A morte medicamente assistida a pedido do paciente «não obriga ninguém a morrer, tal como o aborto não obriga ninguém a abortar, o divórcio não obriga ninguém a divorciar-se e o casamento homossexual não obriga ninguém a casar-se com alguém do mesmo sexo. [...] Os direitos não são obrigações.»
Dito isto, e clarificada a minha posição de principio sobre o "meu" direito sobre a "minha" vida, nada obsta, muito pelo contrário, a que: 1. Se apresentem projetos de lei que superem as insuficiências dos existentes. 2. Se invista mais na saúde, na investigação e num sns de qualidade 3. Se invista mais e melhor em cuidados paliativos. 4. Se o que acima ficou escrito é motivo de preocupação, amarre-se por lei o "nosso" direito a «tomar nas nossas mãos os destinos das nossas vidas» ao digno financiamento e a uma gestão pública de um SNS livre de lucros.
Dito de forma mais abstrata: Exceptuando a ganância do capital, nada obsta a que a sociedade faça tudo o que entenda necessário para que eu não escolha usufruir do meu direito de acabar com a minha vida.
Para quem, como eu, veja na história da luta de classes a história da emancipação das forças produtivas a opção é sempre por mais e melhor liberdade, por mais e melhores direitos. O limite é sempre e só a liberdade dos outros.
A "minha" decisão sobre o momento da "minha" morte não é do foro da moral de terceiros.
Sobre o devoto e evangélico pedido de que se não mate, resta esclarecer que 1. Nenhum dos projectos de lei defende a morte de ninguém. 2. Todos eles pretendem legalizar o "meu" direito de "eu" me pronunciar sobre o momento em que "eu" queira pôr fim à "minha" vida e 3. Só pretendem que, não podendo "eu" fazê-lo pelos "meus" próprios meios e necessite de pedir a ajuda de terceiros, esses não sejam, como atualmente, acusados de assassinio por "me" ajudarem a "mim" a livrar-me do "meu" sofrimento.
Não vejo onde é que no meio de tanto "eu", "meu", "minha" alguém consegue meter a moral de terceiros.
Não se pretende que "ninguém" mate ninguém. Não se pretende que "ninguém" ajude ninguém a morrer contra a sua vontade e sem a sua consciente, lúcida e expressa vontade.
Tudo o que vos peço é que por instantes se deitem, fechem os olhos e não se movam. Imaginem-se imóveis por um dia, um mês, um ano, dois, dez, vinte ...
Serviu este escrito para introduzir uma série de textos, pró e contra os projetos de lei em discussão, nos quais reconheço argumentos válidos.
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
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2020/02/15
2018/05/30
Abriu-se a porta
Os quatro projetos postos à votação foram derrotados. É um facto. Um deles tangencialmente, é outro facto. Creio ser a primeira vez que uma matéria com o impacto da morte medicamente assistida foi posta à discussão, encontrou eco no parlamento para ser debatida e foi a votos, num espaço de tempo tão curto.
Todos sabemos que nada acabou ontem, muito pelo contrário. Ontem abriu-se a porta para um elefante que já tinha entrado na loja de cristais mas que alguns teimaram não ver. Estou certo que a matéria será a partir de ontem objeto de uma discussão alargada e crescentemente informada. Vamos fazer parte dela? Ou vamos sofrer os efeitos de um debate que, independentemente da relevância que lhe reconheçamos, vai fazer o seu caminho nos próximos anos?
Não tenciono, de todo, entrar no caminho da confrontação com os meus amigos e camaradas de sempre, com quem ainda tenho todo um caminho para fazer. Mas fica-me uma preocupação grande ao constatar a ligeireza com que, aos meus olhos, foi definida uma posição sobre uma questão que, todos nós podiamos antever, iria abrir um debate apaixonado entre as muitas e diversificadas esquerdas, com especial intensidade em redor de quem nos habituou a posições fundamentadas e bem ponderadas.
Recordo exemplos de debates sobre questões desta natureza organizados em redor de "grandes" conferências nacionais, conferências que acabavam por extravasar o debate e oferecer terreno bem mais sólido para tomar posições mais informadas e menos apaixonadas..
Espero desesperadamente não ver cair tal tradição.
