2025/09/05

O Elevador da Glória e as 16 Vitimas da Ganância Neoliberal

Vamos ver se arranjamos aqui espaço para alguns dos textos que merecem ser preservados para futura Refer&ncia

(Raquel Varela, FaceBook 04/09/2025)
Aprendi com os meus colegas nos estudos sobre as condições de trabalho muito, hoje destaco três coisas: não existem "erros humanos"; e "acidentes" são raros. E vivemos uma gigante mentira liberal, a da "qualidade total" e a "certificação" - é tudo uma despudorada mentira, feita com base em estatísticas e inquéritos sem validade científica, os mesmo que a IA e o algoritmo usam...Por isso as lágrimas de Moedas creio-as desprezíveis. Lamento cada uma das vítimas e suas famílias.

Há 20 anos que trabalho com uma equipa multidisciplinar no OObservatório para as Condições de Vida - OCV onde realizámos estudos envolvendo situações de risco, em que no conjunto responderam mais de 40 mil trabalhadores a mais de 160 questões, com grupos focais (dos portos, CP, TAP, Metro, professores, enfermeiros, jornalistas e muitos outros). Somos quase 20, de áreas muito distintas (da sociologia à psicologia, da Engenharia à medicina, da segurança no trabalho ao direito, da história à teoria literária, e outros).

O erro é a forma natural do trabalho porque aquilo que nos faz trabalhar bem (fazer sem pensar, porque o nosso corpo sabe o que faz, treinou, registou) é o mesmo que nos faz errar. Ninguém pode dar uma aula ou apertar um parafuso se pensar a cada segundo o que faz, e é por isso que erra. Ninguém conduz a pensar a cada segundo. Interioriza os procedimentos. Por isso existem mecanismos de redundância, organização cooperativa, descanso, sono tranquilo, apoio dos mais velhos que sabem mais, felicidade, tudo isso não evita o erro, mas está lá, a ampará-lo quando ele se dá.

A segunda coisa que aprendi no meu querido OObservatório para as Condições de Vida - OCV com os meus colegas da literatura (talvez o único lugar em Portugal em que estão junto de engenheiros) é que as palavras têm vida. Não há "acidente" algum neste caso. Há, confirmando-se o que se avançou sobre a manutenção, incúria, crime, descaso, e sem que se comece, como em França, a condenar com prisão efectiva os dirigentes políticos e gestores que tomam estas decisões, nada mudará.

A subcontratação precária, insegurança no emprego, salários baixos, horários de trabalho doentios (que o Governo quer aumentar com novos esquemas), e aumentar, carregar, pressionar, é isso que fazem as direcções. Ameaçam. E despacham os mais velhos, que mais sabem, com rescisões amigáveis à força, quebram as equipas, pressionam ainda mais quem está com o trabalho real nas mãos e diz (ou sequer diz com medo), "as peças estão estragadas", "os alunos não estão a aprender", "os doentes não estão a ser tratados". Se tudo se confirmar não há acidente, há homicídio por negligência ou outra moldura penal qualquer. Como houve nas passagens de nível onde morrem e ficam feridas dezenas de pessoas, como em Tunes (5 jovens holandeses, entre muitos outros), depois do Sindicato avisar vezes sem conta dos lugares de morte na linha férrea. Como há nas estradas, entre motoristas ou passageiros, uma guerra civil, de centenas todos os anos, já normalizada como "mais um acidente"; como há nas fábricas e logística, mais de 100 mortos todos os anos, dados como apenas mais um "acidente" de trabalho. Como há quando no Metro do Porto na manutenção avisam que trabalham sem os mínimos. E no de Lisboa lutam para não haver manobras que levem a abrir portas do Metro do lado errado da linha. Tudo isto publicámos em estudos. É conhecido. São este sectores, os serviços públicos e de transportes, os últimos que não têm medo de fazer greve (porque nas pequenas empresas privadas todos têm medo), que o Governo quer atacar colocando em causa do direito de greve por melhores condições de trabalho.

Lisboa não está de luto, Lisboa não é uma marca, quem está de luto é a família do guarda-freio, são as famílias dos que morreram. Foi a água contaminada, o apagão, os fogos e a destruição de casas e vidas, os ataques cardíacos sem assistência, as grávidas e bebés mortos, com urgências fechadas, nada disto são acidentes, isto é o colapso do país das "contas certas". Isto é a política da UE que diz que contratar funcionários públicos é um gasto, mas pagar a banqueiros é uma obrigação. Isto é a política obscena militar que diz que a guerra "é um investimento que cria emprego". Isto é um Estado que em vez de nos proteger - para quem alguma vez acreditou em tal - passou a ser uma ameaça às nossas vidas. Este Estado não é num acidente, é uma tragédia. Em que os responsáveis não estão na fila do hospital, nunca ligaram para um serviço que não atende, têm o telemóvel do seu médico amigo, não fazem ideia do que é apanhar um comboio, andam de jacto privado, têm os filhos em colégios de 20 mil euros ano. Nós ficamos com as tragédias, eles com o lucro. É o mesmo Estado que diz aos sindicatos "não façam política". Quando a única coisa que há a fazer para nos salvarmos é Política. É todos nos organizarmos e agirmos e defender a causa pública, com greves, manifestações, acções concretas. E os sindicatos fazerem Política, sem medo da palavra, não a deixando aos políticos profissionais, mostrando a realidade, lutando por outro país. Ou isso ou ficar a ouvir discursos de políticos que nos dizem "não se metam que isso é político".

(Tiago Franco, FaceBook, 2025/09/04)
SEM GLÓRIA - parte 2
Escrevo poucas horas depois do trágico acidente no elevador da Glória. Já absolutamente entupido com as horas de diretos televisivos, destinados a transformar a dor em audiência, e com jornalistas, em esforço, a fazer o possível para encher reportagens sem informação. Aqui, como em qualquer tragédia em Portugal, uma palavra de destaque para a RTP, que é o único meio de comunicação social que, aparentemente, se preocupa em transmitir algo útil para informar quem os ouve, em vez de se multiplicarem em diretos sensationalistas sem qualquer interesse informativo.

A pergunta mais repetida é "o que falhou" e até Marcelo, o presidente omnipresente nas tragédias, já a fez. Pediu um rápido esclarecimento por parte das autoridades, e algo me diz que essa celeridade terá que esperar um pouco. Mais não fosse pelo fim das autárquicas.

Sendo a Carris a empresa responsável pelo elevador e, por sua vez, a Câmara de Lisboa a entidade controladora, não há grande volta a dar na procura do responsável político. Carlos Moedas estará debaixo de fogo, mas, como já se percebeu nas primeiras declarações, alguém pagará por ele. Era o que faltava: o edil de Lisboa, responsável pela prestação do serviço de transporte, arcar com as consequências políticas do pior acidente de que há memória no último século, na autarquia que preside. Era, de facto, o que faltava!

Amontoam-se as teorias sobre cabos e manutenções, muito ruído e especulação que, para já, disfarça o silêncio e a tentativa de fuga dos verdadeiros responsáveis. Os habituais abutres da direita começaram por atacar a Carris e a sua gestão pública, até perceberem que, só para chatear, a manutenção estava entregue a uma empresa privada, sob o protesto veemente dos trabalhadores da Carris. Trabalhadores esses que, já agora, alertavam há muito tempo para as falhas de manutenção e de conhecimento da empresa prestadora de serviços, defendendo que essa tarefa deveria voltar para os quadros da Carris.

Em 2024, o deputado municipal (BE), Ricardo Moreira, alertava para um corte de 4 milhões de euros na Carris, destinados ao Web Summit, esse evento tão crucial para a população de Lisboa. O jornal Página UM denuncia hoje que a CML tinha deixado caducar os contratos de manutenção por não ter recebido propostas dentro dos valores considerados razoáveis pela autarquia. Ou seja, Moedas cortou financiamento à Carris para entregá-lo a Paddy Cosgrave, retirou a manutenção de quem a sabia fazer para entregá-la a empresas privadas e, no final, nem com elas ficou porque não gostou do preço. Meus amigos... isto são escolhas políticas. E, como neste caso foram comprovadamente más, não é necessário pensar muito ou dar muitas voltas para encontrar o principal culpado.

Lisboa é notícia na imprensa mundial pelas piores razões. Uma vergonha que caiu sobre a cidade durante a pior e mais incompetente liderança que a capital portuguesa já conheceu. Uma cidade transformada num parque de diversões, onde os locais, empurrados para a periferia, já não conseguem viver e suportar o custo de vida. Uma cidade absolutamente voltada para os habitantes temporários, o turismo, os visitantes de uma realidade que já não é local. E uma cidade que, mesmo assim, nem consegue garantir que quem nos visita desça uma pequena colina sem morrer. Há acidentes que a natureza nos oferece e sobre os quais não temos qualquer poder. Não é o caso deste. Os trabalhadores públicos, tantas vezes desprezados, deram o alerta. Os sindicatos, tantas vezes ignorados, avisaram dos perigos. A oposição política de esquerda tentou, sem sucesso, convencer o "rei sol". Mas Moedas, no seu gabinete, preocupado com paquistaneses e comemorações do 25 de Novembro, não os ouviu.

Fosse Carlos Moedas digno do cargo que ocupa e estaria, neste momento, a ler a sua carta de despedimento. Mas, como não é, e esse, tal como a responsabilidade desta tragédia, é um facto que não deixa margem para dúvidas, veremos o anasalado edil de Lisboa a prosseguir na fuga para a frente. Pessoalmente, e tendo em conta o panorama político atual, ainda espero ver Ventura, no TikTok, vestido de Homem-Aranha, a segurar o elétrico com uma teia, e Mariana Leitão, de megafone nos Restauradores, a exigir a privatização da Carris. O meu lamento, envergonhado, é para quem escolheu visitar Lisboa e já não regressou a casa.
Ps - texto escrito, inicialmente, para um jornal online

2025/09/04

Sobre o Genocídio do Povo Palestiniano Pelas Mãos do Fundamentalismo Sionista

Uma flotilha maciça como sintoma: o que está a acontecer no Ocidente? 
(Carmen Parejo Rendón, RT 04/09/2025)


Estamos a viver quase dois anos de genocídio televisionado em Gaza. O Ministério da Saúde palestiniano reporta 63.700 mortes, incluindo profissionais de saúde e jornalistas, enquanto outros estudos independentes estimam o número entre 70.000 e mais de 80.000, quando se consideram mortes indirectas por fome ou pelo colapso do sistema de saúde.

Em plena luz do dia, hospitais e escolas são bombardeados, civis são executados e o acesso à ajuda humanitária é bloqueado. A fome é utilizada como ferramenta de guerra: as rotas de abastecimento são destruídas, aqueles que tentam distribuir ou recolher alimentos são mortos e as fronteiras são bloqueadas. O direito internacional classifica estes actos como crimes de guerra e genocídio, mas Israel fez destes critérios o seu guião. Isto não é novidade: já lá vão 70 anos de limpeza étnica na Palestina. Mas hoje, tudo acontece em direto, com câmaras e ecrãs a mostrar mutilações, crianças mortas, hospitais pulverizados. A característica definidora deste momento histórico não é a violência — que sempre existiu —, mas antes a descarada impunidade demonstrada.

