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2024/07/27

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)
(José Goulão, AbrilAbril, 2023/02/19)

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado.
Manifestantes neonazis do Svoboda (Liberdade) e Pravyi Sector (Sector de Direita) protestam em Kiev /REUTERS


2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»

«Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)

«Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.

Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos.

2023/03/08

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)
(José Goulão, AbrilAbril, 2023/01/27)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 CréditosAnna Marchenko / TASS 

1. O decálogo assassino e a «grande democracia» 

O maior cego é aquele que não quer ver
 (sabedoria popular) 


Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro [1]. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

2020/02/11

A História do Neo-liberalismo em 40 Minutos

Vale mesmo a pena tirar uns trinta quarenta minutos para ler esta breve história dos últimos noventa anos, e depois voltar a ler e a reler.

«É essencial tomar consciência da «assimetria fundamental» que resulta da «globalização assimétrica» e que Ulrich Beck sintetiza magistralmente: a «assimetria entre poder e legitimidade» («um grande poder e pouca legitimidade do lado do capital e dos estados, um pequeno poder e uma elevada legitimidade do lado daqueles que protestam».)

É essencial levar a sério a luta ideológica, que nos ajuda a combater os interesses estabelecidos e as ideias feitas e que é, hoje mais do que nunca, um factor essencial das lutas políticas e das lutas sociais que fazem andar o mundo»

Primeira parte (para quem goste de história e de aprender com ela)

Segunda parte (para quem tenha pressa de chegar aos dias de hoje)

2020/02/05

Romanos, raças e etnias

Especialmente dedicado a racistas admiradores do império romano

Porque é que ensino raça e etnicidade na antiguidade clássica
(Rebecca Futo Kennedy, Eidolon, 2017/09/11)

«[...] Os romanos são provavelmente o mais famoso povo "misto" da antiguidade e que afirmaram nas suas estórias e nas artes a sua origem de imigrantes e refugiados. Enéias migrou os últimos troianos (fenícios) de Tróia para a Itália, e teve um filho de uma nativa italiana que fundou outra cidade, Alba Longa, de onde terão eventualmente vindo Romulus e Remus. Romulus fundou Roma matando o seu irmão e convidando os bandidos e criminosos que se quisessem juntar a ele. Foi então que, aonperceberem-se que uma cidade não poderia perpetuar-se sem mulheres, raptaram as mulheres Sabinas e casaram-se com elas. Os romanos tiveram reis etruscos, e muitas das cidades que incorporaram no sul da Itália eram colónias gregas. Estes mitos espelhavam a realidade romana.

2018/07/23

Em épocas de grande turbulência, importa não perder o norte

A propósito de um esboço de ideias do António Abreu que me pareceu especialmente preocupante, ocorrem-me três bengalas para manter o norte em tempos de grandes turbulências: 1. cuidado com os optimismos voluntaristas, 2. não confundamos o conjuntural com o estrutural e 3. lembremos sempre a história como fonte de conhecimento.

1. Cuidado com os optimismos voluntaristas
Confesso. Ver os meus inimigos às turras, é algo que sempre me deu prazer, e é com real deleite que observo as guerras de alecrim e manjerona no seio da NATO, que assisto à traulitada entre o Capital produtivo e o Capital financeiro, entre globalismos e nacionalismos, às guerrilhas comerciais entre uns EUA em declínio e uma China emergente, aos brexites e às desavenças entre os neofascismos xenófobos e as democracias cristãs, sobre como tapar o sol com a peneira, perdão, como emparedar o oceano, desculpem, queria dizer estancar as migrações. Mas cuidado, ao ver uma luta entre cobras não fico a aplaudir uma e a vaiar a outra, antes aproveito para lhes ir aos ninhos e partir-lhes os ovos(*). Para mim, actualmente, a questão é: como aproveitar estas guerras intestinas para defender e fortalecer os direitos, liberdades e garantias do trabalho? Como criar condições para algo mais do que isso? Como aproveitar o consenso crítico contra o mais troglodítico capitalismo para forçar a emergência de consensos contra o capitalismo todo, seja ele troglodita, neoliberal, sustentável ou socialmente preocupado, de consensos em redor de alternativas ao capitalismo. Concluindo: prefiro de longe a leitura do Goulão no AbrilAbril e só posso apoiar o seu final «O ideal seria mesmo que as forças mundiais da paz, da cidadania, da igualdade e do desenvolvimento social percebessem a oportunidade que está aberta e soubessem tirar proveito destes tempos de explosão das contradições capitalistas.»

