2020/02/15

Ninguém Quer Matar Ninguém!

A morte medicamente assistida a pedido do paciente «não obriga ninguém a morrer, tal como o aborto não obriga ninguém a abortar, o divórcio não obriga ninguém a divorciar-se e o casamento homossexual não obriga ninguém a casar-se com alguém do mesmo sexo. [...] Os direitos não são obrigações.»

Dito isto, e clarificada a minha posição de principio sobre o "meu" direito sobre a "minha" vida, nada obsta, muito pelo contrário, a que: 1. Se apresentem projetos de lei que superem as insuficiências dos existentes. 2. Se invista mais na saúde, na investigação e num sns de qualidade 3. Se invista mais e melhor em cuidados paliativos. 4. Se o que acima ficou escrito é motivo de preocupação, amarre-se por lei o "nosso" direito a «tomar nas nossas mãos os destinos das nossas vidas» ao digno financiamento e a uma gestão pública de um SNS livre de lucros.

Dito de forma mais abstrata: Exceptuando a ganância do capital, nada obsta a que a sociedade faça tudo o que entenda necessário para que eu não escolha usufruir do meu direito de acabar com a minha vida.

Para quem, como eu, veja na história da luta de classes a história da emancipação das forças produtivas a opção é sempre por mais e melhor liberdade, por mais e melhores direitos. O limite é sempre e só a liberdade dos outros.

A "minha" decisão sobre o momento da "minha" morte não é do foro da moral de terceiros.

Sobre o devoto e evangélico pedido de que se não mate, resta esclarecer que 1. Nenhum dos projectos de lei defende a morte de ninguém. 2. Todos eles pretendem legalizar o "meu" direito de "eu" me pronunciar sobre o momento em que "eu" queira pôr fim à "minha" vida e 3. Só pretendem que, não podendo "eu" fazê-lo pelos "meus" próprios meios e necessite de pedir a ajuda de terceiros, esses não sejam, como atualmente, acusados de assassinio por "me" ajudarem a "mim" a livrar-me do "meu" sofrimento.

Não vejo onde é que no meio de tanto "eu", "meu", "minha" alguém consegue meter a moral de terceiros.

Não se pretende que "ninguém" mate ninguém. Não se pretende que "ninguém" ajude ninguém a morrer contra a sua vontade e sem a sua consciente, lúcida e expressa vontade.

Tudo o que vos peço é que por instantes se deitem, fechem os olhos e não se movam. Imaginem-se imóveis por um dia, um mês, um ano, dois, dez, vinte ...

Serviu este escrito para introduzir uma série de textos, pró e contra os projetos de lei em discussão, nos quais reconheço argumentos válidos.



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Uma vida digna, já agora
(Nuno Ramos de Almeida in Jornal i, 2018/05/28)

É preciso discutir o direito a um fim em condições, que tenha em conta a qualidade de vida, sem cair em simplismos e campanhas imbecis, e não esquecendo que as condições sociais em que se aprovarão um dia estas medidas ditarão se esta decisão será livre

Provavelmente, matar-me-ei. Ou, pelo menos, não descarto a possibilidade de decidir fazê-lo. Esta é uma decisão individual que não depende da crença dos outros. Ela é formada pela vida de cada um. Nunca tinha pensado muito nisso, até porque a morte era uma noite longínqua, até ter tropeçado em linhas, palavras, dias e sentimentos que me acordaram

(Continuar a ler


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A realidade não existe – imprecação
(José Gabriel, 15/02/2020)

Não, a realidade não existe. Nunca existiu um ministro das finanças sociopata que, de braço dado com o seu 1º ministro corrupto, extinguiu as reduções fiscais a doentes com incapacidades superiores a 80% e com despesas de retaguarda incomportáveis impostas pelas suas doenças, com consequências dramáticas para muitos deles.