O tema veio para ficar, a rapidez das transformações demográficas e da ofensiva da classe dominante já não nos dá os anos que precisariamos para debater e consolidar ideias. Tudo hoje é muito mais rápido. Ainda vamos a tempo de quebrar tabus e debater a sério uma questão que vai estar em cima da mesa até se encontrar uma solução consensual. Ou aceitamos o desafio, já que não soubemos liderá-lo, ou deixaremos que tudo se resolva sem o nosso contributo. Como é que vai ser?
Todos sabemos que nada acabou ontem, muito pelo contrário. Ontem abriu-se a porta para um elefante que já tinha entrado na loja de cristais mas que alguns teimaram não ver. Estou certo que a matéria será a partir de ontem objeto de uma discussão alargada e crescentemente informada. Vamos fazer parte dela? Ou vamos sofrer os efeitos de um debate que, independentemente da relevância que lhe reconheçamos, vai fazer o seu caminho nos próximos anos?
Não tenciono, de todo, entrar no caminho da confrontação com os meus amigos e camaradas de sempre, com quem ainda tenho todo um caminho para fazer. Mas fica-me uma preocupação grande ao constatar a ligeireza com que, aos meus olhos, foi definida uma posição sobre uma questão que, todos nós podiamos antever, iria abrir um debate apaixonado entre as muitas e diversificadas esquerdas, com especial intensidade em redor de quem nos habituou a posições fundamentadas e bem ponderadas.
Recordo exemplos de debates sobre questões desta natureza organizados em redor de "grandes" conferências nacionais, conferências que acabavam por extravasar o debate e oferecer terreno bem mais sólido para tomar posições mais informadas e menos apaixonadas..
Espero desesperadamente não ver cair tal tradição.
O tema veio para ficar, a rapidez das transformações demográficas e da ofensiva da classe dominante já não nos dá os anos que precisariamos para debater e consolidar ideias. Tudo hoje é muito mais rápido. Ainda vamos a tempo de quebrar tabus e debater a sério uma questão que vai estar em cima da mesa até se encontrar uma solução consensual. Ou aceitamos o desafio, já que não soubemos liderá-lo, ou deixaremos que tudo se resolva sem o nosso contributo. Como é que vai ser?
2018/05/26
Para uma Discussão da Legislação Sobre a Eutanásia
Enquanto antigo e empenhado partidário de uma liberdade plena, individual e socialmente inserida no primado coletivo, a que todos estamos eticamente obrigados, de fazer o melhor possível pelos restantes membros da sociedade ou, pelo menos, a abster-nos de lhes fazer mal, sou também, naturalmente favorável à prática da morte medicamente assistida, de quem, enquanto cidadão lúcido e adulto, manifeste expressamente a sua vontade para tal. Penso desta forma por entender que, ao recusar ajuda ao meu próximo na execução da sua vontade, que só nele tem impacto, estaria obviamente a cercear-lhe a liberdade e portanto a infligir-lhe um sofrimento por ele indesejado.
Neste quadro, parece-me especialmente interessante discutir a argumentação que o psiquiatra José Manuel Jara, enquanto franco opositor da eutanásia, publicou no AbrilAbril. E porque foi uma das poucas argumentações algo fundamentadas, interessa-me pensá-la com mais vagar tentando encontrar linhas de confluência e rebater pontos de discordância.
1. Não me parece correto pôr em oposição a legislação sobre a morte medicamente assistida (MMA) e a continua e persistente melhoria dos cuidados paliativos continuados (CPC's). Muito pelo contrário, a MMA é um último recurso para quem não se queira sujeitar a CPC's e não possa pôr fim à vida por meios próprios. Irei mesmo mais longe, a já existente legislação sobre o testamento vital resolve, quanto a mim, uma grande maioria dos potenciais casos, deixando de fora a liberdade individual de terminar a própria vida. Há assim a necessidade de complementar os CPC's com legislação sobre a MMA.
Aqui chegado, e parafraseando JM Jara, diria que toda a visão eutanasiófoba nega esta liberdade concreta da pessoa ao sobrevalorizar uma vontade externa ao individuo, baseada num direito mitificado de decidir sobre a vida e a morte de outrém com o beneplácito de uma religião multimilenar.
