Marx e o capital no século XXI
(uma entrevista com David Harvey, blogue da Boitempo, 2018/08/18)
David Harvey fala sobre seu novo livro "A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI" em entrevista a David Denvir: "Tenho apostando na construção de alianças. Para construir alianças, você precisa ter uma imagem da totalidade de uma sociedade capitalista. Daí a importância de ler Marx hoje."
Publicado em 17/08/2018
Entrevista especial com David Harvey.
David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade. Geógrafo de formação, ele desenvolveu uma leitura bastante original da obra de Marx informada por uma sensibilidade às dinâmicas de urbanização que acompanham a história do capitalismo e suas crises. Seu mais novo livro, A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI, é um esforço culminante desse projeto intelectual e político. Nele, Harvey se propõe a atualizar o pensamento de Karl Marx à luz das novas transformações da globalização capitalista contemporânea. Disparando contra a “loucura da razão econômica”, ele revela a total impotência da dita “ciência econômica” imperante para lidar com os problemas postos pela crise atual do capitalismo. Trata-se de uma obra de amplo alcance temático – abordando fenômenos diversos como bitcoin, inteligência artificial, a ascensão do fascismo, os megaprojetos chineses e a crise da Zona Euro – que procura fornecer um instrumental teórico à altura das complexidades e armadilhas da lógica do capital para que os diversos movimentos e organizações sociais possam calibrar melhor suas estratégias políticas diante do inimigo comum.
Na semana que vem, David Harvey desembarca no Brasil para uma série de atividades de lançamento do livro. Confira a agenda completa dele ao final deste post. Para esquentar, reproduzimos abaixo a entrevista que ele deu a Daniel Denvir, colaborador da Jacobin, para o The Dig. A tradução é de José Carlos Ruy, do Portal Vermelho.
Boa leitura!
* * *
Daniel Denvir: Você tem lecionado sobre O capital, de Marx, por um bom tempo. Faça uma breve visão geral de cada um dos três volumes.
David Harvey: Marx está muito nos detalhes, e às vezes é difícil entender exatamente no que consiste sua concepção de capital. Mas na verdade é simples. Os capitalistas começam com certa quantia de dinheiro, levam esse dinheiro ao mercado e compram algumas mercadorias, como meios de produção e força de trabalho, que colocam para trabalhar num processo de produção que gera novas mercadorias. Elas são vendidas por dinheiro, com um lucro. Então o lucro é redistribuído de várias maneiras, na forma de aluguéis e juros, e então circula de volta para aquele dinheiro, e reinicia o ciclo de produção.
É um processo de circulação. E os três volumes de O capital lidam com diferentes aspectos desse processo. O primeiro trata da produção. O segundo lida com a circulação e o que chamamos de “realização” – a maneira como a mercadoria é convertida em dinheiro. E o terceiro lida com a distribuição – quanto vai para o proprietário, quanto vai para o financista, quanto vai para o comerciante, antes que tudo seja revirado e reenviado de volta ao processo de circulação.
É o que tento ensinar, para que as pessoas entendam as relações entre os três volumes de O capital e não se percam totalmente em nenhum volume ou em partes deles.
«Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir.»(Sérgio Godinho)
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2018/08/25
2018/05/05
Karl Marx ao Chicago Tribune em 1878
Entrevista com Karl Marx, o fundador do socialismo moderno
Do nosso correspondente exclusivo em Londres
Londres, 18 de dezembro (1878).
— Karl Marx, fundador do socialismo moderno, mora numa pequena casa em Haverstock Hill, bairro do noroeste de Londres. Banido em 1844 da sua pátria, a Alemanha, por ter propagado teorias revolucionárias, vive desde então no exílio. Retornou ao seu país em 1848, mas foi expulso dois meses depois do seu retorno. Marx estabeleceu-se, em seguida, em Paris, onde, já no ano seguinte, as suas ideias políticas lhe valeram uma nova expulsão. Desde então, fez de Londres o seu quartel-general. As suas convicções não cessaram, desde o primeiro dia, de lhe criar dificuldades e, a julgar pelo aspecto de sua casa, não lhe proporcionaram grande conforto. Durante todo esse tempo, Marx pregou suas convicções com uma obstinação, indubitavelmente fundada na certeza que tem da justeza delas. Por mais que se possa ser contrário à difusão dessas ideias, é preciso admitir que a abnegação deste homem, actualmente em idade venerável, merece uma certa apreciação.
Do nosso correspondente exclusivo em Londres
Londres, 18 de dezembro (1878).