Não, nunca uma ex-ministra das finanças sugeriu o fim do pagamento da hemodiálise a doentes com mais de 70 anos, o que motivaria uma espécie de homicídios em cadeia patrocinados pelo Estado.

Não, nunca houve um deputado a defender que o problema do país era a “peste grisalha”, sobre a qual era preciso tomar medidas, nem aconteceu, longe disso, o homem ter sido promovido a cabeça de lista do seu distrito.

Não, nunca houve mortes por um ministério ter adquirido produtos perigosos para os doentes hemodialisados para poupar uns cobres, perante o entusiasmo dos seus colegas de governo e respectivo 1º ministro de então.

Não, nunca houve uma ministra a saudar as vantagens económicas de um vírus eclodido num outro país.

Não, nunca houve um primeiro ministro a contemplar os seus concidadãos mais sofredores com o epíteto de piegas enquanto lhes sugava a vida.

Não, nunca houve companhias a de seguros a determinar soluções terapêuticas mais vantajosas para os seus lucros que para a vida dos doentes.

Não, nunca houve pessoas que não puderam beneficiar de tratamentos sofisticados para doenças potencialmente fatais por não terem condições económicas para manter as necessárias condições – de assepsia, por exemplo – em sua casa.

Não, nunca houve doentes que morreram por não terem recursos financeiros para continuar a viver.

Não, nunca houve na Assembleia da República deputados que defendem o fim puro e simples do SNS ou a sua destruição em favor de terceiros.

Não, não são nem nunca foram pessoas como estas que, com a respectiva bênção eleitoral, nos governaram, governam e continuarão a governar.

Não, a puta da realidade não existe. Podemos continuar a confiar, está tudo bem.

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A decisão mais importante da nossa vida
(Alexandre Quintanilha, 2020/02/12 : 16h28)

Foi por vontade de outros que nascemos; não devemos exigir o mesmo da nossa morte.

Há século e meio, o nosso tempo médio de vida andava pelos 40 anos e tudo sugere que possamos alcançar os 100 anos nas próximas décadas.

A evolução do conhecimento não se limitou a dar-nos mais anos de vida; deu-nos também, frequentemente a capacidade de os usufruir das mais variadas formas. Infelizmente, nem sempre estes anos adicionais de vida são acompanhados da qualidade desejada.
Falemos sobre esta questão. O que acontece quando alguém tem a consciência clara de que a perda de autonomia, autoestima e dignidade assim como o sofrimento físico e psicológico que sente, se irão acentuar nas semanas/meses/anos de vida de que possa vir ainda a usufruir?

Todos conhecemos, ou acompanhamos histórias dramáticas deste tipo de situações, e “usamos” essas histórias para justificarmos a nossa posição neste contexto. Se para uns, a resposta são os cuidados paliativos, para outros, o desejo é o de por fim rapidamente a esse sofrimento.

Mas o diálogo é difícil entre aqueles que consideram a vida humana como uma “dádiva divina” e os que, pelo contrário, olham para a vida humana como um processo de construção e consolidação individual. Uns invocam o conceito de “obstinação terapêutica”, enquanto que outros a noção de “prepotência da autonomia”.

Os que defendem os cuidados paliativos afirmam que em situações de grande fragilidade, é relativamente fácil convencer a pessoa de que não vale mesmo a pena fazer mais nada. Mas este argumento é verdadeiro também para quem deseja convencer a pessoa exatamente do contrário. E ninguém sugere que os cuidados paliativos devem ser descurados. Mesmo sabendo que ao entrarem em cuidados paliativos é difícil sair dos mesmos.

Atualmente, em Portugal, a decisão de terminar a nossa vida é solitária e frequentemente angustiante. Continua a ser punível na lei a assistência por parte de outrem, em particular por um profissional de saúde, à morte de alguém que o tenha solicitado repetidamente. E é esta, na minha opinião, a questão principal em discussão no debate sobre a morte assistida.

