Sem Titulo
(Manuel Rocha in facebook, 2018/04/07)
Cara [..]: Não há nos seres da Natureza um que não cuide da nutrição ou do abrigo. A mais inofensiva das plantas que não reúna estes requisitos de existência não tem como não falecer.
Com os humanos acontece o mesmo, mas, sabe-se lá por que razão, sempre a sua deriva no mundo foi acompanhada da representação do que existe, seja realidade seja sonho. E a isso chamou Cultura, que é o grande chapéu em que se abriga a sua natureza humana e o rasto que dela desprende, e a Arte, que é um seu operacionalizador.
A Cultura não está antes nem depois do pão. E às vezes é, ela mesma, o mais essencial dos pães. Olivier Messiaen era um grande compositor francês que, no decorrer da II Grande Guerra, foi feito prisioneiro pelos nazis e internado no campo de concentração de Görlitz. Saberá que o pão não era, ali, abundante. Mas nem por isso Messiaen renunciou à sua maior prioridade: compor o Quarteto Para o Fim dos Tempos, que nós herdámos como testemunho maior da dignidade em tempos de ignomínia.
Não seguiu Messiaen o seu conselho, [...]. A luta dele pelo pão não era dissociável da necessidade de permanecer humano, muito para além do exemplo da planta que estende raízes à procura de nutrientes. Para ele e para os seus companheiros de cativeiro, a estreia da sua obra no rigor do gelo do inverno polaco terá sido o maior pão, o mais essencial abrigo.
Repare que, para lhe responder, nem lhe vim falar das prioridades governativas que põem os banqueiros em primeiro lugar (muito antes do pão dos concidadãos dos governantes); nem das prioridades da "Europa", que nos suga a existência em equilíbrios que nunca o chegam a ser, porque nos levam o pão, a casa e a Cultura; nem do chumbo das leis laborais, precisadas de ser pão, casa e tempo para a família. E nem sequer lhe vim dizer que os trabalhadores da Cultura, e os seus filhos crianças, também têm direito ao pão e à casa que a Ana Beatriz entende poderem ser-lhes negados. Vim apenas chamar-lhe a atenção para a sua própria natureza e para o insulto que as suas declarações constituem, a si própria e aos seus, calhando ter um filho ou um neto que um dia pegou num lápis e desenhou o seu retrato, com amor e empenho estético.
O que mais me custa é que a marcha do mundo também dependa de quem levou demasiado a sério a macabra História da Cigarra e da Formiga. Cumprimentos.
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