2. Não confundamos o conjuntural com o estrutural
O meu inimigo é o capital, seja ele financeiro, produtivo, imperialista ou emergente. Os socialismos acabaram-se. A Rússia é um império tão imperialista como o outro com a capital em Washington e governo em Wall Street. Conjunturalmente estou disposto a apoiar a primeira contra o segundo? Estou, "no problema", o Putin ainda tem muito que aprender até chegar aos calcanhares de quem manda no mundo e os EUA ainda são o grande perigo para a sobrevivência do planeta ... tanto mais quanto a aposta dos "donos" dele nos combustíveis fosseis é mesmo para levar a sério. Não me pronuncio sobre o gigante amarelo porque só isso daria para uns milhões de posts.

3. lembremos sempre a história como fonte de conhecimento
Ainda me lembro (por leituras várias) dos tempos em que os camisas castanhas punham a tónica no socialismo do nacional enquanto arremetiam de porrete em punho contras as manifestações de comunistas alemães. Não me esqueço das fortunas que levaram aos ombros o cabo de bigodes da prisão até à guerra. Também eles, como o trumpismo, acabaram eleitos pelo lumpen, alemão em 32, norte-americano em 2016. Também em 32 houve quem visse no nacionalismo de Hitler uma alternativa ao capitalismo desbragado antes de acabar, em 39, a fazer tijolo à saída do forno. Não caros amigos, é mesmo importante se é cão ou gato, se começamos a usar cães para caçar ratos ainda acabamos a apoiar as touradas como "expressões da cultura popular". Até podemos usar os pobres dos cães durante uns tempos, Lenine conseguiu usá-los entre 21 e 28 e se não lhe têm posto fim provavelmente ainda tínhamos aí socialismo para dar e vender, quem sabe, mas é sempre algo de conjuntural, muito conjuntural: o inimigo do meu inimigo só é meu amigo até se acabar a carcaça do animal ;-)

(*) Salvo seja que as cobras já fazem mal a ninguém por estas latitudes.

P.S. : e mais dois comentários ainda a quente para refer&ncia futura
Sobre o ponto 2 do post original:
Importa separar o desgastado e ideologicamente fabricado "Politicamente Correto" e as sensibilidades mais ou menos sensíveis dos padrões de comportamento comunistas que são parte integrante da nossa cultura: humanismo, evolução, primado da ciência etc são valores não relativizáveis nem dialeticamente dependentes de contextos. Houve quem na construção dos socialismos reais relativizasse a herança humanista e viu-se no que deu, quem trocasse a evolução real pela que lhe dava jeito e viu-se no que deu. Tenho pena, não vou proibir o hijab, mas recuso-me a aceitar a burka em nome das expressões de cultura popular.
Sobre o ponto 4 do post original:
ai ai ai ai, mas é que as atitudes racistas, anti ambientais, sexistas, xenófobas etc etc etc (estou-me nas tintas para as troca tintas e as contradições porque no final do dia querem sempre dizer a mesma coisa: mais para o capital menos para o trabalho e a embaixada foi mesmo para Jerusalém!). Vocês vivem numa redoma? Conversam com alguém fora do vosso circulo politico? "Visitam" sites de discussão nas redes sociais onde não reine o simmismo partidário do sim estou de acordo camarada tens toda a razão? Ninguém aqui deu pela explosão de racismo, xenofobismo, sexismo, homofobismo, trauliteirismo após a eleição de um gajo que acha bem partilhar com um quase desconhecido que apalpou a coisa a não sei quem? Ninguém aqui percebe que até há uns anos atrás "parecia mal" ser xenófobo, sexistas, homofóbico, trauliteiro e que neste momento isso não é o mais grave de tudo? Não, claro que não é o mais grave, concordo! Mais grave é apostar nos combustíveis fósseis, rasgar o tratado com o Irão, transferir a embaixada para jerusalém, prender crianças na fronteira como nós fazemos no aeroporto de Lisboa (devem ser padrões de comportamento político necessariamente passageiros porque dialeticamente influenciados pelo real), acabar de vez com os sindicatos, mesmo com os mafiosos, ... mas aqueles ismos todos ajudam muito a criar uma sociedade mais selvagem, uma sociedade em que tudo o que é realmente importante; a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação, a liberdade serão muito mais facilmente roubadas.