Para compreender esta impunidade, é essencial recordar que Israel é, acima de tudo, uma base de operações ocidental no Médio Oriente, construída sobre um projecto colonial. O sionismo, enquanto ideologia política, nunca alcançou a maioria entre os judeus; aliás, durante décadas foi fortemente questionado pelas próprias comunidades judaicas, tanto religiosas como assimiladas, nos seus países de origem.

Só no meio da dor extrema, após a catástrofe do Holocausto, é que as potências coloniais viram uma oportunidade, usando este sofrimento como álibi, para estabelecer um enclave que servisse os seus interesses. A versão mais cínica de um anti-semitismo histórico: expulsar os judeus europeus para os utilizar para os seus próprios fins estratégicos. Em primeiro lugar, foi o Império Britânico, que em 1917 assinou a Declaração de Balfour, prometendo aos sionistas um "lar nacional" na Palestina, ignorando deliberadamente os seus habitantes nativos.

Posteriormente, foram os EUA que assumiram o controle, garantindo o financiamento, as armas, a impunidade diplomática e a cobertura mediática. Neste sentido, devemos deixar claro que Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque é que lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos. Israel é o cão de ataque do imperialismo numa área-chave para os recursos, a logística e a resiliência global.

Israel não é um actor autónomo, mas um projecto supervisionado e armado pelas potências que necessitam de controlar a região: a sua localização estratégica, a sua indústria militar e o seu papel na vigilância regional explicam porque lhe é permitido fazer o que outros enfrentariam com sanções e bombardeamentos.

Neste contexto, a Flotilha Global Sumud, actualmente a navegar em direcção a Gaza, não é um gesto isolado nem uma improvisação recente. É a continuação de uma iniciativa iniciada em 2008, apenas dois anos depois de Israel ter imposto o seu sufocante bloqueio à Faixa de Gaza como punição colectiva contra o povo que votou no Hamas nas eleições de 2006.

Desde então, várias flotilhas partiram desafiando o cerco marítimo, incluindo uma que incluía o navio turco Mavi Marmara, que, em 2010, foi atacado por comandos israelitas que mataram dez ativistas em águas internacionais. Hoje, em 2025, está a ser organizada a maior missão deste tipo, com embarcações de vários portos do Mediterrâneo e até a participação de figuras conhecidas. Em resposta, o Ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, propôs classificar os tripulantes destas embarcações como "terroristas", pois a crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que as suas estratégias de propaganda e chantagem diplomática já não estão a ter o mesmo efeito e exploram agora directamente o medo.

Esta rutura com a narrativa ocidental reflete-se também nas ruas, universidades e recintos desportivos. Vimos isso ainda ontem, quando a Vuelta a Espanha teve de ser interrompida três quilómetros antes da meta em Bilbau devido aos protestos dos cidadãos contra o genocídio e à participação de uma equipa israelita.

A crescente solidariedade com o povo palestiniano demonstra que a propaganda e as estratégias de chantagem diplomática de Israel já não estão a ter o mesmo efeito e recorrem agora directamente ao medo.

"A Palestina ganhou esta etapa", manchetes de alguns órgãos de comunicação espanhóis, antes de retificar — provavelmente sob pressão — o que era politicamente óbvio. Porque, no meio da falta de subtileza que estamos a viver, cada vez mais pessoas estão também a aperceber-se da insustentabilidade do duplo critério ocidental: a Rússia foi excluída das competições internacionais não por estar em guerra — porque, se esse fosse o critério, os EUA e grande parte da Europa estariam fora durante décadas —, mas por razões estritamente geopolíticas. Os mesmos que hoje permitem a Israel, enquanto perpetra genocídio diante das câmaras, ganhar prémios na Eurovisão, no desporto global e em todas as montras institucionais. Não se trata de legalidade, muito menos de valores ou princípios, mas de propaganda ao serviço do poder, e o povo começa a compreender. Está a começar a ver quem é quem no tabuleiro.

Perante este despertar, a repressão aumenta. O argumentista Paul Laverty foi detido no Reino Unido por usar uma t-shirt antigenocídio e aguarda julgamento por "terrorismo". Nos EUA, estudantes e professores são perseguidos, despedidos e criminalizados por demonstrarem solidariedade para com a Palestina. Assim, o mapa do horror fica completo: a barbárie em Gaza e a ordem de silêncio no Ocidente, duas faces da mesma moeda. Aquilo a que estamos a assistir é muito mais do que uma sucessão de protestos: é o despertar de uma consciência internacional que já não aceita ser cúmplice e que, aos poucos, parece começar a reconhecer o inimigo.

A flotilha por si só não impedirá o genocídio. Não abalará Israel. Mas desafia a retórica que o sustenta e expõe a cisão entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime.

A flotilha é apenas mais uma expressão — visível e mediática — de um profundo descontentamento que se espalha pelo planeta. Em Génova, os estivadores alertaram: se perdermos o contacto com os navios da flotilha, bloquearemos a Europa. Um alerta que ressoa como um eco das lutas operárias do século XX, mas adaptado à urgência de hoje. Já não falamos apenas de direitos laborais, mas de ligar tudo: um sistema que assassina em Gaza com as mesmas mãos que empobrecem e exploram todo o planeta.

A solidariedade com a Palestina já não é um exclusivo dos activistas ou dos militantes: é também a forma como as pessoas expressam, consciente ou inconscientemente, a sua rejeição de uma ordem internacional que viola sistematicamente os direitos e a vida e cuja narrativa, repleta de incoerências, começa a desfazer-se.

A flotilha por si só não irá travar o genocídio. Nem fará tremer Israel. Mas desafia a retórica que a sustenta e expõe a fractura entre governos cúmplices e pessoas que já não querem participar no crime. Revela um fosso cada vez maior entre a impunidade institucionalizada e a dignidade organizada de baixo para cima. Enquanto as elites ocidentais se agarram à sua criação colonial no Médio Oriente, o povo nega que não participará no extermínio.

Esta é a verdadeira ameaça representada pela flotilha: não os navios, mas o crescente questionamento que bate às portas dos lares e se reflete neles. Hoje, a linha vermelha está a ser traçada pelo povo porque as elites ocidentais chegaram a tais extremos que o que está em causa agora é a autodefinição perante a evidência total da barbárie.


2025/08/27

A Opinião da Srª Victoria [Fuck Europe] Nuland sobre a Destruição do NordStream

Victoria Nuland: "Estamos muito satisfeitos por saber que o Nord Stream 2 se tornou um monte de sucata no fundo do mar"
(RT, 27/01/2023)

Esta foi a opinião da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, que usou as mesmas palavras para descrever o gasoduto há um ano.

As autoridades norte-americanas estão satisfeitas por saber que o gasoduto Nord Stream 2 sofreu grandes explosões no final de Setembro do ano passado, de acordo com declarações da Subsecretária de Estado para os Assuntos Políticos, Victoria Nuland, durante uma audição da Comissão de Relações Exteriores do Senado na quinta-feira.

Conversando com o senador republicano Ted Cruz sobre as sanções dos EUA contra Moscovo e o gasoduto, a funcionária disse: "Senador Cruz, eu, tal como o senhor... e, creio, como todo o governo presidencial... estou muito satisfeito por saber que o Nord Stream 2 se tornou, como disse, uma pilha de sucata no fundo do mar."

De notar que há exatamente um ano, a 27 de janeiro de 2022, Nuland disse praticamente a mesma coisa ao discutir a prontidão do Nord Stream 2 com o jornalista da AP, Matt Lee.

"Em relação ao Nord Stream 2, disse repetidamente que, se a Rússia invadir a Ucrânia, de uma forma ou de outra, o gasoduto não avançará. Foi isso que disse. [...] Mas o Nord Stream 2 está concluído. [...] Tudo o que têm de fazer é colocá-lo em funcionamento. Então, quando diz que não avançará, quer dizer que não abrirá para fornecer gás?", questionou o correspondente.

Por sua vez, Nuland afirmou que o gasoduto não estava pronto para ser posto em funcionamento, pois "não tinha sido testado, não tinha sido certificado". "Como o senador Cruz gosta de dizer, 'actualmente é um monte de sucata no fundo do mar'." "Precisa de ser testado, precisa de ser certificado...", disse.

A 26 de Setembro, os gasodutos foram atingidos por fortes explosões nas zonas económicas exclusivas da Suécia e da Dinamarca. Na sequência disso foram detetadas fugas de gás no mar, e as autoridades de vários países atribuíram os incidentes a possíveis atos de sabotagem.

Segundo o Presidente russo, Vladimir Putin, por trás destes ataques estava alguém "tecnicamente capaz de organizar as explosões e que já tinha recorrido a tal sabotagem, tendo sido apanhado em flagrante, mas impune". O presidente indicou ainda que o incidente foi benéfico para os Estados Unidos, que agora "podem fornecer recursos energéticos a preços mais elevados".

Por sua vez, o Ministério da Defesa russo denunciou a 29 de outubro que especialistas da Marinha Real Britânica estavam envolvidos nos ataques aos gasodutos no Mar Báltico.

A Única Teoria Credível Sobre a Destruição do NordStream

Jornalista lendário afirma que mergulhadores americanos fizeram explodir o oleoduto Nord Stream
(RT Castelhano, 08/02/2023)

De acordo com um artigo de Seymour Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, Joe Biden decidiu sabotar o oleoduto Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional.

O lendário repórter Seymour Hersh fez uma revelação chocante no seu artigo "Como os EUA destruiram o oleoduto Nord Stream", publicado no seu blogue pessoal na quarta-feira. Hersh, vencedor do Prémio Pulitzer de 1970, afirmou que os mergulhadores da Marinha dos EUA colocaram os explosivos sob o oleoduto Nord Stream em junho de 2022.

De acordo com uma fonte familiarizada com o assunto, a operação foi realizada sob a cobertura dos exercícios BALTOPS 22 da NATO. Três meses depois, os dispositivos foram ativados remotamente para destruir os oleodutos.

Sem surpresa, a Casa Branca rejeitou quaisquer acusações que ligassem os EUA às explosões, apesar da visão de Joe Biden de que os gasodutos seriam um meio que permitiria a Vladimir Putin usar "o gás natural como arma para as suas ambições políticas e territoriais".

Adrienne Watson, porta-voz da Casa Branca, classificou tais suposições como "uma ficção completamente falsa", enquanto Tammy Thorp, porta-voz da Agência Central de Inteligência (CIA), comentou de forma semelhante, afirmando que "esta alegação é completa e absolutamente falsa", recorda a jornalista.

De acordo com o seu artigo, Biden decidiu sabotar o Nord Stream após mais de nove meses de discussões secretas com a equipa de segurança nacional de Washington, explorando diferentes abordagens para encontrar a melhor.