Como resposta ao medo da dor insuportável que faz com que alguém queira terminar rapidamente o seu sofrimento, afirmam que existem muitas formas de controlar a dor. Mas os efeitos secundários das elevadas doses necessárias destes fármacos, são por vezes tão intoleráveis como a dor que tentam controlar. E é perfeitamente concebível que para muitos (em que eu me incluo), não é só a dor física que é intolerável. É também a ideia de que a “quantidade de vida” adicional não compensa a “qualidade de vida” perdida. E suspeito que quanto mais rica tiver sido essa “qualidade de vida” de alguém, menos disposta estará a valorizar semanas ou meses de vida adicionais. Quando começamos a sentir que a nossa continuada existência deixou de ter qualquer relação com as experiências físicas, racionais ou emocionais que mais valorizamos, e que sentimos a nossa autoestima cada vez mais fragilizada, o fim parece perfeitamente razoável e até desejável para muitos de nós.

Outro conceito é o de que os profissionais de saúde devem tratar, curar se possível e acompanhar os doentes, nunca matar ou ajudar a morrer. O que faz todo o sentido e deve continuar a ser o seu principal objectivo. Mas só quem está muito mal informado é que não tem conhecimento de inúmeros casos de ajuda, por profissionais de saúde, a doentes perto do fim que querem acelerar a sua morte. Tudo feito às escondidas, à margem da lei, com enormes riscos de denúncia e com consequências profissionais gravíssimas. Não seria muito mais honesto evitar ao máximo, ou mesmo acabar com esta situação?

Admito que pensar desta forma pode parecer aberrante para alguns, mas felizmente já muitos profissionais de saúde pensam o mesmo.

Ainda outro argumento (o do slippery slope) é o de que os países onde se dará assistência médica aos que querem morrer, passarão a ser centros mundiais de morte assistida. As poucas experiências que existem neste domínio, tanto nos EUA como na Europa ilustram situações muito diversas. Onde é legal, o processo é longo, complexo e exigente – muito diferente do que se passa onde é criminalizado e por isso mesmo praticado às escondidas e sem qualquer controlo. E não deve surpreender ninguém que, ao deixar de ser ilegal, o que era escondido tenha passado a ser conhecido.

No passado recente, em Portugal, este mesmo argumento (o do slippery slope) foi (ab)usado nos debates da estratégia para a toxicodependência e da interrupção voluntária da gravidez. Não só as previsões não se concretizaram, como toda a evidência recente mostra exatamente o contrário.

Uma das soluções sugeridas e efetivamente aplicadas é a de não fazer nada para tentar alongar o tempo de vida que resta, quando a equipa médica decide que o paciente esta em fase terminal. Esta solução, em que se mantém o paciente com, ou sem a hidratação mínima necessária, e que pode durar dias ou semanas, é vista por muitos (onde eu me incluo) como cruel e insensível.

Por todas estas razões, e tantas outras que são sobejamente conhecidas, acho que a morte assistida deve ser legalizada e regulamentada, e que o processo seja o mais exigente e rigoroso possível para evitar ao máximo aquilo que hoje acontece muitas vezes sem qualquer supervisão.

Para mim, a qualidade e dignidade da minha vida e da minha autonomia, é muito mais importante que a “quantidade de vida” e suspeito que isso é verdade para muitos cidadãos.

Gostava de terminar com uma observação que considero, no mínimo irónica. A história da humanidade está cheia de exemplos de pessoas que escolheram e/ou aceitaram morrer para não abdicarem das suas convicções, da sua “honra”, da sua “dignidade” ou da sua “verdade”. Estas pessoas são normalmente admiradas e até por vezes vistas como mártires. O debate em que estamos empenhados parece ignorar a ideia de que a forma como cada um quer morrer é provavelmente a decisão mais importante da sua vida.

