Vamos ver se arranjamos aqui espaço para alguns dos textos que merecem ser preservados para futura Refer&ncia
(Raquel Varela, FaceBook 04/09/2025)
Aprendi com os meus colegas nos estudos sobre as condições de trabalho muito, hoje destaco três coisas: não existem "erros humanos"; e "acidentes" são raros. E vivemos uma gigante mentira liberal, a da "qualidade total" e a "certificação" - é tudo uma despudorada mentira, feita com base em estatísticas e inquéritos sem validade científica, os mesmo que a IA e o algoritmo usam...Por isso as lágrimas de Moedas creio-as desprezíveis. Lamento cada uma das vítimas e suas famílias.
Há 20 anos que trabalho com uma equipa multidisciplinar no OObservatório para as Condições de Vida - OCV onde realizámos estudos envolvendo situações de risco, em que no conjunto responderam mais de 40 mil trabalhadores a mais de 160 questões, com grupos focais (dos portos, CP, TAP, Metro, professores, enfermeiros, jornalistas e muitos outros). Somos quase 20, de áreas muito distintas (da sociologia à psicologia, da Engenharia à medicina, da segurança no trabalho ao direito, da história à teoria literária, e outros).
O erro é a forma natural do trabalho porque aquilo que nos faz trabalhar bem (fazer sem pensar, porque o nosso corpo sabe o que faz, treinou, registou) é o mesmo que nos faz errar. Ninguém pode dar uma aula ou apertar um parafuso se pensar a cada segundo o que faz, e é por isso que erra. Ninguém conduz a pensar a cada segundo. Interioriza os procedimentos. Por isso existem mecanismos de redundância, organização cooperativa, descanso, sono tranquilo, apoio dos mais velhos que sabem mais, felicidade, tudo isso não evita o erro, mas está lá, a ampará-lo quando ele se dá.
A segunda coisa que aprendi no meu querido OObservatório para as Condições de Vida - OCV com os meus colegas da literatura (talvez o único lugar em Portugal em que estão junto de engenheiros) é que as palavras têm vida. Não há "acidente" algum neste caso. Há, confirmando-se o que se avançou sobre a manutenção, incúria, crime, descaso, e sem que se comece, como em França, a condenar com prisão efectiva os dirigentes políticos e gestores que tomam estas decisões, nada mudará.
A subcontratação precária, insegurança no emprego, salários baixos, horários de trabalho doentios (que o Governo quer aumentar com novos esquemas), e aumentar, carregar, pressionar, é isso que fazem as direcções. Ameaçam. E despacham os mais velhos, que mais sabem, com rescisões amigáveis à força, quebram as equipas, pressionam ainda mais quem está com o trabalho real nas mãos e diz (ou sequer diz com medo), "as peças estão estragadas", "os alunos não estão a aprender", "os doentes não estão a ser tratados". Se tudo se confirmar não há acidente, há homicídio por negligência ou outra moldura penal qualquer. Como houve nas passagens de nível onde morrem e ficam feridas dezenas de pessoas, como em Tunes (5 jovens holandeses, entre muitos outros), depois do Sindicato avisar vezes sem conta dos lugares de morte na linha férrea. Como há nas estradas, entre motoristas ou passageiros, uma guerra civil, de centenas todos os anos, já normalizada como "mais um acidente"; como há nas fábricas e logística, mais de 100 mortos todos os anos, dados como apenas mais um "acidente" de trabalho. Como há quando no Metro do Porto na manutenção avisam que trabalham sem os mínimos. E no de Lisboa lutam para não haver manobras que levem a abrir portas do Metro do lado errado da linha. Tudo isto publicámos em estudos. É conhecido.
São este sectores, os serviços públicos e de transportes, os últimos que não têm medo de fazer greve (porque nas pequenas empresas privadas todos têm medo), que o Governo quer atacar colocando em causa do direito de greve por melhores condições de trabalho.
Lisboa não está de luto, Lisboa não é uma marca, quem está de luto é a família do guarda-freio, são as famílias dos que morreram. Foi a água contaminada, o apagão, os fogos e a destruição de casas e vidas, os ataques cardíacos sem assistência, as grávidas e bebés mortos, com urgências fechadas, nada disto são acidentes, isto é o colapso do país das "contas certas".
