(Atónio Avelãs Nunes, O Militante, nº 367, 2020/07)
1. Em 2008, a Sr.ª Merkel defendeu que a origem da crise estava nos excessos do mercado. Agora, a pandemia veio mostrar que o mundo depende da aspirina que (quase só) se produz na Índia e que a Europa e os EUA dependiam da China no que toca à produção de máscaras de protecção individual e de ventiladores utilizados nas unidades de cuidados intensivos. Há quem fale dos excessos da deslocalização de empresas industriais e até da necessidade de salvaguardar a «soberania farmacêutica e sanitária.» Tudo bem. Mas é ainda mais importante garantir aos povos a soberania alimentar, energética, financeira, a soberania no que toca ao controlo dos portos e aeroportos e das empresas de telecomunicações, das empresas de transporte aéreo e de todo o conjunto das empresas estratégicas, aquelas em que assenta a verdadeira soberania.
Em nome da liberdade de circulação do capital (a mãe de todas as liberdades do capital), inventou-se a internacionalização, a deslocalização de empresas industriais para os paraísos laborais, em busca de mão-de-obra barata e sem direitos. Os países emergentes seriam a fábrica do mundo, ficando as ‘metrópoles’ com os serviços ‘nobres’ (estratégicos) da investigação e concepção, os serviços financeiros e o turismo. Tudo para permitir ao grande capital aumentar a taxa de exploração (nas ‘metrópoles’ e nas novas ‘colónias’) e contrariar a tendência para a baixa da taxa média de lucro que as chamadas crises do petróleo (anos 1970) trouxeram à luz do dia.
A desindustrialização registada nos países mais industrializados arrastou consigo a subversão da estrutura produtiva (e da estrutura do emprego) e a ruptura das fileiras produtivas em vários sectores, ficando a nu os perigos destes excessos do capital. Fala-se agora da necessidade de re-industrialização. E fala-se também da necessidade de temperar o radicalismo do comércio livre imposto ao mundo através da OMC.