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Morrer com dignidade
(Lúcia Gomes, Manifesto74, 2020/02/14)

«Se eu soubesse que ia ser assim...», a frase por acabar ficou-me gravada na memória. O homem das mil vidas, aquele que tinha em si toda a vontade de viver (mais do que eu alguma vez vi em alguém), a pessoa que se recusava a aceitar o diagnóstico que lhe dizia ter poucos anos de vida quebrava. Em voz baixa, mas quebrava. Só o disse uma vez e nem acabou a frase. A discussão sobre a eutanásia dificilmente foge às nossas experiências pessoais, às nossas histórias. Na verdade, todos nós devemos ter acompanhado de perto alguém que morreu com cancro, alguém que esteve hospitalizado com alguma doença muito grave ou que morreu em consequência de ter ficado altamente incapacitado por um acidente, por exemplo. Eu sei que tive não um mas vários exemplos e todos de pessoas demasiado próximas. Por isso, quando me perguntam a minha posição sobre a eutanásia, inequivocamente respondo que sim, que entendo que devemos ter o direito a escolher morrer em determinados casos. Mas isto sou eu, a minha experiência, o que eu acho no meu caso. Ao perguntarem-me se o estado deve legislar nesse sentido, tenho as mais profundas reservas.

Ao ler o artigo de Luis Osório sobre a eutanásia, não me identifiquei com nenhuma das razões apontadas. Por um lado por achar que um comunista não é por definição um ser que deva sujeitar-se a dores insuportáveis e resistir porque sim. Bem pelo contrário, a ciência deve estar ao serviço do ser humano e se químicos e máquinas podem aliviar a dor então devem ser utilizadas para isso mesmo. Tão pouco me identifiquei com o argumento católico porque quando morrer, serei um monte de cinzas. Os argumentos que me levam a afirmar que o direito a morrer com dignidade não passa, pelo menos por agora, pela permissão da eutanásia são outros.

Desde logo, a Segurança Social. Vivemos num país onde as prestações sociais são sistematicamente subvalorizadas e não são encaradas pelos governos como direitos. Cada vez mais são sujeitas a condições de recursos e outros obstáculos que impedem a maioria das pessoas de a elas aceder. O que acontece a uma pessoa com doença crónica, doença natural incapacitante? Não lhes é reconhecida qualquer incapacidade. Ao não lhes ser reconhecida qualquer incapacidade pelas Juntas Médicas, é-lhes rejeitado o direito a uma pensão substitutiva do rendimento do trabalho. O que significa que um doente oncológico em estágio IV tem que ir trabalhar (mesmo que sujeito a ciclos de quimio e radioterapia), um trabalhador com doença crónica que implique tratamento (hemofílico, doença inflamatória do intestino, esclerose múltipla) tem que ir trabalhar. Porque não tem uma incapacidade reconhecida. Começa logo por aqui, ainda os doentes não estão em fase terminal.

De seguida, o regime laboral. Não existe um estatuto do doente crónico. Este pode faltar, sim, para os tratamentos. Mas as faltas são justificadas - não são remuneradas. Naturalmente, pode estar de «baixa». Mas o subsídio por doença é 65% da sua remuneração e após um mês passa a 55%. E após trinta dias o contrato suspende-se levando a que, por exemplo nos casos em que essa suspensão passa de um ano para o outro se perca o direito a férias (e respectivo subsídio). Também, se está ausente por doença três dias (dou o exemplo da colite ulcerosa em que uma crise pode ser de 24 ou 48 horas com perdas de sangue e dores abdominais agudas, ficando o doente apto para trabalhar ao quarto dia), são três dias de salário perdidos e não pagos nem pelo patrão nem pela Segurança Social. Resumindo, um doente crónico, em termos de ausência ao trabalho, tem as faltas justificadas. Ponto. Juntemos então a incapacidade de ir trabalhar com a Segurança Social a não reconhecer essa incapacidade: temos um rendimento igual a zero.