"Durante grande parte desse tempo, a questão não era se a missão deveria ser executada", mas como fazê-la sem deixar provas claras "de quem era o responsável", disse Hersh. Dado que as explosões ocorreram no meio de hostilidades entre Moscovo e Kiev, qualquer "acção que pudesse ser atribuída ao governo violaria as promessas dos EUA de minimizar o conflito directo com a Rússia. O secretismo era essencial".

A Elaboração do Plano

À medida que as tensões entre a Ucrânia e Moscovo aumentavam, o governo de Biden também se concentrou no Nord Stream. "Enquanto a Europa continuasse a depender dos gasodutos para gás natural barato, Washington temia que países como a Alemanha estivessem relutantes em fornecer à Ucrânia o dinheiro e as armas necessárias para derrotar a Rússia", escreveu o repórter, referindo que "foi neste momento instável que Biden autorizou Jake Sullivan [Conselheiro de Segurança Nacional] a convocar um grupo interagências para elaborar um plano".

"O que ficou claro para os participantes, de acordo com a fonte com conhecimento direto do caso, é que Sullivan pretendia que o grupo apresentasse um plano para destruir os dois oleodutos Nord Stream e que estava a cumprir a vontade do presidente", lê-se no artigo.

Num primeiro momento, a Marinha propôs a utilização de um submarino para atacar o oleoduto diretamente, enquanto a Força Aérea considerou o lançamento de bombas com espoletas de retardamento que pudessem ser ativadas remotamente. No entanto, a CIA insistiu que qualquer método teria de ser secreto. "Isto não é uma brincadeira de crianças", disse a fonte, acrescentando que, se o ataque pudesse ser rastreado até aos Estados Unidos, seria interpretado como "um ato de guerra".

Neste contexto, a força-tarefa da CIA trabalhou para desenvolver um plano para uma operação secreta que utilizaria mergulhadores de profundidade para provocar uma explosão, embora a ideia tenha sido inicialmente recebida com ceticismo por membros do grupo interagências. Um dos factores que os preocupava era que as águas do Mar Báltico eram fortemente patrulhadas pela Marinha Russa e não existiam plataformas petrolíferas que pudessem ser utilizadas como cobertura para uma operação de mergulho.

A Operação

Para dar continuidade ao plano, os americanos decidiram pedir ajuda à Noruega. "Eles odiavam os russos, e a Marinha Norueguesa estava repleta de excelentes marinheiros e mergulhadores, com gerações de experiência na exploração altamente lucrativa de petróleo e gás em águas profundas", disse a fonte, acrescentando que os noruegueses saberiam como manter as coisas em segredo, uma vez que destruir o Nord Stream lhes permitiria vender muito mais gás natural à Europa.

Em março, alguns membros da equipa voaram dos EUA para a Noruega para se reunirem com o Serviço Secreto e a Marinha Norueguesa. "Uma das principais questões era exatamente onde no Mar Báltico seria o melhor local para plantar os explosivos", explicou o jornalista. Os noruegueses não desiludiram e rapidamente encontraram o local certo.

Posteriormente, decidiu-se que uma sonobóia seria lançada à água, emitindo "uma sequência de sons tonais únicos e de baixa frequência, muito semelhantes aos emitidos por uma flauta ou piano", que seriam reconhecidos pelo temporizador para a ativar e detonar os oleodutos.

A 26 de setembro de 2022, uma aeronave de vigilância da Marinha Norueguesa realizou um voo aparentemente rotineiro e lançou uma sonobóia. "O sinal estendeu-se debaixo de água, inicialmente até ao Nord Stream 2 e depois até ao Nord Stream 1." Poucas horas depois, os explosivos de alta potência foram ativados e "três dos quatro oleodutos foram desativados". "Em poucos minutos, as bolsas de gás metano que restavam nos oleodutos fechados podiam ser vistas a espalhar-se pela superfície da água, e o mundo soube que algo irreversível tinha acontecido", concluía o artigo.

Quem é Hersh?

Seymour Hersh é um famoso jornalista norte-americano que ganhou o Prémio Pulitzer pela sua cobertura da Guerra do Vietname. O repórter tem sido o flagelo dos presidentes dos EUA desde a década de 1960 e já foi descrito pelo Partido Republicano como "a coisa mais próxima que o jornalismo americano tem do terrorismo".

Com apenas 30 anos, cobriu o massacre de My Lai, no Vietname, e foi o primeiro a reportar o bombardeamento do Camboja. Expôs a espionagem da CIA em solo americano contra ativistas anti-guerra e o plano de golpe contra Salvador Allende no Chile. Os seus artigos também ajudaram Washington a restringir o seu programa de armas químicas. Hersh alertou ainda para a falácia das armas nucleares no Iraque e expôs a tortura na prisão de Abu Ghraib.

2025/07/23

A Mentira na Politica

"A Mentira na Política" 

 
O Nascimento de Fachus by Vieira Ressurected

Não é de estranhar que a usual abordagem à mentira na política, parta de um conjunto de pressupostos errados, para acabar numas águas mais ou menos turvas, eivadas de sins, mas tambéns, e vejam lá, pensem melhor sobre o assunto, quando, neste momento, já não há lugar para rodriguinhos: o sapo de loiça™ é um mentiroso compulsivo. Sim, nasceu, cresceu e fortificou-se num ambiente de governação mentirosa, apaparicado pelos leilões de audiências do espaço de infoentretenimento vendido aos anunciantes, mas, no cerne, está apenas e tão só um reles sapo de loiça™ mentiroso.

Mas, afirmava eu, antes de me perder em explicações escatológicas para o milagre do nascimento do sapo de loiça, não estranhar que a normal, usual e rotineira abordagem à mentira na política parta de um conjunto de pressupostos errados.

Não é em vão que vivemos imersos na ideologia dominante, a tal ponto que nem a conseguimos ver como ideologia. É como o ar que nos rodeia ou a água onde nadam os peixes: não o vemos, não o ouvimos, está aqui e nem o sentimos apesar de vivermos nele imersos.

Dizia Marx: "A ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante, reproduz-se", naturalmente, acrescento eu frisando a vertente orgânica do pensamento, implícita na frase do jovem filósofo alemão do século XIX, para quem, e volto a reproduzi-lo, livremente e de cor, "A filosofia se ocupou em explicar o mundo quando o que de facto importa é transformá-lo".

Implícita mas não explicitamente, e é por isso que a vou repetir, novamente, com a sua implícita orgânica naturalidade como explicito epílogo.

"A Ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante reproduz-se", organicamente, com naturalidade, imperceptivelmente.

Deixem-me repetir estes dois mantras que me têm acompanhado desde a puberdade, quando alguém me impingiu uns caderninhos coloridos escritos pela Marta Harnecker e a Gabriela Uribe.

- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da classe dominante reproduz-se.

e

- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.

Bom! E sobre a mentira e o mentiroso que nos trouxe aqui? Sobre a mentira, o mais relevante é reconhecer que ela é,   s e m p r e   e sob qualquer forma, cor ou tamanho: moral e mesmo eticamente i n a c e i t á v e l. Ponto.

Poderia frisar com o famoso "ponto final parágrafo, travessão na outra linha" dos ditados que infernizaram a minha infância, mas fiquemo-nos pela versão resumida: a mentira é inaceitável ponto!

De exclamação, concordo. A afirmação é suficientemente pomposa para reclamar mais do que um sonoro, bem sei, mas breve, ponto.

Creio até que, pelo seu peso, merece mais uma mantra, desta vez oriunda do mais do que pragmático jovem intelectual revolucionário Vladimir Ilitch, Lénine para os mais chegados, falecido ali pelos primeiros quartéis do século passado:

- "Só a verdade é revolucionária!"

Já não me lembro bem quando, nem onde, nem a que propósito terá o então jovem revolucionário dito tal verdade, mas gostaria de usar mais esta mantra para nos guiar numa viagem de vastos parágrafos, pelo mesmo mundo, olhado com outros pressupostos.

Proponho-vos, assim, partir de um quadro mental mais fora da caixa para a abordagem d'A Mentira na Política. Proponho-vos tentar partir de um quadro mental menos embebido em ideologia dominante. Um quadro mental baseado, não na Ideologia Dominante, não no pensamento dos intelectuais do sistema, isto é, não no pensamento de intelectuais preocupados em explicar o sistema como ele é, como deveria ser, ou como aparenta ser, como o fizeram o cidadão grego Platão, num tempo em que ser cidadão era pertencer à classe dominante, a única com direito de voto, o serviçal renascentista Maquiavel, serventuário bem pago pelo Príncipe da classe dominante a quem dedicou uma cuidada descrição dos pontos fortes do César Bórgia, ou o filósofo burguês Nietzsche, mas sim, aceitando como pressupostos, as três referidas mantras a que irei brevemente acrescentar uma quarta, para a qual só recentemente despertei, graças a uma Filósofa portuguesa de origem brasileira que tive o prazer de "ouver" há uns meses numa maravilhosa "Sociedade Civil" da RTP 2 dedicada à ... mentira na política.

Ponto de ordem à mesa para repetição das mantras que tomaremos como pressupostos na nossa, mais minha e para a qual vos quero arrastar, caminhada.

- A Ideologia Dominante, isto é, a Ideologia da Classe Dominante reproduz-se.

- Muitos filósofos tentaram explicar o mundo, mas o que importa é transformá-lo.

- Só a verdade é revolucionária.

E, como corolário, um outro pressuposto mais aceitável pela ideologia dominante e, no entanto, verdadeiramente revolucionário, porque indiscutível e universalmente verdadeiro:

- "Quem fala verdade é refém dessa mesma verdade, vê o seu discurso limitado pelas baias dessa verdade, ao passo que quem mente, é livre para mentir no mais vasto universo das mentiras limitado apenas pela imaginação do mentiroso."

Resumindo: a verdade é castradora enquanto a mentira é libertadora.

Uuuoooppss!

Diz-nos a tal Filósofa de quem não recordo o nome, mas para quem poderão, com a facilidade própria da vossa juventude, fazer o favor de encontrar nome, filiação, data de nascimento, biografia e bibliografia, assim haja tempo e vontade.

Sobre esta última mantra vou elaborar um bocadinho, sobre as outras, de tão antigas, tão trabalhadas, tão glosadas, peço-vos que as aceitem como pressupostos. São outros, diferentes dos usuais, bem sei. Mas são alguns dos que, como dizem por aí os websummiters, nos podem ajudar a pensar fora da caixa.

Divaguemos então um pedaço sobre as limitações impostas pela verdade e as liberdades de oratória proporcionadas a quem mais livremente mente e, sim, liberdades só limitadas pela imaginação do mentiroso.

