2018/07/23

Em épocas de grande turbulência, importa não perder o norte

A propósito de um esboço de ideias do António Abreu que me pareceu especialmente preocupante, ocorrem-me três bengalas para manter o norte em tempos de grandes turbulências: 1. cuidado com os optimismos voluntaristas, 2. não confundamos o conjuntural com o estrutural e 3. lembremos sempre a história como fonte de conhecimento.

1. Cuidado com os optimismos voluntaristas
Confesso. Ver os meus inimigos às turras, é algo que sempre me deu prazer, e é com real deleite que observo as guerras de alecrim e manjerona no seio da NATO, que assisto à traulitada entre o Capital produtivo e o Capital financeiro, entre globalismos e nacionalismos, às guerrilhas comerciais entre uns EUA em declínio e uma China emergente, aos brexites e às desavenças entre os neofascismos xenófobos e as democracias cristãs, sobre como tapar o sol com a peneira, perdão, como emparedar o oceano, desculpem, queria dizer estancar as migrações. Mas cuidado, ao ver uma luta entre cobras não fico a aplaudir uma e a vaiar a outra, antes aproveito para lhes ir aos ninhos e partir-lhes os ovos(*). Para mim, actualmente, a questão é: como aproveitar estas guerras intestinas para defender e fortalecer os direitos, liberdades e garantias do trabalho? Como criar condições para algo mais do que isso? Como aproveitar o consenso crítico contra o mais troglodítico capitalismo para forçar a emergência de consensos contra o capitalismo todo, seja ele troglodita, neoliberal, sustentável ou socialmente preocupado, de consensos em redor de alternativas ao capitalismo. Concluindo: prefiro de longe a leitura do Goulão no AbrilAbril e só posso apoiar o seu final «O ideal seria mesmo que as forças mundiais da paz, da cidadania, da igualdade e do desenvolvimento social percebessem a oportunidade que está aberta e soubessem tirar proveito destes tempos de explosão das contradições capitalistas.»

2. Não confundamos o conjuntural com o estrutural
O meu inimigo é o capital, seja ele financeiro, produtivo, imperialista ou emergente. Os socialismos acabaram-se. A Rússia é um império tão imperialista como o outro com a capital em Washington e governo em Wall Street. Conjunturalmente estou disposto a apoiar a primeira contra o segundo? Estou, "no problema", o Putin ainda tem muito que aprender até chegar aos calcanhares de quem manda no mundo e os EUA ainda são o grande perigo para a sobrevivência do planeta ... tanto mais quanto a aposta dos "donos" dele nos combustíveis fosseis é mesmo para levar a sério. Não me pronuncio sobre o gigante amarelo porque só isso daria para uns milhões de posts.

3. lembremos sempre a história como fonte de conhecimento
Ainda me lembro (por leituras várias) dos tempos em que os camisas castanhas punham a tónica no socialismo do nacional enquanto arremetiam de porrete em punho contras as manifestações de comunistas alemães. Não me esqueço das fortunas que levaram aos ombros o cabo de bigodes da prisão até à guerra. Também eles, como o trumpismo, acabaram eleitos pelo lumpen, alemão em 32, norte-americano em 2016. Também em 32 houve quem visse no nacionalismo de Hitler uma alternativa ao capitalismo desbragado antes de acabar, em 39, a fazer tijolo à saída do forno. Não caros amigos, é mesmo importante se é cão ou gato, se começamos a usar cães para caçar ratos ainda acabamos a apoiar as touradas como "expressões da cultura popular". Até podemos usar os pobres dos cães durante uns tempos, Lenine conseguiu usá-los entre 21 e 28 e se não lhe têm posto fim provavelmente ainda tínhamos aí socialismo para dar e vender, quem sabe, mas é sempre algo de conjuntural, muito conjuntural: o inimigo do meu inimigo só é meu amigo até se acabar a carcaça do animal ;-)

(*) Salvo seja que as cobras já fazem mal a ninguém por estas latitudes.

P.S. : e mais dois comentários ainda a quente para refer&ncia futura
Sobre o ponto 2 do post original:
Importa separar o desgastado e ideologicamente fabricado "Politicamente Correto" e as sensibilidades mais ou menos sensíveis dos padrões de comportamento comunistas que são parte integrante da nossa cultura: humanismo, evolução, primado da ciência etc são valores não relativizáveis nem dialeticamente dependentes de contextos. Houve quem na construção dos socialismos reais relativizasse a herança humanista e viu-se no que deu, quem trocasse a evolução real pela que lhe dava jeito e viu-se no que deu. Tenho pena, não vou proibir o hijab, mas recuso-me a aceitar a burka em nome das expressões de cultura popular.
Sobre o ponto 4 do post original:
ai ai ai ai, mas é que as atitudes racistas, anti ambientais, sexistas, xenófobas etc etc etc (estou-me nas tintas para as troca tintas e as contradições porque no final do dia querem sempre dizer a mesma coisa: mais para o capital menos para o trabalho e a embaixada foi mesmo para Jerusalém!). Vocês vivem numa redoma? Conversam com alguém fora do vosso circulo politico? "Visitam" sites de discussão nas redes sociais onde não reine o simmismo partidário do sim estou de acordo camarada tens toda a razão? Ninguém aqui deu pela explosão de racismo, xenofobismo, sexismo, homofobismo, trauliteirismo após a eleição de um gajo que acha bem partilhar com um quase desconhecido que apalpou a coisa a não sei quem? Ninguém aqui percebe que até há uns anos atrás "parecia mal" ser xenófobo, sexistas, homofóbico, trauliteiro e que neste momento isso não é o mais grave de tudo? Não, claro que não é o mais grave, concordo! Mais grave é apostar nos combustíveis fósseis, rasgar o tratado com o Irão, transferir a embaixada para jerusalém, prender crianças na fronteira como nós fazemos no aeroporto de Lisboa (devem ser padrões de comportamento político necessariamente passageiros porque dialeticamente influenciados pelo real), acabar de vez com os sindicatos, mesmo com os mafiosos, ... mas aqueles ismos todos ajudam muito a criar uma sociedade mais selvagem, uma sociedade em que tudo o que é realmente importante; a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação, a liberdade serão muito mais facilmente roubadas.

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