Até 2019 nada havia na lei sobre os cuidadores. Agora há o pomposo estatuto do cuidador. Aconselho a que questionem as unidades de saúde familiares sobre como está a correr. O registo nacional de cuidadores não está a funcionar. Não existe pessoal (... a sério? que novidade) para dar formação aos cuidadores, pelo que não estão minimamente preparados para ter doentes a cargo. E.. surpresa, surpresa... o subsídio não está a ser atribuído a ninguém. O que significa que em 2020, em Portugal, para se cuidar de alguém que não possa cuidar de si, as pessoas têm que deixar de trabalhar. A única prestação a que podem recorrer é o subsídio por assistência de 3ª pessoa: €110,41. No caso de crianças, pais e mães trabalhadores podem ter licenças remuneradas até 30 dias por ano.

Sobre cuidados paliativos, a esmagadora maioria dos doentes não tem acesso a cuidados paliativos. Existem 14 unidades de cuidados paliativos integradas nos hospitais EPE e 14 na Rede Nacional de Cuidados Continuados (privados), continuam a faltar camas nos hospitais e não raras vezes os doentes ficam ao absoluto abandono por parte das suas famílias. Em 31 de Dezembro de 2018 existiam em Portugal Continental 213 camas nos hospitais e 168 na rede de cuidados continuados, num total de apenas 381. E uma Medicina da Dor que ou não existe ou não é disponibilizada.

Por outro lado, a política do medicamento continua a ser desastrosa. Ruptura de stocks, caixas de 28 comprimidos a custar 100 euros, não comparticipação em suplementos vitamínicos, situações que muitas vezes determinam a escolha de que medicação se pode ou não tomar em função do orçamento de que se dispõe.

E todos os produtos farmacêuticos necessários: fraldas, pensos, pensos de silicone para evitar as escaras das posições e do contacto da pele, gaze, agulhas, espátulas, etc, etc, etc.

Avançando para um SNS de excelentes profissionais e onde conselhos de administração recusam tratamentos porque são caros ou as pessoas já vão morrer.

E chegamos ao cúmulo de pessoas num estado de vulnerabilidade extrema (mesmo antes de estarem presas a uma cama), já não vivem com dignidade. Porque vivem dependentes da ajuda da família e de conhecidos, porque não têm forma ou o luxo de poder pagar o direito a ter direitos, porque o estado já os privou da vida quando lhes foi diagnosticada a morte.

E sei de tudo isto na primeira pessoa. E assalta-me uma ideia quando penso no fim: eu não quero passar o que o meu Pai passou. Mas este jamais deverá ser o motivo para que eu ou qualquer outra pessoa defenda a eutanásia.

Por isso mesmo, antes de lá chegar eu quero ter a certeza absoluta que ninguém passa por nada disto, que desde o momento do diagnóstico, do acidente, do que quer que seja que determina a condição - ninguém lhes retire a dignidade. Porque o estado não pode continuar a humilhar doente crónicos, doentes terminais. Não os pode privar dos seus direitos.

Por aqui passa a morte com dignidade.

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Há por aí malta que papa de tudo...
O Bispo, a Eutanásia e a IVG.
(Luis Piçarra, 2020/02/16)

Se um Bispo Católico aceita o convite e vai ao Congresso da CGTP-IN, absolvem de imediato 2000 anos de crimes, de assassinatos e genocídios em massa feitos em nome de Deus. Esquecem-se da pedofilia e violações da dignidade humana cometidos por bispos, padres e religiosos.

Até se esquecem que são estes agentes da Igreja e da religião de uma forma geral, que mais combatem os avanços civilizacionais da humanidade e das mulheres, como é o caso da IVG.

Mas a melhor, é a malta papar o argumento da Igreja Católica suja de sangue, que a aprovação de uma lei sobre a Eutanásia, se transforma numa caça aos velhinhos, pessoas com deficiência e em estado terminal, para os matar.