A verdade é sempre uma e só uma, é o facto, é a factual realidade, mesmo quando quântica, mesmo quando indeterminística, mesmo quando o gato pode estar vivo ou morto, enquanto não for observado, e assim permanecer naquele estado quântico de vivo e morto, ao mesmo tempo, a verdade é que, enquanto não abrirmos a caixa, "O Gato" está vivo e morto, simultaneamente, não "não está", nem "deixa de estar", nem "não existe", nem "está na lua", nem "em marte", nem "é imigrante", nem "emigrante", nem "branco", nem "preto", nem "amarelo", ele está, enquanto não abrirmos a caixa, "vivo e morto" e, depois de aberta a caixa, vivo ou morto, mas a verdade é sempre, em cada momento, uma única e não a variedade de mentiras que sobre o gato enquanto gato, ou lebre, ou perdiz poderíamos tecer apenas limitadas pela nossa imaginação.

E sim, a verdade também é algo de completamente diferente das variadíssimas opiniões que possam ser formuladas sobre essa verdade, opiniões essas que podem, essas sim, enquanto apenas algumas das possíveis mil e uma mentiras em redor dessa verdade, serem apresentadas como verdades alternativas, outras verdades, que como vimos paradoxalmente não existem. A verdade era só uma, a que antecedeu as opiniões mais tarde sobre ela formuladas e depois tentativamente apresentadas como verdades.

Sim, quem mente tem muito mais liberdade oratória do que quem diz a verdade que, por estar limitada/o à verdade só se pode repetir num discurso facilmente apelidado de: Está sempre a dizer a mesma coisa.

Pois! A verdade.

Enquanto a verdade for aquela, o discurso não tem campo para ser diferente.

Já para o mentiroso, há sempre uma nova mentira, uma novidade, uma outra mentira, outro falso argumento que consolide a mentira original. Sim para o sedutor e eticamente reprovável mentiroso, sim, não apenas moralmente, mas mesmo eticamente reprovável mentiroso sapo de loiça™ , à revelia do que Platão e Nietzsche afirmam ser, e que Maquiavel, dando mais uns passos em direção ao precipício da iniquidade, defende que deve ser, que deve mesmo ser para que o Príncipe daí tire vantagens, uoops, acabei de tropeçar na Razão de Ser da Mentira para sobrevivência da classe dominante, mas deixemos a pedra no sitio, para nela podermos continuar a tropeçar até ao final deste escrito, dizia, para o sedutor e moralmente mentiroso, a oratória está livre para incluir qualquer mentira que ajude a sedimentar a mentira original.

E sim, a pedra em que tropeçámos é a rocha que a ideologia dominante tenta descaradamente esconder da multidão dos restantes, a saber, a mentira é essencial para que a minoritária Classe Dominante possa continuar a enganar, leia-se textualmente oprimir, a imensa maioria dos produtores.

Só à classe dominante interessa moralizar e normalizar a mentira, afinal, essa Classe Dominante não pode simplesmente dizer à multidão dos outros, sob pena de essa imensa maioria acabar por lhe ir aos brioches, que a mais valia por eles socialmente produzida está a ser privadamente apropriada pelos detentores dos meios de produção. O que a minoritária Classe Dominante tem de "explicar", à imensa maioria, é que é graças a ela, classe dominante, que eles têm um emprego que lhes permite adquirir os bens de consumo, produzidos nas fábricas dessa classe dominante, candidamente omitindo, de passagem, por quem são esses bens produzidos.

Ou ainda que o negócio privado da doença existe, para que os acionistas das empresas que detêm esse negócio se encham à tripa forra, com as prestações dos seguros de saúde sobre a doença alheia, e que a existência de um serviço de saúde gratuito, porque financiado pela imensa maioria dos explorados e, também, a contra gosto, pelos parcos impostos pagos pelos restantes 1%, é um verdadeiro atentado ao divino direito do Príncipe de viver à custa da doença alheia. O que a Classe Dominante, através dos seus arautos mediáticos e restantes sapos de loiça mentirosos, se vê forçada a fazer, em nome da sua sobrevivência e da sua sacrossanta apropriação de mais valias, é ensinar à imensa maioria dos restantes cidadãos que um serviço de saúde público, o único que pode ser gratuito, é ineficiente, nem que para isso tenha de ser subfinanciado, demasiado dispendioso, nem que para isso tenha de o obrigar a adquirir medicamentos, exames e análises ao negócio privado da doença a preços de mercado, carente de médicos, nem que para isso lhes tenha de acabar com as carreiras e de os sobrecarregar com horas extraordinárias, até que todos eles emigrem para o negócio privado da doença.

Ou mesmo que a desregulação dos mercados de capitais, de energia, de alimentos, de comunicações, de tudo e mais alguma coisa, é crucial para aumentar a mais valia socialmente produzida, através das poupanças nos meios de produção, tanto mais caros quanto mais sujeitos a regulamentos ambientais, que evitam catástrofes como derrames de petróleo, oriundo de plataformas offshore, a regulamentos de higiene e sanitagem, que evitam as vacas loucas criadas pela Tatcher, quando exterminou o organismo de vigilância agropecuário do reino unido, ou regulamentos do mercado de capitais que impeçam a Goldman Sachs de emprestar dinheiro à Grécia, ao mesmo tempo que aposta, à laia de seguro contra todos os riscos, em como essa mesma Grécia, a quem está a emprestar dinheiro a rodos, não vai conseguir pagar-lhe o empréstimo, fazendo assim com que os juros do empréstimo cresçam de forma vertiginosa, tornando o empréstimo de facto impagável. Mas não importa, a Goldman já lucrou no mercado de apostas, leia-se de futuros, mais do que lucraria com os juros dos empréstimos que, afinal, acabarão a ser pagos por todos nós através de mais um empréstimo do Banco Mundial, garantido pelo orçamento comunitário, leia-se pelos impostos que todos nós pagamos. Sim, porque se há coisa que a banca sabe fazer é cobrar um empréstimo, nem que para isso tenha de esperar que o bisneto do original devedor venda o palácio. Não, o que a Classe Dominante tem de nos explicar é que a desregulamentação de tudo e mais alguma coisa é absolutamente fundamental para que o desenvolvimento tecnológico, alimentado por essa desregulamentação, nos possa oferecer maior bem estar, mais e melhores produtos a preços mais convidativos, e que os lucros conseguidos pelo sistema financeiro com a desregulamentação dos mercados financeiros é essencial para os bancos, sem os quais óbvia e evidentemente não podemos passar, nos cobrem menos comissões e possam, vejam lá a candidez, baixar uns pontos percentuais nos juros dos empréstimos à habitação. Quanto à Banca Pública, vade retro satanás que ameaça a livre concorrência dos mercados.

Quanto tempo duraria o poder de uma ultraminoritária classe dominante que não conseguisse esconder, com uma muralha de mentira, a verdade de que ela deve o seu bem estar ao mal estar que provoca na imensa maioria dos restantes cidadãos?

É essencialmente por estas, mas também por outras, que a mentira, a repetição da mentira, a normalização da mentira é tão importante para a sobrevivência dos 1% detentores de 50% da riqueza. É por isso que é tão importante deixar claro, a todos nós, que os políticos são todos iguais, todos mentirosos, que não só mentem, como é a sua sobrevivência e não a dos seus patrões que depende da sua capacidade de mentir. E não nos preocupemos. Quando nós, a imensa maioria, tivermos finalmente compreendido que os políticos são todos iguais e todos uma cambada de aldrabões, a classe dominante cria, aduba e fortalece um qualquer novo sapo de loiça™ ainda mais mentiroso que, livre de quaisquer peias de realidade, e mentindo com a maior das imaginações e teatralidade, virá convencer-nos que o melhor é acabar com essa variedade de políticos aldrabões e entregar as nossas vidas nas mãos de um São Sebastião salvador. Ao menos será só um a roubar.

Sapo de loiça é trademark de "Vieira Ressurected".
Todos os direitos reservados.

2025/07/22

A ideologia por trás da “Nova América” é mais perigosa do que parece


A ideologia por trás da “Nova América” é mais perigosa do que parece
Os super-humanos estão a chegar – e o perigo também.
(Artyom Lukin(*), RT, 2025/07/20)
Nos últimos 500 anos, o Ocidente reinou como a civilização dominante do mundo. Embora o seu domínio tenha diminuído nos últimos anos, o Ocidente — especialmente os Estados Unidos — continua a ser a força mais poderosa na política global e na economia internacional. Este poder, embora capaz de construir muito, também tem o potencial de destruir muito.

Hoje, uma nova ideologia está a tomar forma no Ocidente, particularmente nos EUA. Nas condições certas, pode ser tão perigoso para a humanidade como foram o fascismo e o nazismo no século passado. A reeleição de Donald Trump pode marcar um ponto de viragem decisivo, transferindo poder para pessoas e ideias que são, na melhor das hipóteses, profundamente ambíguas.

Esta “Nova América” não é movida por uma visão única do mundo, mas antes por uma convergência de quatro facções ideológicas.

Os restauracionistas imperiais

No centro está o próprio Trump e os seus aliados — reminiscências da era do imperialismo das grandes potências. O discurso inaugural de Trump para lançamento do seu segundo mandato deixou poucas dúvidas: apelou à expansão territorial, ao crescimento industrial e a um militarismo ressurgente. A América, declarou, é “a maior civilização da história da humanidade”. Falou com aprovação do presidente William McKinley e de Theodore Roosevelt, ambos arquitetos do imperialismo americano.

A visão é inconfundível: o excepcionalismo americano, imposto pelo poderio militar e impulsionado pela lógica da conquista. É a linguagem do império.

Os conservadores nacionalistas

Depois, há os populistas de direita – figuras como o vice-presidente J.D. Vance, o estratega Steve Bannon e o jornalista Tucker Carlson. O seu grito de guerra é “América em primeiro lugar”. Defendem os valores tradicionais, afirmam falar pela classe trabalhadora e desprezam a elite liberal concentrada nas cidades costeiras.

Opõem-se ao globalismo, apoiam o protecionismo comercial e promovem o isolacionismo na política externa. Esta fação não é particularmente nova na política norte-americana, mas a sua influência aprofundou-se, especialmente sob o patrocínio de Trump.

Vice President JD Vance em visita a Los Angeles depois do distúrbios provocados pelas rusgas do ICE © Getty Images

Os multi-milionários tecno-libertários

Um elemento mais novo — e talvez mais perturbador — da ideologia emergente dos Estados Unidos é representado pelos multimilionários de Silicon Valley. Elon Musk é a figura mais visível, tendo chefiado brevemente o Departamento de Eficiência Governamental de Trump no início de 2025. Mas o ator mais influente pode ser Marc Andreessen, o capitalista de risco e pioneiro da internet que se tornou conselheiro informal de Trump.

A mudança política de Andreessen ocorreu após a sua frustração com as regulamentações da era Biden sobre criptomoedas e inteligência artificial. Em 2023, publicou um manifesto chamado ‘O Tecno-Otimista’, um documento que prega a aceleração tecnológica desenfreada. Na sua opinião, a inovação científica e o mercado livre podem resolver todos os problemas da humanidade, desde que o governo não interfira.