— Karl Marx, fundador do socialismo moderno, mora numa pequena casa em Haverstock Hill, bairro do noroeste de Londres. Banido em 1844 da sua pátria, a Alemanha, por ter propagado teorias revolucionárias, vive desde então no exílio. Retornou ao seu país em 1848, mas foi expulso dois meses depois do seu retorno. Marx estabeleceu-se, em seguida, em Paris, onde, já no ano seguinte, as suas ideias políticas lhe valeram uma nova expulsão. Desde então, fez de Londres o seu quartel-general. As suas convicções não cessaram, desde o primeiro dia, de lhe criar dificuldades e, a julgar pelo aspecto de sua casa, não lhe proporcionaram grande conforto. Durante todo esse tempo, Marx pregou suas convicções com uma obstinação, indubitavelmente fundada na certeza que tem da justeza delas. Por mais que se possa ser contrário à difusão dessas ideias, é preciso admitir que a abnegação deste homem, actualmente em idade venerável, merece uma certa apreciação.
Comunismo é o Mundo Sem Fronteiras
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos é muito mais do que um slogan, é todo um programa revolucionário.
É a forma de dizermos de onde vimos, para onde vamos e como vamos.
Vimos do mundo do capital que nos divide com fronteiras.
Caminhamos para um mundo sem elas, unidos como os dedos da mão.
É um programa revolucionário que começa com a organização num partido comunista, passa pela miscegenização dos nacionalismos numa só internacional e só terminará quando o mundo for um, sem muros, classes ou fronteiras, um mundo justo, fraterno e solidário com todos e para todos.
É um programa revolucionário para levarmos o planeta a uma terra sem amos nem fronteiras.
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos por um planeta sem amos.
É a forma de dizermos de onde vimos, para onde vamos e como vamos.
Vimos do mundo do capital que nos divide com fronteiras.
Caminhamos para um mundo sem elas, unidos como os dedos da mão.
É um programa revolucionário que começa com a organização num partido comunista, passa pela miscegenização dos nacionalismos numa só internacional e só terminará quando o mundo for um, sem muros, classes ou fronteiras, um mundo justo, fraterno e solidário com todos e para todos.
É um programa revolucionário para levarmos o planeta a uma terra sem amos nem fronteiras.
Proletários de Todo o Mundo Uni-vos por um planeta sem amos.
Viva a Democracia do Proletariado!
É verdade, o nome escolhido pelos pais do Marxismo para a verdadeira democracia foi um fenomenal erro de casting.
É verdade, já em finais do século XIX a palavra democracia estava muito desvalorizada pelo conteúdo que a burguesia lhe tinha inculcado, com proibições de partidos, eleições fraudulentas, tribunais ao serviço do capital, policias a reprimir nas ruas os revoltados com a ignomínia da ditadura burguesa.
É tempo de reclamarmos o que é legitimamente nosso: a democracia do proletariado, a democracia popular, a verdadeira democracia, a democracia de todos os dias, completa, interventiva, solidária, justa.
Viva a Democracia do Proletariado!
2018/05/04
Comunismo é Liberdade
É a mais pura verdade. Sem incorrer num retrocesso aos socialismos utópicos das descrições de futuros idílicos, Marx e Engels descrevem um processo histórico em que a luta de classes é o motor da evolução no sentido de uma sempre maior emancipação do trabalho.
Desde o escravo, livre para morrer escravo, passando pelo servo, acorrentado à terra e com ela vendido, até ao proletário, livre para vender a sua força de trabalho num mercado viciado pelo capital, atingimos um patamar em que só a mais absoluta libertação das grilhetas da exploração pode ser aceitável.
É precisamente isso que propoem uma sociedade comunista: a absoluta libertação do trabalho.
É por isso que nós comunistas lutamos: l i b e r d a d e !
Desde o escravo, livre para morrer escravo, passando pelo servo, acorrentado à terra e com ela vendido, até ao proletário, livre para vender a sua força de trabalho num mercado viciado pelo capital, atingimos um patamar em que só a mais absoluta libertação das grilhetas da exploração pode ser aceitável.
É precisamente isso que propoem uma sociedade comunista: a absoluta libertação do trabalho.
É por isso que nós comunistas lutamos: l i b e r d a d e !
2018/03/23
Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade
Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade
(José Barata-Moura, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo», 2018/02/28)
1. Tema.
Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades».
Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.
Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.
Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.
Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).
(José Barata-Moura, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo», 2018/02/28)
1. Tema.
Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades».
Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.
Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.
Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.
Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).