Não darei aqui a minha opinião sobre a "morte medicamente assistida". Considero no entanto que morrer não é um direito. É uma consequência que nasce connosco logo à nascença, passo a rodundância. Viver com dignidade, sim, é um direito pelo qual vale a pena lutar.

As Leis da IVG e da Eutanásia, foram aprovadas pelo poder soviético em 1918. Nos primeiros momentos da Revolução de Outubro. Uma como um direito das mulheres, a outra como uma medida contra o sofrimento e perante a insuficiência científica e tratado como uma questão filosófica.

A hipocrisia não tem limites. Em tudo.

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Última Palavra
(José Sócrates, Expesso duário, 2020/02/19)

O surgimento da eutanásia no debate político segue-se a um longo período em que estes dilacerantes dilemas moraisestes dilacerantes dilemas morais foram sendo resolvidos na intimidade familiar e com recurso às insubstituíveis qualidades do amor sensível e bondoso. Nessas alturas era preciso enfrentar, com coragem e em silêncio, as pressões e ameaças vindas do Estado ou da comunidade exterior à família. Agora, com o avanço da ciência médica e o incessante aumento da esperança de vida, são trazidos ao conhecimento público múltiplos casos em que parece cada vez mais evidente que o nosso “direito- a–viver” se transformou lentamente num “dever-de-viver” e nalguns casos numa verdadeira “punição-de-viver”.

Em 2002 a Holanda foi o primeiro país a despenalizar esta prática, a que se seguiram a Bélgica, em 2003, e, mais tarde, o Luxemburgo, em 2008. Agora, em 2020, no espaço de duas semanas, Portugal e Espanha juntam-se ao grupo inicial, discutindo leis semelhantes às daqueles países. O movimento europeu parece assim inclinar-se, em definitivo, para o lado da autonomia do doente e pela expulsão do Estado da relação com quem age para ajudar alguém a morrer em determinadas e muito precisas condições.

[...]

Finalmente, o que esta lei faz – e que explica a azeda disputa política que está longe de terminar – é respeitar o princípio de neutralidade ética do Estado, libertando–o de determinadas concepções religiosas ou morais que, invocando a sua condição maioritária, devam ser seguidas não apenas pelos seus crentes, mas também por todos os cidadãos, impondo-as abusivamente. Como aconteceu antes nas discussões sobre o aborto e sobre o casamento homossexual, a questão política central é colocar o Estado ao serviço da proteção do pluralismo moral que se exprime na salvaguarda de todos os estilos de vida pessoais desde que conformes à lei.

[...]

Um dos pontos mais azedos do debate, que é normalmente convocado pelos opositores à nova lei, é o argumento da rampa deslizante, que corre mais ou menos assim: se permitirmos a eutanásia voluntária, acabaremos por permitir a eliminação dos mais velhos, dos pobres e de todas as categorias da população sobre as quais as autoridades de turno venham a decidir que as respetivas vidas não merecem ser vividas. Aprovada a eutanásia voluntária, ela acabará por abrir a porta, como diz a igreja católica, a uma cultura de morte. O argumento, considerando os cuidados com que as leis foram elaboradas, parece muito injusto. Na verdade, a legislação procura responder a todas as preocupações levantadas no já longo debate que se seguiu à primeira aprovação da lei na Holanda, assegurando que a eutanásia só seja praticada se:
a) for explícita e reiteradamente solicitada;
b) não deixe qualquer dúvida quanto ao desejo do doente ;
c) tenha garantias de que essa decisão será informada, livre e definitiva;
d) o estado de saúde seja irreversível;
e) o sofrimento físico ou mental seja insuportável.


[...]

No entanto, a ninguém, dos que se opõem à aprovação desta lei, ocorreu que o argumento da rampa deslizante pode também ser invocado em sentido contrário: mantendo a eutanásia voluntária como crime não estaremos também a abrir a porta ao regresso da criminalização do suicida, à expropriação dos bens da sua família, ou ao seu banimento dos cemitérios cristãos?