Andreessen cita Nietzsche e invoca a imagem do “predador de topo” – uma nova geração de super-homens tecnológicos que está no topo da cadeia alimentar. Escreve: “Não somos vítimas, somos conquistadores… o predador mais forte no topo da cadeia alimentar.”

Esta linguagem pode parecer metafórica, mas é reveladora. A lista de inspirações intelectuais de Andreessen inclui Filippo Marinetti, o futurista que ajudou a lançar as bases estéticas do fascismo italiano e morreu a combater o Exército Vermelho em Estalinegrado.

Marc Andreessen

O filósofo-fazedor de reis

O pensador mais intelectualmente desenvolvido do campo tecno-libertário é Peter Thiel, cofundador da PayPal e da empresa de vigilância de dados Palantir Technologies. Thiel já não é uma figura marginal – é agora, sem dúvida, o segundo ideólogo mais importante da Nova América, depois do próprio Trump.

Thiel é também um mestre estratega. Orientou e financiou pessoalmente Vance, agora vice-presidente e possivelmente herdeiro aparente de Trump. Ao mesmo tempo, apoiou Blake Masters no Arizona, embora esta aposta não tenha resultado. Thiel lê a Bíblia, cita Carl Schmitt e Leo Strauss e fala abertamente sobre os limites da democracia. “A liberdade já não é compatível com a democracia”, disse.

Comparou a América moderna à Alemanha de Weimar, defendendo que o liberalismo está esgotado e deve surgir um novo sistema. Apesar das suas inclinações libertárias, as empresas de Thiel desenvolvem ferramentas de IA para o Pentágono e financiam sistemas de armas de última geração através de empresas como a Anduril.

Thiel acredita que os Estados Unidos entraram num longo declínio – e que são necessários avanços tecnológicos radicais para o inverter. Um dos seus projetos favoritos é o “Enhanced Games”, uma competição onde o doping e o biohacking são permitidos. Coorganizado com Donald Trump Jr., o evento reflete a obsessão de Thiel com o transumanismo e o aperfeiçoamento humano.

Na política externa, Thiel vê a China como o principal inimigo dos Estados Unidos. Chamou-lhe "gerontocracia semifascista e semicomunista" e pressionou pela completa dissociação económica. Curiosamente, Thiel é muito menos hostil à Rússia, que vê como culturalmente mais próxima do Ocidente. Na sua opinião, empurrar Moscovo para os braços de Pequim é um erro estratégico.
Peter Thiel

O Iluminismo Sombrio

O último grupo por trás da Nova América é o dos teóricos do “Iluminismo Sombrio”, ou movimento neo-reacionário. Estes provocadores intelectuais rejeitam os valores do Iluminismo que outrora definiram o Ocidente.

Nick Land, um filósofo britânico que vive em Xangai, está entre os pensadores fundadores desta escola. Prevê o fim da humanidade tal como a conhecemos e a ascensão de sistemas pós-humanos e tecno-autoritários governados pelo capital e pelas máquinas. Para Land, a moralidade é irrelevante; o que interessa é a eficiência, a evolução e a potência bruta.

Curtis Yarvin (também conhecido por Mencius Moldbug), um programador norte-americano, é outra figura central. Amigo de Thiel e membro do círculo intelectual de Trump, Yarvin defende a substituição da democracia por uma monarquia de estilo corporativo. Imagina um futuro de cidades-estado soberanas geridas como empresas, onde a experimentação de leis e tecnologias é irrestrita.

Yarvin é claro na sua rejeição da liderança global americana. Acredita que os EUA se devem retirar da Europa e deixar que as potências regionais resolvam as suas próprias disputas. Fala calorosamente da China, e as suas opiniões sobre a Segunda Guerra Mundial são pouco ortodoxas, para dizer o mínimo — sugerindo que Hitler foi motivado por cálculos estratégicos e não por ambições genocidas.
Curtis Yarvin

O que aí vem?

Muitas destas ideias podem parecer marginais. Mas as ideias marginais têm poder — sobretudo quando ecoam pelos corredores da influência política e tecnológica. As teorias jurídicas de Carl Schmitt permitiram a Hitler tomar poderes ditatoriais em 1933. Hoje, os aliados intelectuais de Trump e Thiel estão a elaborar as suas próprias narrativas de "emergência", "decadência" e "despertar".

O que está a surgir na América não é um recuo da hegemonia, mas uma reformulação da mesma. A ordem internacional liberal já não é vista como sagrada — nem mesmo pelo país que a construiu. A nova elite americana pode estar a retirar tropas da Europa, do Médio Oriente e da Coreia, mas as suas ambições não diminuíram. Em vez disso, estão a recorrer a métodos mais subtis de controlo: IA, domínio cibernético, guerra ideológica e superioridade tecnológica.

O seu objetivo não é um mundo multipolar, mas um mundo unipolar redesenhado — governado não por diplomatas e tratados, mas por algoritmos, monopólios e máquinas.

A ameaça ao mundo já não é apenas política. É civilizacional. Os super-humanos estão em marcha.

(*) Professor associado de relações internacionais na Universidade Federal do Extremo Oriente em Vladivostok, Rússia

Este artigo foi publicado pela primeira vez pela Rússia na Global Affairs, traduzido e editado pela equipa da RT.

2025/05/11

Comunicação de Putin sobre as negociações com a Ucrânia e as violações da trégua: Principais conclusões

Como tudo quanto é media já está a interpretar e a comentar o que Putin terá dito na sua noturna comunicação à imprensa é sempre boa ideia ler também o que Os Russos dizem que o seu presidente disse. Direitinhos da RT e ainda quentinhos aqui ficam os pontos chave da comunicação à imprensa de ontem á noite.

Comunicação de Putin sobre as negociações com a Ucrânia e as violações da trégua: Principais conclusões

Moscovo oferece a Kiev negociações diretas em Istambul a 15 de maio, sem quaisquer condições prévias

FOTO DE ARQUIVO: Presidente da Rússia, Vladimir Putin. © Sputnik / Ramil Sitdikov

O Presidente russo, Vladimir Putin, ofereceu ao Governo ucraniano uma hipótese de retomar as negociações diretas "sem quaisquer pré-condições", apesar das repetidas violações de Kiev das iniciativas de paz anteriores.

Eis as principais conclusões do discurso do Presidente Putin na manhã de domingo, após um dia de reuniões com chefes de Estado estrangeiros que visitaram Moscovo para as comemorações do Dia da Vitória, que assinalam o 80.º aniversário da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazi.

1 Repetidas violações do cessar-fogo

Putin observou que a Rússia fez vários esforços para acalmar o conflito, que foram consistentemente minados pela Ucrânia. Em plena nova pressão ocidental por um cessar-fogo "incondicional" de 30 dias, recorda como a Ucrânia violou uma moratória de 30 dias sobre os ataques contra infraestruturas energéticas — acordada com o presidente norte-americano, Donald Trump — "pelo menos 130 vezes".

"A trégua da Páscoa iniciada pela Rússia também não foi observada. As formações ucranianas violaram o cessar-fogo quase 5.000 vezes", acrescentou. No entanto, “para a celebração do Dia da Vitória – que consideramos sagrado – declarámos uma trégua unilateral pela terceira vez”.
Kiev ignorou a iniciativa, mesmo quando Moscovo comunicou aos parceiros ocidentais que estava aberta ao seu prolongamento para além de 10 de Maio. Pelo contrário, sublinhou Putin, a Ucrânia lançou mais de 500 drones em ataques de grande escala e realizou cinco tentativas de violação da fronteira russa nas regiões de Kursk e Belgorod durante a trégua.

2 Negociações em Istambul sem quaisquer condições prévias

“Apesar de tudo, propomos que as autoridades de Kiev retomem as negociações interrompidas no final de 2022”, disse Putin. “Retomar as negociações diretas, e sublinho, sem quaisquer pré-condições.”

“Propomos começar sem demora na próxima quinta-feira, 15 de maio, em Istambul – onde foram realizadas e interrompidas anteriormente.”

“Estamos empenhados em negociações sérias com a Ucrânia... para eliminar as causas profundas do conflito e uma paz sustentável a longo prazo”, acrescentou.

3 Passo em direção a um cessar-fogo que Kiev respeite

Putin disse que as negociações propostas poderiam levar a uma nova e significativa trégua – ao contrário de acordos anteriores que a Ucrânia não honrou.

“Não descartamos que, no decurso destas negociações, seja possível concordar com alguns novos cessar-fogo – tréguas reais – que seriam observados não só pela Rússia, mas também pela Ucrânia”, disse.

Tal acordo, discutiu, poderia ser “o primeiro passo para uma paz sustentável e a longo prazo, e não um prólogo para a continuação do conflito armado após o rearmamento e a reorganização das Forças Armadas Ucranianas”.

4 A decisão cabe agora a Kiev e aos seus apoiantes

“A nossa proposta está em cima da mesa”, disse Putin. “A decisão cabe agora às autoridades ucranianas e aos seus curadores.”

Segundo o líder russo, os governos ocidentais – guiados por “ambições políticas pessoais” em lugar dos interesses dos seus povos – continuam a prolongar a guerra “pelas mãos dos nacionalistas ucranianos”.

5 Kiev tentou intimidar os líderes estrangeiros em Moscovo

Putin acusou ainda Kiev de tentar “intimidar” os líderes mundiais visitantes com ataques durante o cessar-fogo do Dia da Vitória.

“Não só rejeitaram a nossa proposta de cessar-fogo, como também tentaram intimidar os líderes reunidos em Moscovo”, disse.

“Estes líderes não são definidos pelos seus títulos, mas pelo seu carácter e vontade de defender as suas convicções”, acrescentou Putin. "E quem tentou intimidá-los? Aqueles que saúdam e aplaudem os antigos soldados das SS e elevam os colaboradores nazis à categoria de heróis nacionais?"

6 Gratidão àqueles que verdadeiramente querem a paz

“Aqueles que realmente querem a paz não podem deixar de apoiar” a sua proposta de negociações em Istambul, disse Putin. O presidente russo anunciou planos para conversar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sobre o acolhimento das negociações propostas. Putin reiterou ainda o seu apreço pelos esforços de mediação da China, do Brasil, das nações africanas e do Médio Oriente e do novo governo dos EUA.

2025/05/08

O Ocidente está a desmantelar os fundamentos de 1945

O Ocidente está a desmantelar os fundamentos de 1945
(Fiódor Lukyanov(*), RT, 2025/05/08)

Porque é que as fissuras no acordo da Segunda Guerra Mundial ameaçam a estabilidade global.

Um tanque T-14 Armata durante um desfile militar do Dia da Vitória na Praça Vermelha em Moscovo, Rússia. © Ramil Sitdikov / Agência de Fotografia Anfitrião via Getty Images


Oitenta anos é muito tempo. Durante este período, o mundo muda até quase se tornar irreconhecível, e acontecimentos que antes pareciam próximos transformam-se em lendas. Mas, embora a história possa tornar-se distante, a sua marca permanece. A Segunda Guerra Mundial criou uma ordem política que moldou os assuntos globais durante décadas – uma ordem que muitos presumiam que seria permanente. Mas hoje, o mundo está a mudar de forma rápida e irreversível. Os acontecimentos da primeira metade do século XX não são menos significativos, mas o seu papel na política contemporânea já não é o mesmo.