2018/04/30

História - Passado com Vista para o Futuro

O dia em que o povo tomou o poder: 70 anos do 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande
(Gustavo Carneiro in Avante!, 2004/01/18)

Estava-se no início de 1934. Com o mudar do ano, entra em vigor o Estatuto Nacional do Trabalho, fascista, e os sindicatos livres eram oficialmente proibidos, dando origem a outros, subjugados ao poder corporativo. Por todo o País, os trabalhadores combatem a fascização dos sindicatos e convocam para 18 de Janeiro uma greve geral revolucionária, com o objectivo de derrubar o governo de Salazar. A insurreição falha, mas na Marinha Grande os operários vidreiros tomam o poder. Apenas por algumas horas, é certo, pois a repressão esmagaria a revolta. No resto do País, esperavam-se acções iguais, mas em nenhum outro lado se repetiu o gesto dos operários marinhenses. Apesar de fracassada, a revolta dos trabalhadores vidreiros fica na história como um momento alto da resistência ao fascismo. E deixou sementes, que germinaram numa manhã de Abril, precisamente quatro décadas depois.

História - Passado Com Vista Para o Futuro

Da Federação Maximalista à fundação do Partido Comunista Português
(Domingos Abrantes in DORL.pcp.pt)

A Federação Maximalista Portuguesa foi fundada há 90 anos por iniciativa de um grupo de destacados dirigentes sindicais profundamente ligados à luta dos trabalhadores e que, embora perfilhassem todos eles os ideais anarquistas, foram influenciados pelo impacto internacional da Revolução de Outubro na Rússia.

A FMP propunha-se como objectivo «difundir os princípios tendentes ao estabelecimento do socialismo comunista», assumindo como tarefa prática imediata defender a revolução russa e propagar os seus princípios.

Dois momentos relevantes assinalam e balizam a constituição da FMP: a apresentação da Declaração de Princípios/Estatuto orgânico e da sua direcção (Maio de 1919)1 e o começo da publicação do seu órgão «A Bandeira Vermelha»2 (5/X/1919).

2017/11/23

História de Portugal II - Portugal Medievo

História de Portugal II - Portugal Medievo
Uma idade média peninsular narrada pelas vozes das gentes
(in wook, 2017/11/23)

Este segundo volume da História de Portugal do Professor Catedrático jubilado António Borges Coelho abarca toda o período de implantação da nova monarquia nesta nossa peninsula, desde as desavenças entre Afonsos, Raimundos e Teresas, passando pelas guerras religiosas, de saque, razia e conquista, até aos reinos do Algarve e de além mar. De salientar a escolha da batalha de S. Mamede em 1128 como momento fundador, por contraponto ao legalista ano da compra com oiro do reconhecimento papal ou, ao menos, mas ainda legalista momento do reconhecimento interesseiro imposto ao imperador Afonso VI e recusando muito cedo as tentativas de ligar a fundação de uma nação à gestação de uma linhagem de ungidos por deus para reinar: uma nação ganha existência quando as gentes a reclamam e não quando os ungidos a reconhecem.

Magnifica a capacidade de por a falar os documentos como as vozes lhes dão vida, as vozes das gentes que os exigiram, os negociaram, os ditaram, os escreveram, as vozes da gente pequena esfomeada, dos ricos homens injustiçados, dos reis, príncipes e senhores plenos de poder para mandar e ditar, dos monges, párocos e prelados, únicos alfabetos num mundo de escrever latino e de falar galaico.