Isto é a política da UE que diz que contratar funcionários públicos é um gasto, mas pagar a banqueiros é uma obrigação. Isto é a política obscena militar que diz que a guerra "é um investimento que cria emprego". Isto é um Estado que em vez de nos proteger - para quem alguma vez acreditou em tal - passou a ser uma ameaça às nossas vidas. Este Estado não é num acidente, é uma tragédia. Em que os responsáveis não estão na fila do hospital, nunca ligaram para um serviço que não atende, têm o telemóvel do seu médico amigo, não fazem ideia do que é apanhar um comboio, andam de jacto privado, têm os filhos em colégios de 20 mil euros ano. Nós ficamos com as tragédias, eles com o lucro. É o mesmo Estado que diz aos sindicatos "não façam política". Quando a única coisa que há a fazer para nos salvarmos é Política. É todos nos organizarmos e agirmos e defender a causa pública, com greves, manifestações, acções concretas. E os sindicatos fazerem Política, sem medo da palavra, não a deixando aos políticos profissionais, mostrando a realidade, lutando por outro país. Ou isso ou ficar a ouvir discursos de políticos que nos dizem "não se metam que isso é político".
(Tiago Franco, FaceBook, 2025/09/04)
SEM GLÓRIA - parte 2
Escrevo poucas horas depois do trágico acidente no elevador da Glória. Já absolutamente entupido com as horas de diretos televisivos, destinados a transformar a dor em audiência, e com jornalistas, em esforço, a fazer o possível para encher reportagens sem informação. Aqui, como em qualquer tragédia em Portugal, uma palavra de destaque para a RTP, que é o único meio de comunicação social que, aparentemente, se preocupa em transmitir algo útil para informar quem os ouve, em vez de se multiplicarem em diretos sensationalistas sem qualquer interesse informativo.
A pergunta mais repetida é "o que falhou" e até Marcelo, o presidente omnipresente nas tragédias, já a fez. Pediu um rápido esclarecimento por parte das autoridades, e algo me diz que essa celeridade terá que esperar um pouco. Mais não fosse pelo fim das autárquicas.
Sendo a Carris a empresa responsável pelo elevador e, por sua vez, a Câmara de Lisboa a entidade controladora, não há grande volta a dar na procura do responsável político. Carlos Moedas estará debaixo de fogo, mas, como já se percebeu nas primeiras declarações, alguém pagará por ele. Era o que faltava: o edil de Lisboa, responsável pela prestação do serviço de transporte, arcar com as consequências políticas do pior acidente de que há memória no último século, na autarquia que preside. Era, de facto, o que faltava!
Amontoam-se as teorias sobre cabos e manutenções, muito ruído e especulação que, para já, disfarça o silêncio e a tentativa de fuga dos verdadeiros responsáveis. Os habituais abutres da direita começaram por atacar a Carris e a sua gestão pública, até perceberem que, só para chatear, a manutenção estava entregue a uma empresa privada, sob o protesto veemente dos trabalhadores da Carris. Trabalhadores esses que, já agora, alertavam há muito tempo para as falhas de manutenção e de conhecimento da empresa prestadora de serviços, defendendo que essa tarefa deveria voltar para os quadros da Carris.
Em 2024, o deputado municipal (BE), Ricardo Moreira, alertava para um corte de 4 milhões de euros na Carris, destinados ao Web Summit, esse evento tão crucial para a população de Lisboa. O jornal Página UM denuncia hoje que a CML tinha deixado caducar os contratos de manutenção por não ter recebido propostas dentro dos valores considerados razoáveis pela autarquia. Ou seja, Moedas cortou financiamento à Carris para entregá-lo a Paddy Cosgrave, retirou a manutenção de quem a sabia fazer para entregá-la a empresas privadas e, no final, nem com elas ficou porque não gostou do preço. Meus amigos... isto são escolhas políticas. E, como neste caso foram comprovadamente más, não é necessário pensar muito ou dar muitas voltas para encontrar o principal culpado.
Lisboa é notícia na imprensa mundial pelas piores razões. Uma vergonha que caiu sobre a cidade durante a pior e mais incompetente liderança que a capital portuguesa já conheceu. Uma cidade transformada num parque de diversões, onde os locais, empurrados para a periferia, já não conseguem viver e suportar o custo de vida. Uma cidade absolutamente voltada para os habitantes temporários, o turismo, os visitantes de uma realidade que já não é local. E uma cidade que, mesmo assim, nem consegue garantir que quem nos visita desça uma pequena colina sem morrer.
Há acidentes que a natureza nos oferece e sobre os quais não temos qualquer poder. Não é o caso deste. Os trabalhadores públicos, tantas vezes desprezados, deram o alerta. Os sindicatos, tantas vezes ignorados, avisaram dos perigos. A oposição política de esquerda tentou, sem sucesso, convencer o "rei sol". Mas Moedas, no seu gabinete, preocupado com paquistaneses e comemorações do 25 de Novembro, não os ouviu.