O resultado da guerra, que culminou na derrota do nazismo, definiu a moderna ordem mundial. De muitas formas, foi vista como uma luta quase perfeita: uma batalha contra um regime inquestionavelmente agressivo e criminoso que obrigou nações com profundas diferenças ideológicas a pôr de lado as suas disputas. As potências aliadas – divididas por sistemas políticos e desconfianças de longa data – viram-se unidas pela necessidade. Nenhum deles entrou nesta aliança por pura boa vontade; a diplomacia pré-guerra centrava-se na autopreservação e nas manobras para desviar as piores consequências para outros lugares. No entanto, quando a ameaça existencial se tornou clara, estas divergências ideológicas foram temporariamente ultrapassadas. Foi precisamente por isso que a ordem do pós-guerra se revelou tão resiliente.

Esta estrutura resistiu às tempestades da Guerra Fria e perdurou até ao início do século XXI, apesar das grandes alterações no equilíbrio global de poder. O que ajudou a mantê-la unida foi uma narrativa moral e ideológica partilhada: a guerra foi vista como uma luta contra o mal absoluto, um raro momento em que as divisões entre os Aliados pareciam secundárias à sua causa comum. Este consenso – centrado na derrota do nazismo e simbolizado por marcos como os Julgamentos de Nuremberga – deu legitimidade moral à ordem do pós-guerra.

Mas no século XXI, esta narrativa partilhada começou a desgastar-se. À medida que enfraquece, enfraquece também a estabilidade da ordem mundial que ajudou a criar.

Uma das principais razões reside nas próprias transformações internas da Europa. Na era pós-Guerra Fria, os países da Europa de Leste – que há muito alegavam um duplo sofrimento sob os regimes nazi e soviético – promoveram uma interpretação revisionista da guerra. Estas nações definem-se cada vez mais como vítimas de “dois totalitarismos”, procurando colocar a União Soviética ao lado da Alemanha nazi como perpetradora de crimes de guerra. Este enquadramento enfraquece o consenso estabelecido, que colocou o Holocausto no centro moral do conflito e reconheceu a cumplicidade das próprias nações europeias em permitir que tal acontecesse.

A crescente influência das perspectivas da Europa de Leste teve um efeito de cascata. Permitiu à Europa Ocidental diluir discretamente a sua própria culpa pela guerra, redistribuindo a culpa e remodelando a memória colectiva. O resultado? Uma erosão dos fundamentos políticos e morais estabelecidos em 1945. Ironicamente, este revisionismo — embora frequentemente enquadrado como uma pressão para um maior "equilíbrio" histórico — enfraquece a própria ordem mundial liberal que as potências ocidentais afirmam defender. Afinal, instituições como as Nações Unidas, um pilar desta ordem, foram construídas sobre a estrutura moral e jurídica forjada pela vitória dos Aliados. O enorme contributo da União Soviética durante a guerra e o seu peso político foram essenciais para esta arquitectura. À medida que o consenso em torno destas verdades se vai desintegrando, o mesmo acontece com as normas e as estruturas que delas surgiram.

Um segundo fator, mais subtil, contribuiu também para o desenrolar dos acontecimentos. Ao longo de oito décadas, o mapa político global foi redesenhado. O fim do colonialismo deu origem a dezenas de novos Estados, e as Nações Unidas de hoje têm quase o dobro dos membros que tinham quando foram fundadas. Embora a Segunda Guerra Mundial tenha inegavelmente afectado quase todos os cantos da humanidade, muitos soldados do chamado Sul Global lutaram sob a bandeira dos seus governantes coloniais. Para eles, o significado da guerra era muitas vezes menos sobre derrotar o fascismo e mais sobre as contradições de lutar pela liberdade no estrangeiro enquanto esta lhes era negada em casa.

Esta perspectiva remodela a memória histórica. Por exemplo, os movimentos que procuravam a independência da Grã-Bretanha ou da França viam, por vezes, as potências do Eixo não como aliadas, mas como pontos de alavancagem — símbolos das fissuras no sistema colonial. Assim, embora a guerra continue a ser significativa a nível global, a sua interpretação varia. Na Ásia, África e em partes da América Latina, os marcos do século XX parecem diferentes dos comummente aceites no Hemisfério Norte. Ao contrário da Europa, estas regiões não estão a promover um revisionismo histórico directo, mas as suas prioridades e narrativas divergem da visão euro-atlântica.

Nada disto apaga a importância da guerra. A Segunda Guerra Mundial continua a ser um acontecimento fundamental na política internacional. As décadas de relativa paz que se seguiram foram construídas com base num entendimento claro: tal devastação nunca se deveria repetir. Uma combinação de normas jurídicas, estruturas diplomáticas e dissuasão nuclear funcionou para defender este princípio. A Guerra Fria, embora perigosa, definiu-se por evitar conflitos diretos entre superpotências. O seu sucesso em evitar a Terceira Guerra Mundial não foi um feito de somenos.

Mas hoje, este conjunto de ferramentas do pós-guerra está em crise. As instituições e os acordos que antes garantiam a estabilidade estão a desgastar-se. Para evitar um colapso total, devemos olhar para o consenso ideológico e moral que outrora uniu as maiores potências do mundo. Não se trata de nostalgia, mas sim de recordar o que estava em jogo e porque é que essa memória era importante. Sem um compromisso renovado com estes princípios, nenhuma quantidade de equipamento militar ou de medidas técnicas garantirá uma estabilidade global duradoura.

O Dia da Vitória recorda-nos o imenso custo da paz – e os perigos de esquecer os seus fundamentos. À medida que o cenário geopolítico muda, esta continua a ser a mais vital das lições.

(*) Fyodor Lukyanov, editor-chefe do Russia in Global Affairs, presidente do Presidium do Conselho de Política Externa e de Defesa e diretor de investigação do Valdai International Discussion Club.

2025/03/27

Grande Paulo Raimundo


GRANDE Paulo Raimundo!

Encostou o terrorista nazi às cordas!
A não perder!
Só isto?
É tudo?
Ó orelhas, perdeste o fôlego?

Com a saúde no estado em que está, a inflação, a educação, a habitação, o país, as vigarices do rural, os andrébistas e os trumpistas, o órelhas esteve 10 minutos a tentar pôr na boca do entrevistado as suas palavras. Não conseguiu.

Somos pela Paz, sempre fomos e continuamos a ser. Não trocamos saúde, habitação, salários e pensões por armas e guerras. Nunca trocámos e nunca trocaremos. O PS, o PSD, O Livre, o BE que aplaudiram na AR os deputados da Rada não o poderiam fazer na Rada porque os seus partidos estão proibidos. Nós não somos hipócritas. Quem os aplaudiu sancionou o banimento dos seus congéneres.

GRANDE Paulo Raimundo!
Obrigado 😉

2025/03/22

EUA: Entre a Manipulação e a Imparcialidade Homérica

EUA: Entre a Manipulação e a Imparcialidade Homérica
(Viriato Soromenho-Marques, Carlos Fino Facebroncas, 2025/03/20)

Uma das mais dolorosas aprendizagens durante estes mais de três anos de guerra na Ucrânia tem sido a de me confrontar com o trágico declínio da honorabilidade académica e do brio intelectual, tanto nas instituições universitárias como nos meios de comunicação social.

É com tristeza que tenho acompanhado o modo como professores, investigadores e jornalistas têm violado o imperativo de “imparcialidade homérica”, expressão cunhada por Hannah Arendt para definir uma virtude específica da tradição espiritual do Ocidente: a capacidade de analisar com objetividade a realidade, a natureza das situações, e os motivos dos agentes coletivos e individuais, mesmo no quadro de conflitos violentos.



O exemplo indicado por Arendt foi o do modo como Homero, na Ilíada, tratou as principais personalidades envolvidas nesse grande drama épico, escrito na aurora da literatura europeia: o príncipe troiano, Heitor, e o herói grego, Aquiles. O imortal autor grego não menorizou nem diabolizou Heitor, nem idolatrou Aquiles. Pelo contrário, procurou reconhecer neles as qualidades humanas e os motivos que dirigiam a sua conduta. Isso significa estar atento aos dados reais, aos factos elementares, abstraindo-nos dos preconceitos.

Na guerra da Ucrânia nada disso aconteceu. A invasão militar russa, libertou no Ocidente um tsunami propagandístico que há muito esperava que ela acontecesse. Slogans correram a imprensa de todo o mundo, nomeadamente, a frase “invasão não provocada”. Riscar a história, significa colocar a invasão num plano estritamente jurídico e moral.

Se uma agressão não tem causas, isso significa que se tratou do ato de um agente malévolo. Ao aceitarem a tese de uma invasão fora da esfera objetiva e material da causalidade, muitos cientistas sociais juntaram-se ao registo ululante e propagandista de uma nova vaga de russofobia, que há muito estava a ser preparada. Já em 2014, Kissinger acusava a crescente diabolização de Putin nos meios de comunicação social americanos como sendo o pior exemplo da ausência de uma política realista dos EUA perante a Rússia. Na verdade, a russofobia, velha presença na cultura ocidental, foi intensificada nos últimos quinze anos. Disso são prova os filmes e séries, onde os russos são sempre tratados como criminosos.


Henry Kissinger, Conferência de Segurança de Munique, 2014

Perante a guerra, esta ou qualquer outra, o que se espera de um intelectual é o exercício da sua capacidade analítica, antecipada pela procura dos dados empíricos que são as fontes primárias que alimentam o pensamento crítico.

Nada disso sucedeu. Como nos sistemas totalitários, formou-se no Ocidente uma cultura de massa vigilante para com a dissidência. Na imprensa ocidental, vozes desafinadas, jornalistas e colaboradores, mesmo académicos prestigiados, foram afastados. Nas universidades, fez-se caça às bruxas. Carreiras profissionais foram interrompidas. O objetivo de quem domina e manipula consiste em manter o controlo da narrativa binária: “ou és amigo, ou és inimigo”. Para isso, seria preciso esconder os factos, se não fosse possível destruí-los.

Agora, quando a guerra se encontra num momento tão sangrento como decisivo, a necessidade de mergulhar nas fontes, de conhecer os acontecimentos, de ler os documentos, é mais necessária do que nunca. Nesse sentido, os norte-americanos sempre se portaram melhor do que os europeus. Enfrentaram com mais coragem os obstáculos, também imbuídos pelo imperativo ético de denunciarem os abusos praticados pelo seu país para ocultar as suas próprias responsabilidades. São três documentos de autores norte-americanos, aquilo que gostaria de propor ao leitor. Estes três contributos são de uma riqueza extraordinária, e são acessíveis a todos os que a eles queiram aceder. Indispensáveis para a formulação de um juízo esclarecido e livre.

