2019/10/16

Fascistas Aqui Não!

Os fascistas, racistas e xenófobos deitam as garras ás redes sociais, infiltram-se em grupos regionais e temáticos, usam perfis falsos e bombardeiam o ciberespaço com mentira, raiva e ódio. Vai sendo mais do que tempo de os começar a pôr com dono: fascistas aqui não!

Fascismo à beira-mar plantado
(Ivo Rafael e Lúcia Gomes, Manifesto 74, 2019/10/16)

A eleição de forças de extrema-direita para o parlamento português foi um balão de oxigénio para muito fascista envergonhado e contido. Para além destes, que agora exibem sem pudor a sua vontade de gasear ciganos e expatriar pretos, há também uma cavalgante onda de propaganda fascista a invadir as redes sociais. Não é apenas uma petição, não é só um meme, não é apenas um ou dois comentários, é uma campanha orquestrada que está em toda a parte.



A infiltração é notória e tem alguns aspectos requintados. São perfis falsos, mas já elaborados com algum cuidado, que misturam actividade que parece «real» com partilha de conteúdo objectiva ou subjectivamente político. Infiltram-se em grupos de carácter regional, ou local, geralmente muito frequentados e populares, onde disseminam notícias falsas, sensacionalistas, posts de páginas reconhecidamente reaccionárias, mas que colhem a atenção de uma enorme e atenta audiência. São cada vez mais, são cada vez mais agressivos.

Esta agressão assume carácter incisivo, permanente, diário. O ar está irrespirável e pela forma que a agressão assume é impossível ripostar. É impossível porque a paciência esgota-se, o sangue frio esvai-se, e a forma da discussão é feita no terreno do adversário. A máquina sabe que o terreno é favorável, que as dúvidas rapidamente dão lugar a certezas, que não é necessário provar nada, que há sempre um testemunho «real» ainda que falso e mentiroso, que há gente do «lado de lá» sempre mais paciente para propagar a mensagem e rebater qualquer tipo de resposta.

Almada Negreiros dizia que Portugal não é um país, é um sítio e ainda por cima, mal frequentado. Se se insiste, vergonhosamente, em afirmar que por cá não há racismo, os últimos anos têm sido pródigos em demonstrar, da forma mais evidente e dolorosa, toda a mentira desta afirmação. Desde cargas policiais sucessivas em bairros maioritariamente habitados por negros, a uma lei da nacionalidade que vota nacionais a lugares de não existência apenas porque os pais são cabo-verdianos, guineenses, etc., a um SEF impregnado de xenofobia, a uma justiça marcadamente de classe e que ainda não sacudiu o pó colonialista das suas vestes.

E se, para muitos, a versão do sítio mal frequentado é um «vai para a tua terra», a nossa versão é que fascistas e racistas aqui não têm lugar. Não obstante, não só são tolerados como promovidos. A direita fascista internacional sentiu-se perfeitamente à vontade para organizar uma conferência em Lisboa e exibir suásticas tatuadas e saudações nazi-fascistas. Conhecidos criminosos nazis enchem televisões e fazem primeiras páginas de jornais com idiotas como Marinho Pinto a epitetá-los de «presos políticos». Os ventos sopram todos, ou quase todos, a seu favor.

Tudo isto num país que não só conheceu a ditadura mais longa da Europa, como tem relatos de muitos que foram assassinados por combater essa ditadura. Alguns dos que lhe sobreviveram, como o José Pedro Soares, contam os seus mais de trinta dias de tortura: queimaram-lhe os testículos, nunca apagavam a luz, obrigaram-no a permanecer de pé dias e dias. Mesmo assim, décadas depois, numa esquadra, agentes da autoridade ainda vociferam «pretos de merda, vão para a vossa terra», pisam seres humanos, partem dentes ao pontapé, arrancam cabelos. Advogadas vão à televisão chamar parasitas aos habitantes da Cova da Moura. O Primeiro-Ministro é tratado por chamuça ou monhé. Um idiota perigoso arroga-se de dizer as «verdades», enquanto mente em todas as frases.

Há um terreno demasiado fértil para o recrudescimento do fascismo, da xenofobia, do ódio. E não existe, em paralelo, uma resposta firme, determinada. Nem sequer o reconhecimento de que já está a acontecer e não é um episódio isolado. Nem cem episódios isolados. São recorrentes e já não há vergonha.

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