2. Já muito pelo contrário, concordo plenamente com a necessidade de suprir plenamente as insuficiências do nosso país em matéria de cuidados no fim de vida, investindo mais em recursos em cuidados paliativos, tanto institucionais como domiciliares, na eliminação das falhas de apoio social e médico para idosos e doentes, particularmente para os cidadãos mais desprotegidos, empobrecidos e isolados. E sim, é aqui que está o cerne da questão, mas não me compete a mim, nem a ninguém mais, decidir sobre a morte da minha companheira, pelo que importa legislar corretamente sobre a MMA.
Se pela sua experiência Jara entende que o desespero e a desesperança que levam ao suicídio, prenúncios de um pedido para «ser morto», são sintomas, quase sempre, de falhas assistenciais, importa legislar no sentido de suprir essas falhas e inibir esses casos. Impõe-se por isso legislar sobre a MMA por forma a definir cientificamente os aspetos técnicos e práticos, nada mais.
3. Também concordo que «a introdução de uma lei de eutanásia num país em que o processo não corresponde a uma necessidade palpável da sociedade, resulta em grande medida de um artefacto mediático de uma causa fraturante, [...], partidarizada e sobrepolitizada por via parlamentar.». Discordando já, plenamente, da acusação de fundamentação doutrinária, quanto a mim muito mais enraizada e ideologicamente encapotada na cultura religiosa dominante em que se baseia a divinização da vida por contraposição ao respeito pela vida.
4. Já sobre a restante argumentação pouco há a dizer. Contrapor o direito à vida constitucionalmente instituido com a ausência da morte como um direito lavrado nessa mesma constituição, não é argumento, é desespero em forma de oratória. Mas alguém imagina que, por lá não estar lavrado o direito à morte, alguém dela escapará? Apontar como potenciais eugenistas os partidários da MMA não passa de uma forma rebuscada de tentar esconder numa nuvem de fumo as incómodas companhias das igrejas, das direitas ultramontanas e das múmias vagais que, natural, religiosa e ideologicamente se me opoem do outro lado da barricada. Finalmente, momento baixo do argumentário, não posso deixar passar a indidiosa acusação sobre alegados "incidentes preocupantes" a que uma real argumentação teria obrigatoriamente de dar espaço e fundamento. Assim, como remoque de finalização, cheira a papão e lobo mau. @Refer&ncia
P.S: hoje 31 de Maio, caiu-me no facebroncas um artigo do público sobre «incidentes preocupantes». Seria a estes incidentes que JM Jara se referia?
Neste quadro, parece-me especialmente interessante discutir a argumentação que o psiquiatra José Manuel Jara, enquanto franco opositor da eutanásia, publicou no AbrilAbril. E porque foi uma das poucas argumentações algo fundamentadas, interessa-me pensá-la com mais vagar tentando encontrar linhas de confluência e rebater pontos de discordância.
1. Não me parece correto pôr em oposição a legislação sobre a morte medicamente assistida (MMA) e a continua e persistente melhoria dos cuidados paliativos continuados (CPC's). Muito pelo contrário, a MMA é um último recurso para quem não se queira sujeitar a CPC's e não possa pôr fim à vida por meios próprios. Irei mesmo mais longe, a já existente legislação sobre o testamento vital resolve, quanto a mim, uma grande maioria dos potenciais casos, deixando de fora a liberdade individual de terminar a própria vida. Há assim a necessidade de complementar os CPC's com legislação sobre a MMA.
Aqui chegado, e parafraseando JM Jara, diria que toda a visão eutanasiófoba nega esta liberdade concreta da pessoa ao sobrevalorizar uma vontade externa ao individuo, baseada num direito mitificado de decidir sobre a vida e a morte de outrém com o beneplácito de uma religião multimilenar.
2. Já muito pelo contrário, concordo plenamente com a necessidade de suprir plenamente as insuficiências do nosso país em matéria de cuidados no fim de vida, investindo mais em recursos em cuidados paliativos, tanto institucionais como domiciliares, na eliminação das falhas de apoio social e médico para idosos e doentes, particularmente para os cidadãos mais desprotegidos, empobrecidos e isolados. E sim, é aqui que está o cerne da questão, mas não me compete a mim, nem a ninguém mais, decidir sobre a morte da minha companheira, pelo que importa legislar corretamente sobre a MMA.