Primeiro. Conferência de Jeffrey Sachs no Parlamento Europeu. No dia 21 de fevereiro, por convite do deputado alemão, conde Michael von der Schulenburg (da Aliança Sahra Wagenknecht), um dos mais famosos e influentes economistas mundiais veio falar ao Parlamento Europeu, até hoje uma das mais belicistas instituições da UE. Durante mais de hora e meia, Jeffrey Sachs falou com conhecimento de causa, profunda sabedoria e notável eloquência sobre a sua experiência vivida junto de responsáveis políticos dos EUA e da Rússia, além de outros países do leste europeu, durante os mais de 30 anos que precederam a guerra. Testemunhou com veemência o efeito devastador de uma política externa dos EUA, onde o excesso de vontade de poder contrastava com a falta de competente prudência (1).

Segundo. Uma Cronologia da Guerra da Ucrânia. Dois escritores e jornalistas independentes americanos – Matt Taibbi e Greg Collard – produziram um documento que é um tesouro documental para historiadores profissionais e amadores. Inseridas nessa cronologia, encontram-se 114 documentos – ofícios desclassificados, filmes, gravações áudio, cópias de declarações oficiais, etc. -, desde a célebre reunião de 9 de fevereiro de 1990 (quando os EUA prometeram à URSS de Gorbachev que a NATO não se estenderia para Leste…) até à atualidade. Descarregando estes materiais, o leitor poderá construir o seu próprio arquivo sobre o sombrio rasto deixado pelas reais causas deste conflito (2).

Terceiro. As responsabilidades do Ocidente. O terceiro e último documento é um ensaio breve, mas muito esclarecedor, de um investigador independente, Benjamin Abelow. Escrito no início do conflito, este ensaio recolhe uma pertinente informação sobre os numerosos esforços de diplomatas, políticos e académicos norte-americanos que tentaram evitar o alargamento da NATO e a degradação crescente das relações russo-americanas que tal implicaria. Muito bem assente nos dados empíricos, o ensaio partilha com os leitores o pensamento de autores de grande relevância, entre os quais sobressaem os seguintes: John Mearsheimer, Stephen F. Cohen, Richard Sakwa, Gilbert Doctorow, George F. Kennan, Chas Freeman, Douglas Macgregor, e Brennan Deveraux (3). Trata-se de uma oportunidade única de alargar horizontes. Sobretudo, o leitor pode encontrar aqui instrumentos que o imunizam contra a poderosa máquina de desinformação e manipulação, que considera a liberdade do espírito crítico como o seu principal inimigo. 

Referências 

2025/03/18

Sebastião, O Mouro de Bruxelas

Sebastião, O Mouro de Bruxelas
(Tiago Franco, Facebroncas,2025/03/17)



Sou um grande admirador da coragem de Sebastião Bugalho. Assim de repente pensarão que estou a brincar mas não, até porque raramente brinco com assuntos de estado. O Sebastião faz-me lembrar aquele cantor que anima as manhãs do Goucha ou do Baião. Da convicção que mete no que faz, na verdadeira festa que tenta trazer enquanto está em cima de um atrelado, a bater palmas ao playback e a animar umas velhinhas ali, no jardim municipal do Crato, e em casa, já acamadas e sem braços fortes que as façam chegar ao comando da televisão.

Não é bem o disparate sem sentido mas sim a forma decidida com que ele é dito ou feito que, verdadeiramente, me apaixona. Em tempos tive um colega assim. Falava alto, não sorria, dizia tudo com uma certeza que convencia logo pela entoação. Maior parte das vezes atirava ao lado mas a pose de estado não deixava espaço para questões.

O Sebastião é dessa cepa. Daquela gente que acredita muito naquilo que diz e raramente tem dúvidas. Afirmar, aos 29 anos e num país de trabalhadores tendencialmente pobres, que se fartou de trabalhar, é um acto arriscado. Para não dizer estúpido.

Em tempos que já lá vão, o amigo Bugalho tinha um CV todo porreiro no linkedin. Entretanto, provando que é de facto um rapaz esperto, apagou-o (pelo menos eu já não o consigo ver) para precaver males maiores.

O Sebastão comecou a escrever artigos de opinião no "I" enquanto fazia uma licenciatura na Católica. Foi esta a sua entrada no mercado de trabalho aos 19 anos. Diz, Vitor Raínho, o director do "I" nessa altura:
"O então diretor do jornal, Vítor Rainho, confirma ao Observador que Bugalho começou por escrever artigos de opinião que começou a enviar-lhe e, mais tarde, acabou por estagiar no jornal: “Na altura em que ele mandava textos de opinião não sabia que era filho da Patrícia [Reis, que tinha trabalhado com Vítor Rainho no passado]. Um dia ela ligou-me a pedir para ele estagiar no jornal para ver se se desencantava com o jornalismo".

Maior parte das pessoas que concorrem a empregos mandam CVs, preenchem formulários, esperam por respostas que, não raras vezes, não aparecem. O Sebastião, que se fartou de trabalhar, entrou nos jornais com um telefonema da mãe.

Não vou fazer o papel hipócrita de desprezar as cunhas e muito menos as ajudas que um pai ou uma mãe possam dar a um filho. Tenho sobre isso uma opinião baseada naquilo que a vida me ensinou. Nunca tive uma cunha para absolutamente nada e, por variadíssimas vezes, escolhi o caminho mais demorado e tortuoso para as evitar. Isso teve um preço que hoje não sei se valeu a pena pagar. Portanto, se a mãe o ajudou e a rede de contactos dos pais o empurraram precocemente, entre o CDS e os jornais, pois tudo bem. O rapaz aproveitou as oportunidades, vestiu um fato, aprumou o discurso de velho do restelo e fez-se à vida.

A culpa de estar em Bruxelas não é dele, é vossa que votam em gente desta.

Agora...há que assumir. É apenas isso. Nada de conversas de proletariado e tal. É que isso enerva, Sebastião. Gente com muito mais talento do que os Bugalhos desta vida nunca chegam sequer a ter uma oportunidade que não seja em forma de um recibo verde. É por respeito a essa gente que o Bugalho, agora eurodeputado com um salário que 97% dos portugueses nunca viram, deve dizer menos disparates e viver o privilégio que lhe foi concedido com alguma discrição. Não é preciso ter vergonha do berço, basta que não se tente passar por aquilo que nunca foi.

Quando o Sebastião mostra a sede de poder e a miragem de um dia chegar a primeiro-ministro (algo em que acredito, sinceramente), fá-lo com um anúncio solene cheio de nada. "Entrevistei 5 primeiros-ministros e por isso sei o que devem ter e o que não devem ter os responsáveis do cargo". É uma frase ao nível de "já vi 300 desempates por penaltis, sei que uma baliza tem 7 metros e nenhum homem chega a 3 metros, logo, matematicamente, sei bem como bater um penalti à malha lateral e nunca falhar".

Quando nos diz que sabe perfeitamente quem apoiar para esse cargo (Montenegro) está, no fundo, a explicar que tal como no seu exemplo, o "fartar de trabalhar" nos corredores dos favores e na dependência dos partidos, é o "que devem ter" os homens e mulheres que, neste país, querem chegar a um cargo relevante de decisão política.

Nunca me incomodou que o Sebastião fosse um deputado em tenra idade. Aliás, acho isso uma enorme vantagem para a vida no parlamento europeu. O que sempre me preocupou foi ver aquele rapaz, num corpo novo com o discurso bafiento de outros tempos. E perceber que alguém que, durante meses e anos, fez fretes ao PSD no comentariado, acabou por ser recompensado. Alegadamente, claro. Pode ter sido apenas coincidência. Notem ainda na rapidez com que ele percebeu que nem CDS, e muito menos Chega, o colocariam onde ele queria estar.

Sebastião é mais um, entre uma enorme linhagem de privilegiados, que entram nos corredores da política pela porta grande. Que conseguem empregos com telefonemas, que nasceram perto de gente que conhece gente, que aliam um discurso fluente a uma gritante falta de princípios. Que mudam as convicções consoante o programa que, entendam, são essencialmente eles próprios e as suas ambições. Não há nada que Sebastião possa ou queira fazer por quem nele votou. Daqui a 20 anos terá um CV cheio de nomeações e saltos entre cargos do partido.

Percebo a narrativa, percebo que queira dar a imagem de um homem que subiu a pulso, percebo que se queira mostrar como um de nós. Mas como nada disso é verdade e como, ele próprio perceberá, a realidade política portuguesa já está sobrecarregada de mentiras e disparates, porque não se remete apenas ao silêncio enquanto vai tecendo as linhas do próximo salto?
Trabalha menos Sebastião. 

A sério, tira umas férias. E vê se te calas.

2025/03/13

O que Disse Putin Sobre a Proposta de Cessar Fogo

Declaração de Putin sobre a proposta de cessar-fogo de Trump na Ucrânia
(RT, 2025/03/13)
 
A Rússia está pronta, disse o presidente, sublinhando que tal acordo “deve conduzir a uma paz a longo prazo”



O Presidente russo, Vladimir Putin, confirmou na quinta-feira que a Rússia está pronta para discutir um cessar-fogo, mas que os termos de um acordo desse tipo devem ser esclarecidos. Putin disse em julho de 2024 que Moscovo não estava interessada em pausas de curto prazo, mas estava pronta para se envolver na abordagem das causas do conflito.

Washington e Kiev aprovaram uma trégua temporária de 30 dias após uma reunião entre as respetivas delegações na Arábia Saudita na terça-feira.

Eis uma transcrição completa da resposta do Presidente russo:

Antes de avaliar como vejo a disponibilidade da Ucrânia para um cessar-fogo, gostaria de começar por agradecer ao Presidente dos Estados Unidos, Sr. Trump, por ter dado tanta atenção à resolução do conflito na Ucrânia.

Todos temos problemas suficientes para lidar. Mas muitos chefes de Estado, o Presidente da República Popular da China, o Primeiro-Ministro da Índia, os Presidentes do Brasil e da República da África do Sul estão a passar demasiado tempo a tratar desta questão. Estamos gratos a todos eles, porque isto visa cumprir uma missão nobre, uma missão para pôr fim às hostilidades e à perda de vidas humanas.

Em segundo lugar, concordamos com as propostas para cessar as hostilidades. Mas a nossa posição é que este cessar-fogo deve conduzir a uma paz a longo prazo e eliminar as causas iniciais desta crise.

Agora, sobre a disponibilidade da Ucrânia para cessar as hostilidades. À primeira vista, pode parecer uma decisão tomada pela Ucrânia sob pressão dos EUA. Na verdade, estou absolutamente convencido de que o lado ucraniano deverá ter insistido nisso (cessar-fogo) com os americanos com base na forma como a situação (na linha da frente) se está a desenrolar, nas realidades no terreno.

E como é que isso se está a desenrolar? Estou certo de que muitos de vós sabem que ontem estive na Região de Kursk e ouvi os relatórios do chefe do Estado-Maior, do comandante do grupo de forças "Norte" e do seu adjunto sobre a situação na fronteira, especificamente na área de incursão da Região de Kursk.