Fosse Carlos Moedas digno do cargo que ocupa e estaria, neste momento, a ler a sua carta de despedimento. Mas, como não é, e esse, tal como a responsabilidade desta tragédia, é um facto que não deixa margem para dúvidas, veremos o anasalado edil de Lisboa a prosseguir na fuga para a frente. Pessoalmente, e tendo em conta o panorama político atual, ainda espero ver Ventura, no TikTok, vestido de Homem-Aranha, a segurar o elétrico com uma teia, e Mariana Leitão, de megafone nos Restauradores, a exigir a privatização da Carris.
O meu lamento, envergonhado, é para quem escolheu visitar Lisboa e já não regressou a casa.
Ps - texto escrito, inicialmente, para um jornal online
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
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2025/03/18
Sebastião, O Mouro de Bruxelas
Sebastião, O Mouro de Bruxelas
(Tiago Franco, Facebroncas,2025/03/17)

Sou um grande admirador da coragem de Sebastião Bugalho. Assim de repente pensarão que estou a brincar mas não, até porque raramente brinco com assuntos de estado. O Sebastião faz-me lembrar aquele cantor que anima as manhãs do Goucha ou do Baião. Da convicção que mete no que faz, na verdadeira festa que tenta trazer enquanto está em cima de um atrelado, a bater palmas ao playback e a animar umas velhinhas ali, no jardim municipal do Crato, e em casa, já acamadas e sem braços fortes que as façam chegar ao comando da televisão.
Não é bem o disparate sem sentido mas sim a forma decidida com que ele é dito ou feito que, verdadeiramente, me apaixona. Em tempos tive um colega assim. Falava alto, não sorria, dizia tudo com uma certeza que convencia logo pela entoação. Maior parte das vezes atirava ao lado mas a pose de estado não deixava espaço para questões.
O Sebastião é dessa cepa. Daquela gente que acredita muito naquilo que diz e raramente tem dúvidas. Afirmar, aos 29 anos e num país de trabalhadores tendencialmente pobres, que se fartou de trabalhar, é um acto arriscado. Para não dizer estúpido.
Em tempos que já lá vão, o amigo Bugalho tinha um CV todo porreiro no linkedin. Entretanto, provando que é de facto um rapaz esperto, apagou-o (pelo menos eu já não o consigo ver) para precaver males maiores.
O Sebastão comecou a escrever artigos de opinião no "I" enquanto fazia uma licenciatura na Católica. Foi esta a sua entrada no mercado de trabalho aos 19 anos. Diz, Vitor Raínho, o director do "I" nessa altura:
"O então diretor do jornal, Vítor Rainho, confirma ao Observador que Bugalho começou por escrever artigos de opinião que começou a enviar-lhe e, mais tarde, acabou por estagiar no jornal: “Na altura em que ele mandava textos de opinião não sabia que era filho da Patrícia [Reis, que tinha trabalhado com Vítor Rainho no passado]. Um dia ela ligou-me a pedir para ele estagiar no jornal para ver se se desencantava com o jornalismo".
Maior parte das pessoas que concorrem a empregos mandam CVs, preenchem formulários, esperam por respostas que, não raras vezes, não aparecem. O Sebastião, que se fartou de trabalhar, entrou nos jornais com um telefonema da mãe.
Não vou fazer o papel hipócrita de desprezar as cunhas e muito menos as ajudas que um pai ou uma mãe possam dar a um filho. Tenho sobre isso uma opinião baseada naquilo que a vida me ensinou. Nunca tive uma cunha para absolutamente nada e, por variadíssimas vezes, escolhi o caminho mais demorado e tortuoso para as evitar. Isso teve um preço que hoje não sei se valeu a pena pagar. Portanto, se a mãe o ajudou e a rede de contactos dos pais o empurraram precocemente, entre o CDS e os jornais, pois tudo bem. O rapaz aproveitou as oportunidades, vestiu um fato, aprumou o discurso de velho do restelo e fez-se à vida.
A culpa de estar em Bruxelas não é dele, é vossa que votam em gente desta.
Agora...há que assumir. É apenas isso. Nada de conversas de proletariado e tal. É que isso enerva, Sebastião. Gente com muito mais talento do que os Bugalhos desta vida nunca chegam sequer a ter uma oportunidade que não seja em forma de um recibo verde. É por respeito a essa gente que o Bugalho, agora eurodeputado com um salário que 97% dos portugueses nunca viram, deve dizer menos disparates e viver o privilégio que lhe foi concedido com alguma discrição. Não é preciso ter vergonha do berço, basta que não se tente passar por aquilo que nunca foi.