Se pela sua experiência Jara entende que o desespero e a desesperança que levam ao suicídio, prenúncios de um pedido para «ser morto», são sintomas, quase sempre, de falhas assistenciais, importa legislar no sentido de suprir essas falhas e inibir esses casos. Impõe-se por isso legislar sobre a MMA por forma a definir cientificamente os aspetos técnicos e práticos, nada mais.
3. Também concordo que «a introdução de uma lei de eutanásia num país em que o processo não corresponde a uma necessidade palpável da sociedade, resulta em grande medida de um artefacto mediático de uma causa fraturante, [...], partidarizada e sobrepolitizada por via parlamentar.». Discordando já, plenamente, da acusação de fundamentação doutrinária, quanto a mim muito mais enraizada e ideologicamente encapotada na cultura religiosa dominante em que se baseia a divinização da vida por contraposição ao respeito pela vida.
4. Já sobre a restante argumentação pouco há a dizer. Contrapor o direito à vida constitucionalmente instituido com a ausência da morte como um direito lavrado nessa mesma constituição, não é argumento, é desespero em forma de oratória. Mas alguém imagina que, por lá não estar lavrado o direito à morte, alguém dela escapará? Apontar como potenciais eugenistas os partidários da MMA não passa de uma forma rebuscada de tentar esconder numa nuvem de fumo as incómodas companhias das igrejas, das direitas ultramontanas e das múmias vagais que, natural, religiosa e ideologicamente se me opoem do outro lado da barricada. Finalmente, momento baixo do argumentário, não posso deixar passar a indidiosa acusação sobre alegados "incidentes preocupantes" a que uma real argumentação teria obrigatoriamente de dar espaço e fundamento. Assim, como remoque de finalização, cheira a papão e lobo mau. @Refer&ncia
P.S: hoje 31 de Maio, caiu-me no facebroncas um artigo do público sobre «incidentes preocupantes». Seria a estes incidentes que JM Jara se referia?
Eutanásia? Sim! Porquê?
Porque a múmia é contra.
Se alguma dúvida ainda tivesse, que há muito não tenho, bastaria para me dar descanso olhar para o cortejo de inimigos de classe muito preocupados com o reino de terror e pecado que se seguiriam à aprovação de legislação sobre a morte medicamente assistida. A Cristas não espanta, assim como não é de admirar toda a obra de deus, da familia eanes aos pobres numerários, mas quando até a múmia sai do sarcófago para bradar que é pecado fico com a certeza de estar mais uma vez do lado certo da barricada. @Refer&ncia
Sem Titulo
(Uma Página de Uma Rede Social, 2018/05/25)
"É pecado." Bastava que o Prof. Doutor Cavaco Silva, a malta do CDS e seus acólitos dissessem isso, quando falam sobre eutanásia. Não é pela falta de investimento em cuidados de saúde, nomeadamente em cuidados paliativos, que a direita conservadora se opõe à eutanásia - até porque a direita foi e ainda é contra o SNS universal e tendencialmente gratuito. Se dependesse da direita, os cuidados paliativos de boa qualidade só estariam disponíveis para ricos.
Se alguma dúvida ainda tivesse, que há muito não tenho, bastaria para me dar descanso olhar para o cortejo de inimigos de classe muito preocupados com o reino de terror e pecado que se seguiriam à aprovação de legislação sobre a morte medicamente assistida. A Cristas não espanta, assim como não é de admirar toda a obra de deus, da familia eanes aos pobres numerários, mas quando até a múmia sai do sarcófago para bradar que é pecado fico com a certeza de estar mais uma vez do lado certo da barricada. @Refer&ncia
Sem Titulo
(Uma Página de Uma Rede Social, 2018/05/25)
"É pecado." Bastava que o Prof. Doutor Cavaco Silva, a malta do CDS e seus acólitos dissessem isso, quando falam sobre eutanásia. Não é pela falta de investimento em cuidados de saúde, nomeadamente em cuidados paliativos, que a direita conservadora se opõe à eutanásia - até porque a direita foi e ainda é contra o SNS universal e tendencialmente gratuito. Se dependesse da direita, os cuidados paliativos de boa qualidade só estariam disponíveis para ricos.
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