O que está a acontecer aí? A situação ali está completamente sob o nosso controlo, e o grupo de forças que invadiu o nosso território está completamente isolado e sob o nosso total controlo de tiro.

O comando das tropas ucranianas nesta zona foi perdido. E se nas primeiras fases, há literalmente uma ou duas semanas, os militares ucranianos tentavam sair de lá em grandes grupos, agora é impossível. Estão a tentar sair de lá em grupos muito pequenos, duas ou três pessoas, porque está tudo sob o nosso total controlo de fogo. O equipamento está completamente abandonado. É impossível evacuá-lo. Ele permanecerá lá. Isso já está garantido.

E se nos próximos dias houver um bloqueio físico, ninguém poderá sair. Haverá apenas dois caminhos. Render-se ou morrer.

E nestas condições, penso que seria muito bom para o lado ucraniano conseguir uma trégua de, pelo menos, 30 dias.

E nós somos a favor disso. Mas há nuances. Quais são? Em primeiro lugar, o que faremos com esta força de incursão na região de Kursk?

Se pararmos de lutar durante 30 dias, o que é que isso significa? Que todos os que lá estão se vão embora sem lutar? Devemos deixá-los ir depois de terem cometido crimes em massa contra civis? Ou será que a liderança ucraniana lhes ordenará que deponham as armas? Simplesmente rendam-se. Como é que isso vai funcionar? Não está claro.

Como serão resolvidas outras questões em toda a linha de contacto? São quase 2.000 quilómetros.

Como sabem, as tropas russas estão a avançar em quase toda a frente. E há operações militares em curso para cercar grupos bastante grandes de forças inimigas.

Esses 30 dias — como serão utilizados? Para a Ucrânia continuar com a mobilização forçada? Para receber mais fornecimentos de armas? Para treinar unidades recém-mobilizadas? Ou nada disto terá lugar?

Como serão resolvidas as questões de controlo e verificação? Como podemos ter a certeza de que nada disto vai acontecer? Como será organizado o controlo?

Espero que todos entendam isto ao nível do senso comum. Todas estas são questões sérias.

Quem dará ordens para interromper as hostilidades? E qual é o preço desses pedidos? Consegue imaginar? Quase 2.000 quilómetros. Quem determinará onde e quem violou o potencial cessar-fogo? Quem será o culpado?

Todas estas são questões exigem um exame minucioso de ambos os lados.

Portanto, a ideia em si é a correta, e certamente que a apoiamos. Mas há questões que precisamos de discutir. Acho que precisamos de trabalhar com os nossos parceiros americanos. Talvez eu fale com o Presidente Trump. Mas apoiamos a ideia de pôr fim a este conflito através de meios pacíficos.

2025/03/02

A "Ameaça Russa"

 A "Ameaça Russa".
(José Brás, in facebook, 2025/03/02)

No centro de toda a propaganda ocidental está a mantra da "Ameaça Russa", uma coisa que me é apresentada como verdade absoluta, realidade indiscutível, primado que não necessita argumentação, passe a redundância.

Vejamos.

A "Ameaça Russa" teria começado pouco depois de derrotada a "Ameaça Soviética", mas a realidade, o facto, é que quando acabou a "Ameaça Soviética", acabou também o Pacto de Varsóvia, o que não acabou foi a NATO, nascida anos antes do "temível" pacto e alegadamente criada para conter a "Ameaça Soviética".

Em finais do século XX, enquanto durou a apropriação privada da propriedade socialista soviética pelas máfias oligárquicas russas, houve sim uma tentativa russa de entrar para a NATO, Rússia essa que inclusivamente foi convidada a manter, e aceitou, uma missão diplomática na NATO em Bruxelas, até outubro de 2021, quando os EUA expulsaram 8 dos seus diplomatas dessa missão.

De finais da década de 90 do século passado até 2021, e apesar das confrontações entre a NATO e a Rússia, por interpostas geórgias, arménias, ossétias e abcásias, tudo lá longe dos nosso olhos, as fronteiras russas não se alteraram um milímetro. Já o mesmo não podemos dizer das fronteiras da NATO que, apesar das juras e promessas ocidentais feitas aquando do esboroamento da URSS, de que não se deslocariam uma polegada para leste, foram absorvendo os diferentes países europeus outrora integrantes do Pacto de Varsóvia, sempre democraticamente, sempre de acordo com os anseios dos povos desses países, e assim aproximando os mísseis norte-americanos, ao serviço da NATO, das até então mudas e quedas fronteiras russas.

É em 2014 que tem lugar o Euromaidan, um golpe de estado orquestrado pelos neocons norte-americanos, com a Srª Victoria "Fuck Europe" Nuland, mais a nossa inqualificável Ana Gomes a distribuírem sanduíches pelos revoltosos da praça maidan, dias mais tarde vitimas de fogo amigo, oriundo das janelas do hotel que eles próprios controlavam, e que deu lugar a uma escalada conducente à queda do presidente eleito em eleições justas e democráticas, a acreditar nos observadores da UE e da OSCE, que foram lá vigiar a coisa para evitar "boletins-borboleta", como os das famosas eleições norte-americanas do bush-gore. 

Imaginam a santa Rússia a deixar a NATO cortar-lhe o acesso ao Mar Negro? Imaginam os EUA a sair da base naval de Guantánamo em Cuba como o Estado Cubano exige desde 1959? Esperem sentados.

E foi para não perder a base naval na Crimeia e com isso o acesso ao Mar Negro, que a Rússia rapidamente organizou um referendo onde os 80% de população russófona e russófila da Crimeia deram uma maioria democraticamente esmagadora à reintegração da Crimeia na Rússia. Nada que a NATO não tivesse já feito com o esfrangalhamento da Jusgoslávia ou a criação da Bósnia, se bem que aí nem referendo houve.

Foi também na sequência da tomada de poder pelos nazis ucranianos que as maiorias russófonas e russófilas do Donbass declararam a independência das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. E note-se que nem mesmo nesse já longínquo 2014 a Rússia "invadiu" o Donbass, pelo contrário, sentou-se com os ex-parceiros europeus mais os nazis ucranianos a negociar os tratados de Minsk que reintegrariam na Ucrânia as recém proclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, as quais nem a Rússia, então, reconhecia.

Em 2022, passados 8 anos sobre os acordo de Minsk, sem que a Ucrânia desse um só passo para a reintegração do Donbass como repúblicas autónomas, o constante aumento das confrontações ao longo da linha de separação, com os monitores de interposição da OSCE a ignorarem sistematicamente os ataques ucranianos a alvos civis no Donbass e a preparação de uma ofensiva ucraniana em grande escala contra aquelas repúblicas, a Rússia declara mortos os tratados de Minsk e invade a Ucrânia.

Viemos a saber, já em 2022, após a invasão Russa, pelas bocas dos mediadores europeus dos tratados, a então chanceler alemã Angela Merkel e o então presidente francês François Holande que os Acordos de Minsk foram apenas uma tentativa de dar tempo à Ucrânia para fortificar as Forças Armadas, por forma a reconquistar o Donbass, digo eu. Sobre quem terá posto fim aos acordos ou quem nunca pensou respeitá-los não há muito mais a dizer.

Já depois de iniciada a guerra, em Maio de 2022, em Istambul, é rubricado um acordo que, no fundamental, recolocava o conflito nos termos dos acordos de Minsk, com a Ucrânia a abandonar em definitivo a integração na NATO, a assumir um estatuto de neutralidade semelhante ao da Áustria, redução do exército a dimensões mínimas com garantias de segurança por parte da UE, EUA e Rússia.

No dia seguinte o Boris "Brexit" Johnson foi a Kiev informar Zelensky que a NATO não lhe poderia dar garantias de segurança nos termos do acordo rubricado em Istambul, mas que, se ele quisesse continuar a guerra, o Ocidente Alargado estaria com ele até ao fim e que, mais tarde ou mais cedo, a Ucrânia entraria na UE e na NATO.

Passados 3 anos e umas largas centenas de milhares de mortos de ambos os lados, a Ucrânia ainda não entrou para a NATO, ainda não integra a UE, a Rússia ocupa 1/5 da Ucrânia, o tio sam pôs o Zelensky na rua, o Mark "Os portugueses querem é vinho e não sei o quê" Rutte da NATO informa o Zelensky que tem de fazer as pazes com o Trump e que os EUA só estão a abrir uma porta para conversar com a Rússia e o Keith "Booths on the ground" Starmer reuniu uma dúzia de intrépidos guerreiros para alinhavar uma proposta de cessar fogo, proposta essa que, diga-se de passagem, já foi chumbada pelo Putin que continua a avançar, devagarinho, mas a avançar pela Ucrânia adentro e que diz que negociações sim, mas cessar fogo só depois de alcançado um acordo que conduza a uma paz longa, duradoura, que respeite as realidades no terreno e mutuamente interessante para t o d a  a Europa.

Em 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o PCP disse clara, cristalina e taxativamente que a resolução do conflito tinha de ser política e alcançada na mesa de negociações. Passados 3 anos e várias centenas de milhares de mortos a realidade prova que os partidários da paz sempre tiveram razão e os partidários da guerra, depois de  semearam milhares de mortos estão prestes a dar razão aos partidários da paz.

Regressando ao embuste da Ameaça Russa que nos querem fazer digerir. 

Alguém consegue acreditar que uma Rússia que vai da fronteira com a Ucrânia até à fronteira com o Alasca, com recursos minerais, gás e petróleo para dar e vender, precisa de invadir alguma coisa para ter mais de qualquer coisa?

Alguém consegue acreditar que um país com 145 milhões de habitantes iria arriscar uma guerra contra uma economia 10 vezes maior com 510 milhões de habitantes?

Alguém consegue acreditar que uma Rússia que anda há 3 anos para atravessar o Donbass, tem capacidade para ameaçar uma Europa que vai da Polónia ao Cabo de São Vicente?

Uma coisa é uma potência militar com 145 milhões de habitantes e um PIB de 2 milhões de milhões de $US vencer uma Ucrânia com menos de 38 milhões de habitantes e um PIB de 180 mil milhões, outra coisa é ameaçar um PIB de 19 milhões de milhões e 510 milhões de europeus. 

É a realidade dos números.

Quantas vezes a Rússia chegou ao centro da europa? Duas, uma atrás do Napoleão e outra a correr atrás do Hitler.

Quantas vezes é que um país europeu foi chatear o urso russo? Deixando de fora as invasões napoleónicas e a guerra da Crimeia, começada e perdida pelo império russo, resta-nos a I Guerra Mundial, que acabou com a revolução soviética a por fim ao milenar império russo, as intervenções britânica, francesa e norte-americana, a ocidente e oriente na sequência do triunfo bolchevique, seguida duas décadas depois pela invasão nazi.

É a realidade histórica.

Não será a Rússia um país com medo de uma europa central que sazonalmente o invade?