Quando o Sebastião mostra a sede de poder e a miragem de um dia chegar a primeiro-ministro (algo em que acredito, sinceramente), fá-lo com um anúncio solene cheio de nada. "Entrevistei 5 primeiros-ministros e por isso sei o que devem ter e o que não devem ter os responsáveis do cargo". É uma frase ao nível de "já vi 300 desempates por penaltis, sei que uma baliza tem 7 metros e nenhum homem chega a 3 metros, logo, matematicamente, sei bem como bater um penalti à malha lateral e nunca falhar".
Quando nos diz que sabe perfeitamente quem apoiar para esse cargo (Montenegro) está, no fundo, a explicar que tal como no seu exemplo, o "fartar de trabalhar" nos corredores dos favores e na dependência dos partidos, é o "que devem ter" os homens e mulheres que, neste país, querem chegar a um cargo relevante de decisão política.
Nunca me incomodou que o Sebastião fosse um deputado em tenra idade. Aliás, acho isso uma enorme vantagem para a vida no parlamento europeu. O que sempre me preocupou foi ver aquele rapaz, num corpo novo com o discurso bafiento de outros tempos. E perceber que alguém que, durante meses e anos, fez fretes ao PSD no comentariado, acabou por ser recompensado. Alegadamente, claro. Pode ter sido apenas coincidência. Notem ainda na rapidez com que ele percebeu que nem CDS, e muito menos Chega, o colocariam onde ele queria estar.
Sebastião é mais um, entre uma enorme linhagem de privilegiados, que entram nos corredores da política pela porta grande. Que conseguem empregos com telefonemas, que nasceram perto de gente que conhece gente, que aliam um discurso fluente a uma gritante falta de princípios. Que mudam as convicções consoante o programa que, entendam, são essencialmente eles próprios e as suas ambições. Não há nada que Sebastião possa ou queira fazer por quem nele votou. Daqui a 20 anos terá um CV cheio de nomeações e saltos entre cargos do partido.
Percebo a narrativa, percebo que queira dar a imagem de um homem que subiu a pulso, percebo que se queira mostrar como um de nós. Mas como nada disso é verdade e como, ele próprio perceberá, a realidade política portuguesa já está sobrecarregada de mentiras e disparates, porque não se remete apenas ao silêncio enquanto vai tecendo as linhas do próximo salto?
Trabalha menos Sebastião.
(Tiago Franco, Facebroncas,2025/03/17)

Sou um grande admirador da coragem de Sebastião Bugalho. Assim de repente pensarão que estou a brincar mas não, até porque raramente brinco com assuntos de estado. O Sebastião faz-me lembrar aquele cantor que anima as manhãs do Goucha ou do Baião. Da convicção que mete no que faz, na verdadeira festa que tenta trazer enquanto está em cima de um atrelado, a bater palmas ao playback e a animar umas velhinhas ali, no jardim municipal do Crato, e em casa, já acamadas e sem braços fortes que as façam chegar ao comando da televisão.
Não é bem o disparate sem sentido mas sim a forma decidida com que ele é dito ou feito que, verdadeiramente, me apaixona. Em tempos tive um colega assim. Falava alto, não sorria, dizia tudo com uma certeza que convencia logo pela entoação. Maior parte das vezes atirava ao lado mas a pose de estado não deixava espaço para questões.
O Sebastião é dessa cepa. Daquela gente que acredita muito naquilo que diz e raramente tem dúvidas. Afirmar, aos 29 anos e num país de trabalhadores tendencialmente pobres, que se fartou de trabalhar, é um acto arriscado. Para não dizer estúpido.
Em tempos que já lá vão, o amigo Bugalho tinha um CV todo porreiro no linkedin. Entretanto, provando que é de facto um rapaz esperto, apagou-o (pelo menos eu já não o consigo ver) para precaver males maiores.
O Sebastão comecou a escrever artigos de opinião no "I" enquanto fazia uma licenciatura na Católica. Foi esta a sua entrada no mercado de trabalho aos 19 anos. Diz, Vitor Raínho, o director do "I" nessa altura:
"O então diretor do jornal, Vítor Rainho, confirma ao Observador que Bugalho começou por escrever artigos de opinião que começou a enviar-lhe e, mais tarde, acabou por estagiar no jornal: “Na altura em que ele mandava textos de opinião não sabia que era filho da Patrícia [Reis, que tinha trabalhado com Vítor Rainho no passado]. Um dia ela ligou-me a pedir para ele estagiar no jornal para ver se se desencantava com o jornalismo".
Maior parte das pessoas que concorrem a empregos mandam CVs, preenchem formulários, esperam por respostas que, não raras vezes, não aparecem. O Sebastião, que se fartou de trabalhar, entrou nos jornais com um telefonema da mãe.
