2019/08/06

Contrato ou Convenção?

Achei estranho o "ativista laboral" dizer que «se andava a falar muito dos mil euros mas que, em cima da mesa, estava toda uma convenção que ultrapassava em muito a questão dos mil euros» ele eram os mil euros e mais isto e mais aquilo. Achei estranho o senhor usar o termo convenção enquanto a FECTRANS anda a negociar com o patronato um Contrato Colectivo de Trabalho, mas a coisa entrou por um, saiu pelo outro, e foi arrumada na gaveta das imbecilidades dos recém chegados ao mundo do trabalho.

Depois vi a capa do público de hoje e percebi que não é uma imbecilidade. É mais um vigaro-neologismo(*) que a ideologia dominante se deve estar a preparar para introduzir no vocabulário dos incautos. Matam dois coelhos com uma cajadada (perdoe-me o PAN): substituem a incómoda sacrossanta obrigatoriedade contratual pela voluntária convencionalização entre amigos e removem o ideologicamente estafado "trabalho", uma chatice que nem se justifica em tempo de férias. Marotos os gajos hem?

Só para refrescar ideias aqui ficam outros exemplos de vígaro-neologismos(*) inventados nestes últimos anos:

«A CIA já não mata ninguém, neutraliza pessoas ou desocupa zonas. O governo já não mente, envolve-se em desinformação. O pentágono mede radiação numa coisa a que chama unidades de brilho solar. Os assassinos israelitas chamam-se comandos e os árabes terroristas».

Não sou eu que o digo, é um tal de George Carlin, comediante e ativista com um humor alegadamente bastante negro. Tomando-o como mote aproveito para listar alguns dos meus favoritos:

[Os] Activistas Laborais - Prova acabada do horror que o BE tem ao trabalho e aos sindicatos de classe é o novo conceito de activismo laboral, mais abrangente, menos proletário, mais intelectual [sei láá!] que serviu de chapéu para reunir as parcas centenas de adeptos do bloco que se ocupam dessas trivialidades. Antes chamávamos-lhes sindicalistas, sei láá!

Bairros Precários - Nada disso! Não, não são bairros com contratos a prazo. São os antigos e démodès bairros da lata, agora feitos de plástico, nylon e cartão, rebaptizados na capa do público de 2018/04/06.

Campos de Triagem - ... a criar em países do norte de áfrica ou do médio oriente. Errado! Não, não são campos de tendas brancas rodeados por cercas de madeira, com médicos e enfermeiros, destinados a conter epidemias de ébola ou de cólera. Campos de triagem é o eufemismo inventado pelos governos da UE para campos de tendas amarelas e telheiros, rodeados por arame farpado, destinados a "alojar temporariamente", leia-se, prender enquanto não morrerem, os migrantes resgatados das águas mediterrânicas, até se concluir se são legais por estarem a fugir das guerras que os governos da UE fomentaram nas terras deles, ou se são ilegais, por estarem a fugir da fome que os governos ocidentais fomentam em áfrica.

Campos de Retenção - ... a criar nos países da UE que para tal se voluntarizem. É verdade, a ideia é que sejam campos, não verdejantes campos de golfe rodeados de elevadas sebes, mas campos daqueles com barracos de madeira, ou tendas de campanha, ou uns telheiros de zinco rodeados de arame farpado. Chamávamos-lhes campos de concentração, lembram-se? E serviam para "concentrar" os diferentes a caminho do matadouro. Hoje os governos europeus decidiram abrir campos de concentração, perdão, de retenção, para prender, perdão, reter, migrantes que entrem ilegalmente no espaço da UE. Lembram-se? Nós chamávamos-lhes c a m p o s d e c o n c e n t r a ç ã o.

[Os] Colaboradores - Os trouxas que aceitam ver pago em "Espírito de Equipa" o trabalho que executam para o patrão. Antes chamávamos-lhes trabalhadores.

Convenção Colectiva - está aí para substituir o conhecido Contrato Colectivo de Trabalho. Vejam lá como o que se convencionou chamar modernização vocabular, dá um jeitaço para, de uma penada, remover duas incomodidades vocabulares. Substitui-se a sacrossanta obrigatoriedade de um Contrato por uma feminina modernidade, comum e voluntariamente "convencionada", e remove-se o incómodo e tão ideológico, cruzes canhoto, termo trabalho. O que resta? A bela voluntariedade colectiva, patronato e trabalho juntos na mesma luta até à escravização final de quem produz.

Ditadura Constitucionalizada - é o eufemismo que a lixívia da ideologia dominante encontrou para chamar ao salazarento fascismo, constitucionalizado num plebiscito onde os votos brancos, nulos e abstenções contaram como votos a favor, juntamente com os votos dos mortos, paralíticos e dos ausentes no estrangeiro que votaram pela mão do legionário chefe de quadra.

[As] Famílias - Anteriormente cidadãos contribuintes e trabalhadores, passaram a agora a ser tratados pelo termo a quem se "retira" ou "aumenta" os rendimentos ao sabor do dictat neo-liberal.

Movimento Social - no Aeroporto Paris-Charles De Gaule desapareceram as greves, agora só há movimentos sociais a atrasar voos da AirFrance. Acho que esta ainda não chegou cá.

[As] Reformas Estruturais - As «reformas estruturais» continuam sempre presentes no discurso do PSD e CDS-PP, ainda que os últimos anos tenham revelado o seu real significado: cortes nos salários, nas pensões, nos direitos e nos serviços públicos. Sinónimo desideologizado de recuo civilizacional, liberalização de mercados, desregulamentação legislativa e privatização de direitos.

Remuneração Mínima - a alternativa têvêista ao ideologíssimo Salário Mínimo Nacional, vulgo SMN, o famoso e perigosissimamente marxista salário ... buuuu ... fujam que vêm aí os bolcheviques com os salários deles, as explorações deles e as buuuuu ideológicas mais valias. Vamos acabar com os ultrapassados e passadistas salários do século XIX e substitui-los pelas ultra modernas remunerações high-tech.

(*) vigaro-neologismo - Trata-se de um "substantivo" neologismo inventado pela @Refer&ncia para "adjectivar" os neologismos inventados pelos vigaristas ao serviço do capital com o intuito de aprofundar a vigarização desinformativa :-)

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