A "Ameaça Russa".
(José Brás, in facebook, 2025/03/02)
No centro de toda a propaganda ocidental está a mantra da "Ameaça Russa", uma coisa que me é apresentada como verdade absoluta, realidade indiscutível, primado que não necessita argumentação, passe a redundância.
Vejamos.
A "Ameaça Russa" teria começado pouco depois de derrotada a "Ameaça Soviética", mas a realidade, o facto, é que quando acabou a "Ameaça Soviética", acabou também o Pacto de Varsóvia, o que não acabou foi a NATO, nascida anos antes do "temível" pacto e alegadamente criada para conter a "Ameaça Soviética".
Em finais do século XX, enquanto durou a apropriação privada da propriedade socialista soviética pelas máfias oligárquicas russas, houve sim uma tentativa russa de entrar para a NATO, Rússia essa que inclusivamente foi convidada a manter, e aceitou, uma missão diplomática na NATO em Bruxelas, até outubro de 2021, quando os EUA expulsaram 8 dos seus diplomatas dessa missão.
De finais da década de 90 do século passado até 2021, e apesar das confrontações entre a NATO e a Rússia, por interpostas geórgias, arménias, ossétias e abcásias, tudo lá longe dos nosso olhos, as fronteiras russas não se alteraram um milímetro. Já o mesmo não podemos dizer das fronteiras da NATO que, apesar das juras e promessas ocidentais feitas aquando do esboroamento da URSS, de que não se deslocariam uma polegada para leste, foram absorvendo os diferentes países europeus outrora integrantes do Pacto de Varsóvia, sempre democraticamente, sempre de acordo com os anseios dos povos desses países, e assim aproximando os mísseis norte-americanos, ao serviço da NATO, das até então mudas e quedas fronteiras russas.
É em 2014 que tem lugar o Euromaidan, um golpe de estado orquestrado pelos neocons norte-americanos, com a Srª Victoria "Fuck Europe" Nuland, mais a nossa inqualificável Ana Gomes a distribuírem sanduíches pelos revoltosos da praça maidan, dias mais tarde vitimas de fogo amigo, oriundo das janelas do hotel que eles próprios controlavam, e que deu lugar a uma escalada conducente à queda do presidente eleito em eleições justas e democráticas, a acreditar nos observadores da UE e da OSCE, que foram lá vigiar a coisa para evitar "boletins-borboleta", como os das famosas eleições norte-americanas do bush-gore.
Imaginam a santa Rússia a deixar a NATO cortar-lhe o acesso ao Mar Negro? Imaginam os EUA a sair da base naval de Guantánamo em Cuba como o Estado Cubano exige desde 1959? Esperem sentados.
E foi para não perder a base naval na Crimeia e com isso o acesso ao Mar Negro, que a Rússia rapidamente organizou um referendo onde os 80% de população russófona e russófila da Crimeia deram uma maioria democraticamente esmagadora à reintegração da Crimeia na Rússia. Nada que a NATO não tivesse já feito com o esfrangalhamento da Jusgoslávia ou a criação da Bósnia, se bem que aí nem referendo houve.
Foi também na sequência da tomada de poder pelos nazis ucranianos que as maiorias russófonas e russófilas do Donbass declararam a independência das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. E note-se que nem mesmo nesse já longínquo 2014 a Rússia "invadiu" o Donbass, pelo contrário, sentou-se com os ex-parceiros europeus mais os nazis ucranianos a negociar os tratados de Minsk que reintegrariam na Ucrânia as recém proclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, as quais nem a Rússia, então, reconhecia.
Em 2022, passados 8 anos sobre os acordo de Minsk, sem que a Ucrânia desse um só passo para a reintegração do Donbass como repúblicas autónomas, o constante aumento das confrontações ao longo da linha de separação, com os monitores de interposição da OSCE a ignorarem sistematicamente os ataques ucranianos a alvos civis no Donbass e a preparação de uma ofensiva ucraniana em grande escala contra aquelas repúblicas, a Rússia declara mortos os tratados de Minsk e invade a Ucrânia.