Superar a Cultura de Catástrofe em Permanência
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Monumento Nacional. Tinta da china e fotografia. Diário de Lisboa,1969/11/21. João Abel Manta |
(Manuel Augusto Araújo in AbrilAbril, 2018/03/19)
Não haverá uma tradução que exprima a amplitude do significado de spleen, o que explica porque Baudelaire o utilizou, sem tentar traduzir, no título de um grupo de poemas Spleen de Paris e no título de vários dos poemas dessa série (*). Spleen é o que Walter Benjamin descreve «como o sentimento que corresponde à catástrofe em permanência». Nos tempos que se estão a viver é determinante para o pensamento único impor um sistema a partir de condições pré-estabelecidas para dissuadir os homens de intervir. Vive-se mergulhado num permanente spleen.
Sistema que faz prova de vida como se fosse um caleidoscópio em que, sempre com os mesmos cristais, quando se roda o tubo se transforma a desordem numa nova ordem e as sucessivas imagens virtuais simulam uma pulsação que não existe nem desinquieta a base com que se formam novas imagens. A realidade permanece quase imutável por debaixo das camadas de maquilhagem que se vão acumulando, deixando intocado o essencial. A perversidade é a crescente importância que as imagens virtuais adquirem para garantir a quase imobilidade do sistema, num cenário em que o simulacro e simulação substituíram a realidade.
2017/12/07
Nos 150 anos d'O Capital
“O Capital não é uma bíblia nem um receituário”, diz José Paulo Netto
(Juliana Gonçalves, in Brasil de Fato, 2017/09/16)
Vista por muitos como “a bíblia” da revolução, há 150 anos era lançada a obra O capital, de Karl Marx (1818-1883). Em nome do intelectual alemão e sua obra maior, muitas batalhas políticas e ideológicas são travadas até hoje. Em entrevista ao Brasil de Fato, concedida por e-mail, o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Paulo Netto, que se define como comunista, desmistifica a obra.
Netto defende o conteúdo como um “programa analítico que deve ser sistematicamente desenvolvido”. Além disso, fala dos principais pontos de análise estruturados por Marx no livro, das crises do capitalismo como oportunidades para mudança social, do poder da conscientização dos trabalhadores e, por fim, das questões de raça e gênero, tidas como “pós-modernas”, que ganham novas leituras e esquentam os debates sobre a luta de classe.
Brasil de Fato: Como vê a importância da obra e o que ela representa?
José Paulo Netto: A meu juízo, o caráter clássico dessa obra de Marx reside em que ela, centrada na análise social da produção econômica capitalista e evidenciando as suas inextirpáveis contradições, permitiu-lhe elaborar uma teoria sobre a gênese, a constituição e a dinâmica da sociedade burguesa. Depois de Marx, nenhuma outra construção científica foi capaz de explicar e compreender tão rigorosamente, numa perspectiva histórica e crítica, as condições objetivas que propiciam a vida social cada vez mais diversificada e complexa da sociedade em que vivemos. O que Marx nos oferece n’O capital (e o livro I contém a sua fundamentação) é a teoria que expressa, nas suas tendências mais essenciais, o movimento histórico real do que chamamos capitalismo.
Nas pesquisas que realizou, à base da dialética de Hegel, Marx descobriu o mecanismo fundamental sobre o qual se ergue a sociedade burguesa: a exploração do trabalho pelo capital. Evidentemente, corridos um século e meio desde a publicação d’O capital, a organização econômica e social da nossa sociedade se transformou profundamente — o capitalismo do século XXI não é o capitalismo do século XIX. Mas o capitalismo, uma vez constituído, só pode assentar na exploração do trabalho — não existe capitalismo sem a exploração do trabalho pelo capital. Marx não foi nem profeta nem um criador de utopias: foi um teórico rigoroso e o essencial das suas descobertas permanece o fundamento necessário para a análise da sociedade contemporânea.
(Juliana Gonçalves, in Brasil de Fato, 2017/09/16)
Vista por muitos como “a bíblia” da revolução, há 150 anos era lançada a obra O capital, de Karl Marx (1818-1883). Em nome do intelectual alemão e sua obra maior, muitas batalhas políticas e ideológicas são travadas até hoje. Em entrevista ao Brasil de Fato, concedida por e-mail, o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Paulo Netto, que se define como comunista, desmistifica a obra.
Netto defende o conteúdo como um “programa analítico que deve ser sistematicamente desenvolvido”. Além disso, fala dos principais pontos de análise estruturados por Marx no livro, das crises do capitalismo como oportunidades para mudança social, do poder da conscientização dos trabalhadores e, por fim, das questões de raça e gênero, tidas como “pós-modernas”, que ganham novas leituras e esquentam os debates sobre a luta de classe.