Não vou fazer o papel hipócrita de desprezar as cunhas e muito menos as ajudas que um pai ou uma mãe possam dar a um filho. Tenho sobre isso uma opinião baseada naquilo que a vida me ensinou. Nunca tive uma cunha para absolutamente nada e, por variadíssimas vezes, escolhi o caminho mais demorado e tortuoso para as evitar. Isso teve um preço que hoje não sei se valeu a pena pagar. Portanto, se a mãe o ajudou e a rede de contactos dos pais o empurraram precocemente, entre o CDS e os jornais, pois tudo bem. O rapaz aproveitou as oportunidades, vestiu um fato, aprumou o discurso de velho do restelo e fez-se à vida.
A culpa de estar em Bruxelas não é dele, é vossa que votam em gente desta.
Agora...há que assumir. É apenas isso. Nada de conversas de proletariado e tal. É que isso enerva, Sebastião. Gente com muito mais talento do que os Bugalhos desta vida nunca chegam sequer a ter uma oportunidade que não seja em forma de um recibo verde. É por respeito a essa gente que o Bugalho, agora eurodeputado com um salário que 97% dos portugueses nunca viram, deve dizer menos disparates e viver o privilégio que lhe foi concedido com alguma discrição. Não é preciso ter vergonha do berço, basta que não se tente passar por aquilo que nunca foi.
Quando o Sebastião mostra a sede de poder e a miragem de um dia chegar a primeiro-ministro (algo em que acredito, sinceramente), fá-lo com um anúncio solene cheio de nada. "Entrevistei 5 primeiros-ministros e por isso sei o que devem ter e o que não devem ter os responsáveis do cargo". É uma frase ao nível de "já vi 300 desempates por penaltis, sei que uma baliza tem 7 metros e nenhum homem chega a 3 metros, logo, matematicamente, sei bem como bater um penalti à malha lateral e nunca falhar".
Quando nos diz que sabe perfeitamente quem apoiar para esse cargo (Montenegro) está, no fundo, a explicar que tal como no seu exemplo, o "fartar de trabalhar" nos corredores dos favores e na dependência dos partidos, é o "que devem ter" os homens e mulheres que, neste país, querem chegar a um cargo relevante de decisão política.
Nunca me incomodou que o Sebastião fosse um deputado em tenra idade. Aliás, acho isso uma enorme vantagem para a vida no parlamento europeu. O que sempre me preocupou foi ver aquele rapaz, num corpo novo com o discurso bafiento de outros tempos. E perceber que alguém que, durante meses e anos, fez fretes ao PSD no comentariado, acabou por ser recompensado. Alegadamente, claro. Pode ter sido apenas coincidência. Notem ainda na rapidez com que ele percebeu que nem CDS, e muito menos Chega, o colocariam onde ele queria estar.
Sebastião é mais um, entre uma enorme linhagem de privilegiados, que entram nos corredores da política pela porta grande. Que conseguem empregos com telefonemas, que nasceram perto de gente que conhece gente, que aliam um discurso fluente a uma gritante falta de princípios. Que mudam as convicções consoante o programa que, entendam, são essencialmente eles próprios e as suas ambições. Não há nada que Sebastião possa ou queira fazer por quem nele votou. Daqui a 20 anos terá um CV cheio de nomeações e saltos entre cargos do partido.
Percebo a narrativa, percebo que queira dar a imagem de um homem que subiu a pulso, percebo que se queira mostrar como um de nós. Mas como nada disso é verdade e como, ele próprio perceberá, a realidade política portuguesa já está sobrecarregada de mentiras e disparates, porque não se remete apenas ao silêncio enquanto vai tecendo as linhas do próximo salto?
Trabalha menos Sebastião.
A sério, tira umas férias. E vê se te calas.
2022/08/25
Sobre o jacob de São Sérgio Figueiredo
Mas quanto a subir a pulso da aldeia até ao apartamento do amigo em Paris até já tivemos um.
O Sócrates veio lá da Covilhã, com meio canudo de construtor civil e uma mão à frente e outra atrás e, alegadamente*, em menos de uma década, construi um império de consultoria e networking 😉 para o grupo do (ainda!) dono disto tudo. Bem sei que tinha tanta vergonha da sua humilde origem que, alegadamente*, até inventou a fortuna da mãe para, alegadamente*, camuflar os dinheiros que o maroto do motorista lhe levava a casa, mas que diabo, para self-made-man não encontro melhor exemplo.
* por respeito ao pricipio de presunção da inocência e até que todos os processos transitem em julgado.
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