O Nascimento de Fachus by Vieira Ressurected
Não é de estranhar que a usual abordagem à mentira na política, parta de um conjunto de pressupostos errados, para acabar numas águas mais ou menos turvas, eivadas de sins, mas tambéns, e vejam lá, pensem melhor sobre o assunto, quando, neste momento, já não há lugar para rodriguinhos: o sapo de loiça™ é um mentiroso compulsivo. Sim, nasceu, cresceu e fortificou-se num ambiente de governação mentirosa, apaparicado pelos leilões de audiências do espaço de infoentretenimento vendido aos anunciantes, mas, no cerne, está apenas e tão só um reles sapo de loiça™ mentiroso.
Mas, afirmava eu, antes de me perder em explicações escatológicas para o milagre do nascimento do sapo de loiça™, não estranhar que a normal, usual e rotineira abordagem à mentira na política parta de um conjunto de pressupostos errados.
Não é em vão que vivemos imersos na ideologia dominante, a tal ponto que nem a conseguimos ver como ideologia. É como o ar que nos rodeia ou a água onde nadam os peixes: não o vemos, não o ouvimos, está aqui e nem o sentimos apesar de vivermos nele imersos.
Dizia Marx: "A ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante, reproduz-se", naturalmente, acrescento eu frisando a vertente orgânica do pensamento, implícita na frase do jovem filósofo alemão do século XIX, para quem, e volto a reproduzi-lo, livremente e de cor, "A filosofia se ocupou em explicar o mundo quando o que de facto importa é transformá-lo".
Implícita mas não explicitamente, e é por isso que a vou repetir, novamente, com a sua implícita orgânica naturalidade como explicito epílogo.
"A Ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante reproduz-se", organicamente, com naturalidade, imperceptivelmente.
Deixem-me repetir estes dois mantras que me têm acompanhado desde a puberdade, quando alguém me impingiu uns caderninhos coloridos escritos pela Marta Harnecker e a Gabriela Uribe.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da classe dominante reproduz-se.
e
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
Bom! E sobre a mentira e o mentiroso que nos trouxe aqui? Sobre a mentira, o mais relevante é reconhecer que ela é, s e m p r e e sob qualquer forma, cor ou tamanho: moral e mesmo eticamente i n a c e i t á v e l. Ponto.
Poderia frisar com o famoso "ponto final parágrafo, travessão na outra linha" dos ditados que infernizaram a minha infância, mas fiquemo-nos pela versão resumida: a mentira é inaceitável ponto!
De exclamação, concordo. A afirmação é suficientemente pomposa para reclamar mais do que um sonoro, bem sei, mas breve, ponto.
Creio até que, pelo seu peso, merece mais uma mantra, desta vez oriunda do mais do que pragmático jovem intelectual revolucionário Vladimir Ilitch, Lénine para os mais chegados, falecido ali pelos primeiros quartéis do século passado:
- "Só a verdade é revolucionária!"
Já não me lembro bem quando, nem onde, nem a que propósito terá o então jovem revolucionário dito tal verdade, mas gostaria de usar mais esta mantra para nos guiar numa viagem de vastos parágrafos, pelo mesmo mundo, olhado com outros pressupostos.
Proponho-vos, assim, partir de um quadro mental mais fora da caixa para a abordagem d'A Mentira na Política. Proponho-vos tentar partir de um quadro mental menos embebido em ideologia dominante. Um quadro mental baseado, não na Ideologia Dominante, não no pensamento dos intelectuais do sistema, isto é, não no pensamento de intelectuais preocupados em explicar o sistema como ele é, como deveria ser, ou como aparenta ser, como o fizeram o cidadão grego Platão, num tempo em que ser cidadão era pertencer à classe dominante, a única com direito de voto, o serviçal renascentista Maquiavel, serventuário bem pago pelo Príncipe da classe dominante a quem dedicou uma cuidada descrição dos pontos fortes do César Bórgia, ou o filósofo burguês Nietzsche, mas sim, aceitando como pressupostos, as três referidas mantras a que irei brevemente acrescentar uma quarta, para a qual só recentemente despertei, graças a uma Filósofa portuguesa de origem brasileira que tive o prazer de "ouver" há uns meses numa maravilhosa "Sociedade Civil" da RTP 2 dedicada à ... mentira na política.
Ponto de ordem à mesa para repetição das mantras que tomaremos como pressupostos na nossa, mais minha e para a qual vos quero arrastar, caminhada.
- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da Classe Dominante reproduz-se.
- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.
- Só a verdade é revolucionária.