Brasil de Fato: Como vê a importância da obra e o que ela representa?
José Paulo Netto: A meu juízo, o caráter clássico dessa obra de Marx reside em que ela, centrada na análise social da produção econômica capitalista e evidenciando as suas inextirpáveis contradições, permitiu-lhe elaborar uma teoria sobre a gênese, a constituição e a dinâmica da sociedade burguesa. Depois de Marx, nenhuma outra construção científica foi capaz de explicar e compreender tão rigorosamente, numa perspectiva histórica e crítica, as condições objetivas que propiciam a vida social cada vez mais diversificada e complexa da sociedade em que vivemos. O que Marx nos oferece n’O capital (e o livro I contém a sua fundamentação) é a teoria que expressa, nas suas tendências mais essenciais, o movimento histórico real do que chamamos capitalismo.
Nas pesquisas que realizou, à base da dialética de Hegel, Marx descobriu o mecanismo fundamental sobre o qual se ergue a sociedade burguesa: a exploração do trabalho pelo capital. Evidentemente, corridos um século e meio desde a publicação d’O capital, a organização econômica e social da nossa sociedade se transformou profundamente — o capitalismo do século XXI não é o capitalismo do século XIX. Mas o capitalismo, uma vez constituído, só pode assentar na exploração do trabalho — não existe capitalismo sem a exploração do trabalho pelo capital. Marx não foi nem profeta nem um criador de utopias: foi um teórico rigoroso e o essencial das suas descobertas permanece o fundamento necessário para a análise da sociedade contemporânea.
2017/10/09
A nossa economia política é o trabalho
A nossa economia política é o trabalho
(João Rodrigues in Público 2017/10/06)
Há 150 anos atrás, em 1867, saía o primeiro livro de O Capital, da autoria de Karl Marx, que se tornaria uma obra central na história da economia política. A certa altura, Marx exorta o leitor a segui-lo “até ao lugar oculto da produção”, franqueando a porta que diz proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço. Só aí, onde se trabalha e cria valor, se tornaria visível para todos “como o capital produz, mas também como se produz ele próprio, o capital”.
Esta exortação mantém no século XXI uma grande actualidade em termos de método, de possibilidade de conhecimento, e em termos políticos. De facto, as relações laborais continuam a ser o elo central das sociedades capitalistas. Isto não impede, antes pelo contrário, que exista todo um esforço ideológico liberal para as ocultar. Mas de vez em quando, por denúncia de quem trabalha, o leitor tem um vislumbre do que se passa num tempo em que os freios e contrapesos legislativos e sindicais ao poder patronal foram enfraquecidos.
Recentemente, o PÚBLICO expunha o lado laboral oculto do só aparentemente glamoroso sector turístico, com o exemplo do que se passa nos barcos do Douro: “Salários baixos. Contratos maioritariamente temporários, quase sempre de três ou de seis meses. Sazonalidade. Jornadas laborais de 60 horas semanais. Contínuas. Folgas em plano b. Dormidas a bordo em espaços exíguos, sem privacidade. Refeições feitas de restos.
(João Rodrigues in Público 2017/10/06)
Há 150 anos atrás, em 1867, saía o primeiro livro de O Capital, da autoria de Karl Marx, que se tornaria uma obra central na história da economia política. A certa altura, Marx exorta o leitor a segui-lo “até ao lugar oculto da produção”, franqueando a porta que diz proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço. Só aí, onde se trabalha e cria valor, se tornaria visível para todos “como o capital produz, mas também como se produz ele próprio, o capital”.
Esta exortação mantém no século XXI uma grande actualidade em termos de método, de possibilidade de conhecimento, e em termos políticos. De facto, as relações laborais continuam a ser o elo central das sociedades capitalistas. Isto não impede, antes pelo contrário, que exista todo um esforço ideológico liberal para as ocultar. Mas de vez em quando, por denúncia de quem trabalha, o leitor tem um vislumbre do que se passa num tempo em que os freios e contrapesos legislativos e sindicais ao poder patronal foram enfraquecidos.
Recentemente, o PÚBLICO expunha o lado laboral oculto do só aparentemente glamoroso sector turístico, com o exemplo do que se passa nos barcos do Douro: “Salários baixos. Contratos maioritariamente temporários, quase sempre de três ou de seis meses. Sazonalidade. Jornadas laborais de 60 horas semanais. Contínuas. Folgas em plano b. Dormidas a bordo em espaços exíguos, sem privacidade. Refeições feitas de restos.
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