Literariamente assinalável é a navegação por séculos de história sem nunca destrinçarmos o real falar do documento da construtora narrativa do historiador. É sempre um prazer ler com prazer uma história de uma nação cada vez mais dispensável.

História de Portugal I - Donde Viemos

História de Portugal I - Donde Viemos
Um português para apreciadores a suportar uma narrativa cheia de frescura.
(in wook, 2017/11/23)

Os até agora publicados seis volumes já provam ser esta a História de Portugal que ainda não tinha sido escrita. Aconselhável para quem não conheça outras, obrigatória para quem já leu as muitas dadas à estampa até hoje.

Numa História de Portugal onde as gentes pequenas são visíveis e os processos históricos inteligíveis, este volume dedica-se ao que fomos antes de sermos Portugal, aos 4 300 milhões de anos de hominização, história e pré-história que fizeram o Homem e moldaram as gentes da Peninsula. Já se nota a relevância que têm para o autor as massas protagonistas dos processos, em detrimento do estafado realce habitualmente oferecido aos caudilhos, e a necessidade de abordar os climas, geografias, economias e culturas onde os homens mergulham fundo .

2017/11/21

A História de Portugal Que Ainda Não Tinha Sido Escrita

História de Portugal
Toda a narrativa histórica é ideológica, prenhe de ideologia, refém da ideologia da classe que a encomendou, pagou, planeou, escreveu, publicou e vendeu.

Até hoje, em Portugal, todas as histórias de Portugal eram narrativas históricas da classe dominante, encomendadas, pagas, planeadas, escritas, publicadas e vendidas pelo "bem pensar" das famílias possidentes, até finais do século XIX, e pelo capital burguês, neste último século e meio.

À afirmação de que as crónicas de Fernão Lopes, no século XV, ou a história de Herculano, há cento e cinquenta anos, seriam disso excepções, respondo reconhecendo a rotura com a hagiografia medieval de uma e o estabelecimento de uma critica mais conforme ao método cientifico, adaptado às ciências sociais, da segunda, mas fazendo notar, sempre, que tal não basta para delas limpar a ideologia das classes à época reinantes.

Interessam-nos as produzidas desde meados do século passado. Mais maçónicas ou mais católicas, mais ou menos conservadoras ou reaccionárias, oriundas da ideológica nova história ou partidárias da igualmente ideológica escola anglo-saxónica, todas elas partilham uma mesma ideologia, uma mesma matriz da ideologia dominante, da ideologia da classe dominante, da ideologia burguesa, dos detentores do capital para quem a propriedade é sacrossanta, o protagonismo sempre individual, sempre do empreendedor, seja ele "nobre" ou burguês e o processo histórico – qual processo?

Foi necessária a publicação de uma outra História de Portugal, escrita por um intelectual marxista, para se revelar ainda mais cristalinamente o caráter classista das histórias até hoje publicadas.

Saiu recentemente o sexto volume da História de Portugal do Professor Doutor António Borges Coelho. São seis volumes onde finalmente nos é dado ouvir o fluir dos rios de gentes que fazem história, sentir as convulsões que opõem os de cima aos de baixo, os poucos grandes ao mar dos muito pequenos, navegar nesse oceano a fervilhar de revolta, ciclicamente apaziguada com umas pazadas de direitos, nunca de regalias, sempre reconhecidos, nunca oferecidos, sempre depois de, por cima do sangue dos cadáveres, os muitos pequenos os terem imposto como prática incontornável.

É uma História de Portugal eivada de ideologia? Claro que é! Tal como todas as outras histórias que a precederam. A grande diferença reside em ser esta uma História de Portugal escrita à revelia da e contra a ideologia dominante, contra o senso comum da ideologia burguesa que, publicitando-se como a-ideológica, todos os dias nos mergulha os neurónios no ideológico "bem pensar" da tina*.