E, como corolário, um outro pressuposto mais aceitável pela ideologia dominante e, no entanto, verdadeiramente revolucionário, porque indiscutível e universalmente verdadeiro:
- "Quem fala verdade é refém dessa mesma verdade, vê o seu discurso limitado pelas baias dessa verdade, ao passo que quem mente, é livre para mentir no mais vasto universo das mentiras limitado apenas pela imaginação do mentiroso."
Resumindo: a verdade é castradora enquanto a mentira é libertadora.
Uuuoooppss!
Diz-nos a tal Filósofa de quem não recordo o nome, mas para quem poderão, com a facilidade própria da vossa juventude, fazer o favor de encontrar nome, filiação, data de nascimento, biografia e bibliografia, assim haja tempo e vontade.
Sobre esta última mantra vou elaborar um bocadinho, sobre as outras, de tão antigas, tão trabalhadas, tão glosadas, peço-vos que as aceitem como pressupostos. São outros, diferentes dos usuais, bem sei. Mas são alguns dos que, como dizem por aí os websummiters, nos podem ajudar a pensar fora da caixa.
Divaguemos então um pedaço sobre as limitações impostas pela verdade e as liberdades de oratória proporcionadas a quem mais livremente mente e, sim, liberdades só limitadas pela imaginação do mentiroso.
A verdade é sempre uma e só uma, é o facto, é a factual realidade, mesmo quando quântica, mesmo quando indeterminística, mesmo quando o gato pode estar vivo ou morto, enquanto não for observado, e assim permanecer naquele estado quântico de vivo e morto, ao mesmo tempo, a verdade é que, enquanto não abrirmos a caixa, "O Gato" está vivo e morto, simultaneamente, não "não está", nem "deixa de estar", nem "não existe", nem "está na lua", nem "em marte", nem "é imigrante", nem "emigrante", nem "branco", nem "preto", nem "amarelo", ele está, enquanto não abrirmos a caixa, "vivo e morto" e, depois de aberta a caixa, vivo ou morto, mas a verdade é sempre, em cada momento, uma única e não a variedade de mentiras que sobre o gato enquanto gato, ou lebre, ou perdiz poderíamos tecer apenas limitadas pela nossa imaginação.
E sim, a verdade também é algo de completamente diferente das variadíssimas opiniões que possam ser formuladas sobre essa verdade, opiniões essas que podem, essas sim, enquanto apenas algumas das possíveis mil e uma mentiras em redor dessa verdade, serem apresentadas como verdades alternativas, outras verdades, que como vimos paradoxalmente não existem. A verdade era só uma, a que antecedeu as opiniões mais tarde sobre ela formuladas e depois tentativamente apresentadas como verdades.
Sim, quem mente tem muito mais liberdade oratória do que quem diz a verdade que, por estar limitada/o à verdade só se pode repetir num discurso facilmente apelidado de: Está sempre a dizer a mesma coisa.
Pois! A verdade.
Enquanto a verdade for aquela, o discurso não tem campo para ser diferente.
Já para o mentiroso, há sempre uma nova mentira, uma novidade, uma outra mentira, outro falso argumento que consolide a mentira original. Sim para o sedutor e eticamente reprovável mentiroso, sim, não apenas moralmente, mas mesmo eticamente reprovável mentiroso sapo de loiça™ , à revelia do que Platão e Nietzsche afirmam ser, e que Maquiavel, dando mais uns passos em direção ao precipício da iniquidade, defende que deve ser, que deve mesmo ser para que o Príncipe daí tire vantagens, uoops, acabei de tropeçar na Razão de Ser da Mentira para sobrevivência da classe dominante, mas deixemos a pedra no sitio, para nela podermos continuar a tropeçar até ao final deste escrito, dizia, para o sedutor e moralmente mentiroso, a oratória está livre para incluir qualquer mentira que ajude a sedimentar a mentira original.
E sim, a pedra em que tropeçámos é a rocha que a ideologia dominante tenta descaradamente esconder da multidão dos restantes, a saber, a mentira é essencial para que a minoritária Classe Dominante possa continuar a enganar, leia-se textualmente oprimir, a imensa maioria dos produtores.
Só à classe dominante interessa moralizar e normalizar a mentira, afinal, essa Classe Dominante não pode simplesmente dizer à multidão dos outros, sob pena de essa imensa maioria acabar por lhe ir aos brioches, que a mais valia por eles socialmente produzida está a ser privadamente apropriada pelos detentores dos meios de produção. O que a minoritária Classe Dominante tem de "explicar", à imensa maioria, é que é graças a ela, classe dominante, que eles têm um emprego que lhes permite adquirir os bens de consumo, produzidos nas fábricas dessa classe dominante, candidamente omitindo, de passagem, por quem são esses bens produzidos.
