que governa a situação política, social e económica portuguesa. A tentativa de convencer dessa inevitabilidade representa uma activa imposição da obediência, baseada na generalização de um falso consenso, que é sobretudo a obtenção, pela violência psicossocial e pela aculturação, de uma disposição para o consentimento. Esse consenso manipulado que se visa impor é também a partilha de uma outra ideia que não precisa de ser explicitada para ficar a pairar suspensa, ao nível sub-consciente dos espectadores, mas sempre que necessário pronta a ser reactivada, segundo a qual o capitalismo é a realidade, a ordem natural das coisas; e a realidade é um dado intransponível, imóvel e intransformável, contra o qual nada se pode fazer. O PCP, ao não aceitar esta realidade que representaria o final da evolução histórica [houve história mas já não há – é o máximo de flexibilidade consentida] mostra assim estar fora da realidade.
A “realidade” é configurada pelos grandes meios audiovisuais de forma intensamente mistificadora. Desde os programas de informação ao conjunto da programação; tudo trabalha para impôr uma noção de realidade.
A realidade é algo de inteiramente visível: é algo que se vê completamente, no ecrã de televisão, que mostra o que se passa (presente), ou o que se passou, (passado) e se pode passar (futuro).
Telenovelas, noticiários, diversos tipos de talk-shows, concursos, documentários, séries, filmes, tudo se homogeneíza num discurso uniforme e absolutamente dominante, que absorve qualquer reparo crítico, que tende a impor modelos de reconhecimento da realidade e padrões de comportamentos aceitáveis.
Toda a descrição da realidade é, neste quadro, subordinada à definição de objectivos a alcançar, num determinado momento. Os reality-shows, por exemplo, não se limitam a pôr ou a “dar” em espectáculo aquilo que é a realidade, mas constroem modelos de comportamento susceptíveis de serem reconhecidos e adoptados. As sondagens mais do que diagnósticos de um estado da opinião são construções tendentes a induzir determinados resultados. Os programas de entretenimento potenciam o que já é conhecido quanto aos valores e desejos maioritários e tendem a torná-los ainda mais maioritários.
É conhecido o fenómeno da espectacularização do político e da aplicação da lógica da publicidade comercial à propaganda política. São os efeitos de expansão de dois dos grandes valores da ideologia burguesa, que reflectem duas tendências do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo: a mercadoria – a tendência para a mercantilização de todas as relações sociais e humanas; e o espectáculo - a tendência para a espectacularização de todas as esferas da vida humana.
Estes dois valores e tendências exprimem a imposição de dois modelos da organização burguesa do viver social: o mercado, que tende a substituir o diálogo e o confronto no espaço público e o espectáculo, que impõe a distância e promove uma satisfação ilusória dos desejos dos cidadãos reduzidos de participantes a espectadores.
A ideologia burguesa, jogando com estes dois valores, acaba por confundir o funcionamento do mercado capitalista com o funcionamento da democracia e este com o da representação.
São várias as formulações produzidas sobretudo na área das relações internacionais onde os representantes do imperialismo e das potências capitalistas identificam, numa confusão deliberada, as sociedades democráticas como “sociedades de livre mercado”. Essa confusão é tal que, para a ideologia burguesa dizer que as sociedades democráticas são sociedades de mercado e estas são necessariamente sociedades democráticas é rigorosamente equivalente, embora essa equivalência possa ser empiricamente refutada.
Uma idolatria da representação
Por outro lado, pode dizer-se que a ideologia burguesa é uma idolatria da representação. A sua concepção da democracia tende a esgotar-se no mecanismo de representação, que introduz ou supõe uma separação inultrapassável entre representantes e representados. Essa separação traduz-se numa forte desigualdade na participação e exercício do poder. A maioria da população só pode ser representada, ou seja, a sua participação no poder limita-se à escolha de quem serão os seus representantes. A pressão das divisões sociais procede a uma evidente (e, contudo, silenciosa) selecção social dos representantes. Assim, os trabalhadores tendem a ser representados por indivíduos com outras origens e situações de classe.
É claro que as sociedades baseadas na exploração do trabalho e na opressão dos trabalhadores tudo fazem para autonomizarem a representação, da função pela qual ela é representação de outros. Assistimos então a uma manipulação da representação, de tal forma empreendida, que os representantes em vez de cuidarem da fidelidade àqueles que os escolheram para os representarem, constroem a representação como modelação retroactiva dos representados.
A representação pode então tornar-se um colossal embuste: os representantes escolhem e fabricam os conteúdos da representação; modelam e remodelam a vontade daqueles mesmos que os “escolheram” como seus representantes e que, nesse preciso momento, ficam sem efectiva representação.
A representação da realidade processa-se através de frases onde os verbos são dominantemente verbos de descrição. Entretanto esses textos, mais do que descrições de estados de coisas, são indicações de comportamentos e de gestos, de acções a serem desempenhadas pelos “parceiros” da comunicação.
“Os partidos são todos iguais”
Pode dizer-se que esta “fórmula”, embora parecendo corresponder à experiência real que os eleitores têm dos partidos burgueses e da mistificação que é a representação formal na democracia burguesa, é desviada desse terreno e é posta a funcionar fundamentalmente contra o PCP. Porque o PCP é o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue, pelas regras explícitas do seu funcionamento, o PCP deveria ser a opção eleitoral de inúmeros eleitores fartos de serem enganados pelos partidos em que têm votado. Entretanto a fórmula “são todos iguais” é usada particularmente por aqueles que, desesperados com o sistemático logro em que são levados a cair, não são ainda capazes de alterarem a sua opção de voto e votarem no PCP. A fórmula “são todos iguais” é assim uma espécie de seguro de vida para os partidos da política de direita que assim conseguem que os seus eleitores rigorosamente não vejam a diferença dos comunistas.
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