Por outro lado, compreende-se mal que se atribua valor diferente ao pedido para morrer daquele que se dá à escolha de viver (como é flagrante no parecer do Conselho de Ética). A vontade destes últimos é tomada à letra imediatamente e sem mais exigências; os pedidos dos outros, daqueles que formulam o desejo de não querer mais viver em circunstâncias que julgam indignas ou insuportáveis, são encarados com suspeição, carecendo de interpretação psicológica e análises detalhadas das relações e afetos do paciente. Para além da confirmação da vontade, que deve ser feita com perguntas espaçadas no tempo de modo a ter-se certeza sobre a decisão, tudo o mais revela um paternalismo insuportável, em particular quando se afirma que essas dolorosas decisões pessoais devem ser “ entendidas como pedidos de ajuda”. Quando se fala de autonomia, é mesmo disto que estamos a falar – de levar a sério os pedidos das pessoas que sofrem.

Pondo de parte os argumentos radicais, que em pouco contribuem para o esclarecimento do que está em causa, as experiências dos países que estiveram na vanguarda da despenalização evidenciam que, apesar do investimento público contínuo na melhoria e no desenvolvimento dos cuidados paliativos que permitem aliviar a dor a doentes incuráveis, continua a haver casos em que a obediência à vontade expressa pelo doente constitui a única forma de respeitar a sua autonomia e de acabar com o sofrimento atroz. Nestes casos – e, mais uma vez, só nestes casos específicos – a eutanásia voluntária pode constituir a única possibilidade de um ato de empatia, de humanidade e de amor compassivo para com o nosso semelhante.


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Um caso de manipulação de fontes
(Manuel Pinho, Facebook)

Uma opinião publicada no jornal económico cita uma fonte como corroborando a sua tese que, depois de lida e analisadas muito pelo contrário conclui que as mortes por eutanásia e suicidio médicamente assistido diminuiram desde a legalização. Até onde vai a desonestidade.


A importância de saber "t o d a" a verdade: lendo as fontes do artigo e compreende-se que as próprias fontes (quando disponíveis) desmentem a tese do escrevedor:

1. a 1ª referência, para o sensacionalista Guardian, é inacessível e a 2ª para uma revista de medicina não existe na web.

2. No 3º artigo citado e acessível pode ler-se:
«RESULTS
In 2005, of all deaths in the Netherlands, 1.7% were the result of euthanasia and 0.1% were the result of physician-assisted suicide. These percentages were significantly lower than those in 2001, when 2.6% of all deaths resulted from euthanasia and 0.2% from assisted suicide. »
LEIA-SE: DESDE A LEGALIZAÇÃO A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO MEDICAMENTE ASSISTIDO D I M I N U I R A M.

3. «Of all deaths, 0.4% were the result of the ending of life without an explicit request by the patient (DESLIGAR DE MÁQUINAS DE SUPORTE DE VIDA QUE JÁ HOJE ACONTECE EM PORTUGAL!). Continuous deep sedation [- O ESTÁGIO TERMINAL DOS CUIDADOS PALIATIVOS] was used in conjunction with possible hastening of death in 7.1% of all deaths in 2005, significantly increased from 5.6% in 2001. [- LEIA-SE: A MORTE POR ATINGIR O ESTÁGIO FINAL DOS CUIDADOS PALIATIVOS CRESCEU DE 5.6 PARA 7.1] In 73.9% of all cases of euthanasia or assisted suicide in 2005, life was ended with the use of neuromuscular relaxants or barbiturates; opioids were used in 16.2% of cases. In 2005, 80.2% of all cases of euthanasia or assisted suicide were reported. Physicians were most likely to report their end-of-life practices if they considered them to be an act of euthanasia or assisted suicide, which was rarely true when opioids were used.[- LEIA-SE: QUANDO SÃO USADOS OPIÓIDES OS CIENTISTAS CONSIDERAM QUE NÃO HOUVE EUTANÁSIA MAS SIM MORTE NATURAL POR ATINGIREM A FASE TERMINAL DOS CUIDADOS PALIATIVOS]