A frescura dos rios de gentes começa ainda antes de sermos Portugal, mas é no segundo volume, a propósito das guerras entre locais e recém chegados, que começamos a ouvir o falar do povo pequeno do Portugal Medievo, o dizer dos sapateiros, ferreiros, pedreiros, carpinteiros que se reuniam em conselho para verem reconhecidos pelo príncipe, em carta de foral, o direito de casar, de ter, de não ver roubado o excedente, e, por vezes, até de eleger pároco ou saião.

Espantoso conseguir imaginar todos estes analfabetos, de olhos muito abertos, fixos no antepor do selo com que el-rei reconhecia finalmente direitos tão arduamente conquistados, ou melhor, de olhos baixos a pensar no sair dali antes que o senhor mude de ideias e os pendure.

Já conseguimos notar a ausência nesses conselhos da massa lupanária dos deserdados, dos migrantes, dos foragidos em permanente transumância, abrigados, sempre provisoriamente, em castros e florestas. Desconfiados do estranho, do estrangeiro menos mal vestido, com cavalo, sem a fome espelhada no semblante ou sem o medo esculpido nos olhos. Desconfiados que esse estranho os queira amarrar à terra e fazer deles animália sem direitos, ou mesmo, quem sabe, arrebanhar para vender escravos ao mouro, se cristãos, ou a estes, ou a todos porque vivem como pagãos, longe da santa missa, do corão e da torah.

Deste povo de baixo já os documentos não dão noticia. A estes de baixo só os vislumbramos nas descrições das revoltas, dos roubos, das razias aos conventos. Mais do que vê-los, vislumbramo-los nos forais com que o emergente poder monárquico os quer fixar à terra para fazer fronteira. Adivinhamo-los nos abstratos destinatários das juras d'el rei, também publicamente seladas, nas juras de deixar esses ninguéns lavrarem a terra d'el rei, a troco de tanto de pão, e de moeda, e de se deixarem amarrar a essas terras d'el-rei e de defendê-las do mouro, ou do galego que por elas entre a conquistar ou raziar. É esse tanto fixado no papel, mais a obrigação de lutar pela terra do seu senhor, que furta ao livre arbítrio de um outro qualquer, menos grande, senhor, local ou estrangeiro, o poder de por e dispor como lhe aprouver das culturas, apanhas, alfaias, prédios e gentes.

Nesta História de Portugal diz-se quem é o cavaleiro que faz a guerra em nome do senhor das terras. Diz-se porque é que o burguês, com fazenda para manter cavalo e espada e lança, segue o jovem caudilho em vez de alinhar no exército do Rei Afonso. Nesta narrativa ideologicamente comprometida, como todas as outras o foram antes desta, ouvimos finalmente o varejar das lanças a matar mais alto do que o tinir das espadas nas couraças, e compreendemos finalmente quem são esses peões de lança que faziam a guerra em nome dos ricos homens dos conselhos ou dos locais senhores da terra. Ao tornar visível a revolta que em permanência ardia por baixo das boas gentes, a fome, a insegurança, a falta de justiça, compreendemos a facilidade com que o jovem principe, que busca glória na guerra e terras na conquista, arrebanha as pobres gentes, e a dificuldade do Rei Afonso ou da Rainha Urraca em ganhar batalhas, com gentes dessas, pequenas, arrebanhadas em Leão ou na Galiza, lá longe e sem direito a saque.

É espantoso como muitas perguntas, nunca respondidas pelas histórias vergadas às ideologias dominantes, encontram explicações óbvias quando deixamos de esconder as contradições entre quem tem e quem não tem, e, sem nunca o mencionar, devolvemos à luta de classes o seu papel central como motor da história e à economia o seu papel infraestrutural relativamente a toda uma superestrutura social, politica, cultural-religiosa, repressiva.

Vale a pena comprar. Aconselho vivamente a leitura. É diferente, mais fresca, mais real, mais terra-a-terra, mais verdadeira. E, cereja no topo do bolo, o português, a escrita, é para apreciadores.

* there-is-no-alternative.