Viemos a saber, já em 2022, após a invasão Russa, pelas bocas dos mediadores europeus dos tratados, a então chanceler alemã Angela Merkel e o então presidente francês François Holande que os Acordos de Minsk foram apenas uma tentativa de dar tempo à Ucrânia para fortificar as Forças Armadas, por forma a reconquistar o Donbass, digo eu. Sobre quem terá posto fim aos acordos ou quem nunca pensou respeitá-los não há muito mais a dizer.
Já depois de iniciada a guerra, em Maio de 2022, em Istambul, é rubricado um acordo que, no fundamental, recolocava o conflito nos termos dos acordos de Minsk, com a Ucrânia a abandonar em definitivo a integração na NATO, a assumir um estatuto de neutralidade semelhante ao da Áustria, redução do exército a dimensões mínimas com garantias de segurança por parte da UE, EUA e Rússia.
No dia seguinte o Boris "Brexit" Johnson foi a Kiev informar Zelensky que a NATO não lhe poderia dar garantias de segurança nos termos do acordo rubricado em Istambul, mas que, se ele quisesse continuar a guerra, o Ocidente Alargado estaria com ele até ao fim e que, mais tarde ou mais cedo, a Ucrânia entraria na UE e na NATO.
Passados 3 anos e umas largas centenas de milhares de mortos de ambos os lados, a Ucrânia ainda não entrou para a NATO, ainda não integra a UE, a Rússia ocupa 1/5 da Ucrânia, o tio sam pôs o Zelensky na rua, o Mark "Os portugueses querem é vinho e não sei o quê" Rutte da NATO informa o Zelensky que tem de fazer as pazes com o Trump e que os EUA só estão a abrir uma porta para conversar com a Rússia e o Keith "Booths on the ground" Starmer reuniu uma dúzia de intrépidos guerreiros para alinhavar uma proposta de cessar fogo, proposta essa que, diga-se de passagem, já foi chumbada pelo Putin que continua a avançar, devagarinho, mas a avançar pela Ucrânia adentro e que diz que negociações sim, mas cessar fogo só depois de alcançado um acordo que conduza a uma paz longa, duradoura, que respeite as realidades no terreno e mutuamente interessante para t o d a a Europa.
Em 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o PCP disse clara, cristalina e taxativamente que a resolução do conflito tinha de ser política e alcançada na mesa de negociações. Passados 3 anos e várias centenas de milhares de mortos a realidade prova que os partidários da paz sempre tiveram razão e os partidários da guerra, depois de semearam milhares de mortos estão prestes a dar razão aos partidários da paz.
Regressando ao embuste da Ameaça Russa que nos querem fazer digerir.
Alguém consegue acreditar que uma Rússia que vai da fronteira com a Ucrânia até à fronteira com o Alasca, com recursos minerais, gás e petróleo para dar e vender, precisa de invadir alguma coisa para ter mais de qualquer coisa?
Alguém consegue acreditar que um país com 145 milhões de habitantes iria arriscar uma guerra contra uma economia 10 vezes maior com 510 milhões de habitantes?
Alguém consegue acreditar que uma Rússia que anda há 3 anos para atravessar o Donbass, tem capacidade para ameaçar uma Europa que vai da Polónia ao Cabo de São Vicente?
Uma coisa é uma potência militar com 145 milhões de habitantes e um PIB de 2 milhões de milhões de $US vencer uma Ucrânia com menos de 38 milhões de habitantes e um PIB de 180 mil milhões, outra coisa é ameaçar um PIB de 19 milhões de milhões e 510 milhões de europeus.
É a realidade dos números.
Quantas vezes a Rússia chegou ao centro da europa? Duas, uma atrás do Napoleão e outra a correr atrás do Hitler.
Quantas vezes é que um país europeu foi chatear o urso russo? Deixando de fora as invasões napoleónicas e a guerra da Crimeia, começada e perdida pelo império russo, resta-nos a I Guerra Mundial, que acabou com a revolução soviética a por fim ao milenar império russo, as intervenções britânica, francesa e norte-americana, a ocidente e oriente na sequência do triunfo bolchevique, seguida duas décadas depois pela invasão nazi.
É a realidade histórica.
Não será a Rússia um país com medo de uma europa central que sazonalmente o invade?