Ou ainda que o negócio privado da doença existe, para que os acionistas das empresas que detêm esse negócio se encham à tripa forra, com as prestações dos seguros de saúde sobre a doença alheia, e que a existência de um serviço de saúde gratuito, porque financiado pela imensa maioria dos explorados e, também, a contra gosto, pelos parcos impostos pagos pelos restantes 1%, é um verdadeiro atentado ao divino direito do Príncipe de viver à custa da doença alheia. O que a Classe Dominante, através dos seus arautos mediáticos e restantes sapos de loiça mentirosos, se vê forçada a fazer, em nome da sua sobrevivência e da sua sacrossanta apropriação de mais valias, é ensinar à imensa maioria dos restantes cidadãos que um serviço de saúde público, o único que pode ser gratuito, é ineficiente, nem que para isso tenha de ser subfinanciado, demasiado dispendioso, nem que para isso tenha de o obrigar a adquirir medicamentos, exames e análises ao negócio privado da doença a preços de mercado, carente de médicos, nem que para isso lhes tenha de acabar com as carreiras e de os sobrecarregar com horas extraordinárias, até que todos eles emigrem para o negócio privado da doença.
Ou mesmo que a desregulação dos mercados de capitais, de energia, de alimentos, de comunicações, de tudo e mais alguma coisa, é crucial para aumentar a mais valia socialmente produzida, através das poupanças nos meios de produção, tanto mais caros quanto mais sujeitos a regulamentos ambientais, que evitam catástrofes como derrames de petróleo, oriundo de plataformas offshore, a regulamentos de higiene e sanitagem, que evitam as vacas loucas criadas pela Tatcher, quando exterminou o organismo de vigilância agropecuário do reino unido, ou regulamentos do mercado de capitais que impeçam a Goldman Sachs de emprestar dinheiro à Grécia, ao mesmo tempo que aposta, à laia de seguro contra todos os riscos, em como essa mesma Grécia, a quem está a emprestar dinheiro a rodos, não vai conseguir pagar-lhe o empréstimo, fazendo assim com que os juros do empréstimo cresçam de forma vertiginosa, tornando o empréstimo de facto impagável. Mas não importa, a Goldman já lucrou no mercado de apostas, leia-se de futuros, mais do que lucraria com os juros dos empréstimos que, afinal, acabarão a ser pagos por todos nós através de mais um empréstimo do Banco Mundial, garantido pelo orçamento comunitário, leia-se pelos impostos que todos nós pagamos. Sim, porque se há coisa que a banca sabe fazer é cobrar um empréstimo, nem que para isso tenha de esperar que o bisneto do original devedor venda o palácio. Não, o que a Classe Dominante tem de nos explicar é que a desregulamentação de tudo e mais alguma coisa é absolutamente fundamental para que o desenvolvimento tecnológico, alimentado por essa desregulamentação, nos possa oferecer maior bem estar, mais e melhores produtos a preços mais convidativos, e que os lucros conseguidos pelo sistema financeiro com a desregulamentação dos mercados financeiros é essencial para os bancos, sem os quais óbvia e evidentemente não podemos passar, nos cobrem menos comissões e possam, vejam lá a candidez, baixar uns pontos percentuais nos juros dos empréstimos à habitação. Quanto à Banca Pública, vade retro satanás que ameaça a livre concorrência dos mercados.
Quanto tempo duraria o poder de uma ultraminoritária classe dominante que não conseguisse esconder, com uma muralha de mentira, a verdade de que ela deve o seu bem estar ao mal estar que provoca na imensa maioria dos restantes cidadãos?
É essencialmente por estas, mas também por outras, que a mentira, a repetição da mentira, a normalização da mentira é tão importante para a sobrevivência dos 1% detentores de 50% da riqueza. É por isso que é tão importante deixar claro, a todos nós, que os políticos são todos iguais, todos mentirosos, que não só mentem, como é a sua sobrevivência e não a dos seus patrões que depende da sua capacidade de mentir. E não nos preocupemos. Quando nós, a imensa maioria, tivermos finalmente compreendido que os políticos são todos iguais e todos uma cambada de aldrabões, a classe dominante cria, aduba e fortalece um qualquer novo sapo de loiça™ ainda mais mentiroso que, livre de quaisquer peias de realidade, e mentindo com a maior das imaginações e teatralidade, virá convencer-nos que o melhor é acabar com essa variedade de políticos aldrabões e entregar as nossas vidas nas mãos de um São Sebastião salvador. Ao menos será só um a roubar.
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