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2020/07/29

Cultura e Luta de Classes

Imperialismo & imperialismos, SA

(Manuel Augusto Araújo, AbrilAbril, 2020/07/27)

Nos tempos actuais há uma evidente preponderância do capitalismo neoliberal cujo foco principal é a financeirização da economia e a adopção de políticas que visam reduzir os custos do factor trabalho, sejam quais forem as consequências sociais e económicas dessas políticas que precarizam o trabalho, atacam os direitos dos trabalhadores, fragmentam e proletarizam a força de trabalho, ainda que muitos não reconheçam a proletarização a que estão sujeitos.

Para impor e consolidar essa nova ordem, que se começa a definir a partir dos finais dos anos 60, é tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como o controle dos meios de comunicação social que preparam e justificam as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos proporcionados pelas redes informáticas, e a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas com dois grandes objectivos: um económico, pela captura pelos mercados dos bens culturais e pela concentração das indústrias culturais e criativas; outro político-social impondo a hegemonia da cultura anglo-saxónica pela exportação massiva dos seus produtos de entretenimento, tratando a cultura como uma campanha publicitária. Uma situação em que Adorno surge como um quase profeta quando, em 1944, com Horkheimer(1), define a indústria cultural como um sistema político e económico que tem por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros, música popular, programas de televisão, etc. – como mercadorias, com uma estratégia de controlo social modelando as consciências das massas populares.

Essa tendência torna-se mais evidente quando o Estado-nação vai progressivamente renunciando à sua soberania e se alarga a superfície global onde se dissolve o território, a língua e a identidade cultural, tornados conceitos móveis e transitivos. Acelera-se com o fim da equivalência do dólar-ouro e a primeira grande crise do petróleo em 1973, impõe-se nos anos 80 com as novas tecnologias.

2018/04/07

Sobre a Nossa Cultura

Cultura - Encosta Acima, Imitando Sísifo
(Manuel Rocha, Diário As Beiras, 2018/04/07)

Se as decisões da DGArtes fossem leis divinas, Coimbra estaria condenada a quase não dispor de estruturas profissionais de criação artística. E se os membros dos júris nomeados pelo Ministério da Cultura fossem deuses, saberíamos já quais os sons, palavras e cores estariam autorizados, ou não, a habitar o mundo e as vidas dos mortais - criadores e público. Mas não. A criação artística nunca é só assunto dos artistas, do mesmo modo que as governações nunca são só a vontade dos governantes. Por isso vimos assistindo nestes dias ao protesto justo de artistas, agentes culturais, trabalhadores do sector da Cultura e públicos, num brado tal que o governo vem anunciando, a conta-gotas, o aumento de verbas destinadas ao apoio à Cultura. Como se de uma ópera bufa se tratasse, um criativo secretário de Estado vem escrevendo nos anais das políticas governativas um libreto delirante, entrando e saindo de cena de acordo com as exigências do enredo, nomeando júris, somando “roadshows” em que a arrogância governativa se mascara de diálogo.

Argumentação de um Homem em Prol da Cultura

Sem Titulo
(Manuel Rocha in facebook, 2018/04/07)

Cara [..]: Não há nos seres da Natureza um que não cuide da nutrição ou do abrigo. A mais inofensiva das plantas que não reúna estes requisitos de existência não tem como não falecer.

Com os humanos acontece o mesmo, mas, sabe-se lá por que razão, sempre a sua deriva no mundo foi acompanhada da representação do que existe, seja realidade seja sonho. E a isso chamou Cultura, que é o grande chapéu em que se abriga a sua natureza humana e o rasto que dela desprende, e a Arte, que é um seu operacionalizador.

A Cultura não está antes nem depois do pão. E às vezes é, ela mesma, o mais essencial dos pães. Olivier Messiaen era um grande compositor francês que, no decorrer da II Grande Guerra, foi feito prisioneiro pelos nazis e internado no campo de concentração de Görlitz. Saberá que o pão não era, ali, abundante. Mas nem por isso Messiaen renunciou à sua maior prioridade: compor o Quarteto Para o Fim dos Tempos, que nós herdámos como testemunho maior da dignidade em tempos de ignomínia.

Não seguiu Messiaen o seu conselho, [...]. A luta dele pelo pão não era dissociável da necessidade de permanecer humano, muito para além do exemplo da planta que estende raízes à procura de nutrientes. Para ele e para os seus companheiros de cativeiro, a estreia da sua obra no rigor do gelo do inverno polaco terá sido o maior pão, o mais essencial abrigo.

Repare que, para lhe responder, nem lhe vim falar das prioridades governativas que põem os banqueiros em primeiro lugar (muito antes do pão dos concidadãos dos governantes); nem das prioridades da "Europa", que nos suga a existência em equilíbrios que nunca o chegam a ser, porque nos levam o pão, a casa e a Cultura; nem do chumbo das leis laborais, precisadas de ser pão, casa e tempo para a família. E nem sequer lhe vim dizer que os trabalhadores da Cultura, e os seus filhos crianças, também têm direito ao pão e à casa que a Ana Beatriz entende poderem ser-lhes negados. Vim apenas chamar-lhe a atenção para a sua própria natureza e para o insulto que as suas declarações constituem, a si própria e aos seus, calhando ter um filho ou um neto que um dia pegou num lápis e desenhou o seu retrato, com amor e empenho estético.

O que mais me custa é que a marcha do mundo também dependa de quem levou demasiado a sério a macabra História da Cigarra e da Formiga. Cumprimentos.