Interessante como o texto do Ricardo Paes Mamede leva um comentador a efabular sobre pós-modernismos e pós-histórias, desmentidos pela realidade contemporânea, onde eu vejo um marxista a explicar que o papel do estado na sociedade é o critério fundamental que destingue a direita da esquerda.
Marx e Engels foram só os primeiros a ver no estado "O" aparelho repressivo ao serviço da classe dominante. É assim, quando surge, durante o esclavagismo, na sua evolução monárquica do feudalismo e na contemporaneidade do capitalismo e do imperialismo. De acordo com as predições desse modelo explicativo-interventivo continuará a sê-lo durante a democracia do proletariado para reprimir O Capital (tem-se verificado em todas as revoluções e exceptuando o caso de Cuba, mostrado ineficiente nesse papel) até se extinguir ele próprio por evolução para uma superestrutura de gestão numa sociedade sem propriedade privada de meios de produção, fase nunca atingida até porque as zonas geográficas "revolucionadas", maiores ou menores, tiveram e têm de lutar para se defenderem de intensíssimas guerras de agressão por parte do capitalismo hegemónico e portanto não podem prescindir de um estado repressivo.(1)
A direita, porque defensora do capital, da "sua" propriedade privada e da liberdade para maximizar a exploração de quem não possui meios de produção (2) é sempre favorável a um estado repressivo forte na imposição da exploração e fraco na repressão dos desmandos da classe dominante. Independentemente do que propagandeie, prometa ou queira fazer de conta que defende, vai agir sempre no sentido de reforçar o estado de classe repressivo e limitar-lhe a capacidade de distribuir com justiça a riqueza socialmente criada.
A esquerda, enquanto defensora dos que não possuem meios de produção, vai pugnar sempre por um estado que garanta amplas liberdades para a maioria (os que não possuem meios de produção) e reprima os desmandos de quem de facto detém o poder: os proprietários dos meios de produção.(3)
Este é o principal critério para perceber onde andam a esquerda e a direita. As restantes modas, identitárias, culturais, "fracturantes" não passam disso mesmo, de modas a que o facto de a esquerda defender os interesses da maioria (de explorados) e portanto a mudança da ordem vigente, e a direita defender os interesses da minoria (de exploradores) e portanto a manutenção do "estado da coisa", empurram naturalmente para os lado da mudança em detrimento do lado da manutenção, para a esquerda em detrimento da direita, os que pugnam por mudanças na "ordem da coisa".
Afinal o lema da refer&ncia é o critério diferenciador: a esquerda está com o trabalho e a direita com o capital ;-)
A esquerda, a direita e o Estado
(Ricardo Paes Mamede, DN, 2020/01/28)
É um equívoco comum: a ideia de que esquerda e direita se distinguem pelo desejo de mais ou menos Estado. Há esquerda e direita estatizante, como há esquerda e direita libertária. Há direita que se afirma liberal e nada faz (ou pretende fazer) para reduzir a dimensão do Estado, como há esquerda que se diz socialista e contribui activamente para a redução do espaço da intervenção pública. A questão não é apenas conceptual, influencia muitas das opções políticas que são tomadas todos os dias.
Vale a pena lembrar que o Estado contemporâneo é indissociável da emergência e do desenvolvimento do capitalismo. Neste processo, o papel do Estado foi duplamente repressivo: proteger a propriedade privada, não apenas contra os bandidos mas também contra aqueles que se opunham à acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos; e submeter pela força outros países e povos, para permitir a expansão do poder económico além-fronteiras.