4.
«CONCLUSIONS
The Dutch Euthanasia Act was followed by a modest decrease in the rates of euthanasia and physician-assisted suicide. The decrease may have resulted from the increased application of other end-of-life care interventions, such as palliative sedation.» [TRADUÇÃO: A Lei de Eutanásia holandesa foi seguida por uma diminuição modesta nas taxas de eutanásia e suicídio medicamente assistido. A diminuição pode ter resultado do aumento da aplicação de outras intervenções de cuidados no final da vida, como sedação paliativa (cuidados paliativos)

A desonestidade do escrevedor é tão grande que teve de desvirtuar as conclusões do artigo citado ...

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Desabafo em jeito de resposta
(Manuel Pinho, facebroncas)

1. Se bem que à revelia de um Partido que já foi vanguarda do humanismo, da liberdade e da solidariedade, dentro de meses também eu poderei escolher. Até agora, ao contrário de sí, eu não podia.

2. Administrativa é a atual condenação por assassinio de quem me ajudasse, caso eu não o pudesse fazer por mão própria. Administrativa é a criminalização do suicidio que só tem de ser medicamente assistido se o doente não o puder fazer por sí.

3. Negócio é a mercantilização dos paliativos. Sabe bem que eles são hoje um negócio, entregue a privados para quem tenha posses e a ipss's da igreja para quem não as tenha. Negócio tão prolongado e chorudo que a cuf descobertas, a luz saúde e as ipss's das igrejas reiteradamente informaram a mais (óbvia) oposição ao suicidio medicamente assistido.

Concluindo, toda a sua oratória seria cristãmente perdoável se viesse de um pobre de espirito, não vem, vem de uma pessoa formada e informada. Não tem vergonha? Não tem vergonha de proclamar a sua liberdade de escolher o cristão sofrimento mitigado, enquanto, ao mesmo tempo, quer negar ao próximo a escolha da morte libertadora? Não tem vergonha de invocar falsas administratividades do alto de todo o seu poder estatal da repressiva proibição? Não tem vergonha de invocar falsos e retorcidos negócios com a morte sabendo que ela é já hoje um verdadeiro, chorudo e classista negócio onde os ricos morrem com menos dor nos quartos com ar condicionado dos hospitais privados e os pobres com a dor possível nas enfermarias das católicas ipss's? Não tem vergonha de querer negar ao outro, que não a sí, a possibilidade de poder pedir ajuda para morrer sabendo ainda por cima, como sabe, que os tais cuidados mais ou menos continuados, mais ou menos paliativos, são só outro caminho, mais longo, mais lento, entremeado de intermitentes sofrimentos, entre agulhas e injeções, entre doses crescente de mais poderosos opiácios que conduzem ao mesmo destino? Outro caminho para a mesma morte?

Não vos compreendo. Ninguém vos pede que se matem ou se deixem matar, pedem-vos tão só que não condenem por assassinio o marido que ajudou a mulher a morrer porque ela lhe pediu consciente e reiteradamente para por termo ao sofrimento.

Não percebo em que momento dos últimos 20 anos é que o PCP perdeu o caráter humano, humanista, libertador, vanguardista, solidário com o ser humano, quando é que se tornou defensor de "expressões de cultura popular" partilhadas pelos cavaleiros de oliveira, netos e filhos dos equídeos que fecharam comunistas nas praças de touros, quando é escolheu o lado das morais burguesas herdeiras dos dogmas da igreja e se sentou ao lado do cavaco acenando com argumentos tão irrisórios como os dele. Cada vez me sinto mais longe deste partido. E o problema é meu, eu é que preciso de um partido ideologicamente marxista e pragmaticamente leninista, para se entreterem a gerir o estado da coisa não vos faço falta. Tenho pena. tenho pena mas não me vou calar.

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