Porque a múmia é contra.
Se alguma dúvida ainda tivesse, que há muito não tenho, bastaria para me dar descanso olhar para o cortejo de inimigos de classe muito preocupados com o reino de terror e pecado que se seguiriam à aprovação de legislação sobre a morte medicamente assistida. A Cristas não espanta, assim como não é de admirar toda a obra de deus, da familia eanes aos pobres numerários, mas quando até a múmia sai do sarcófago para bradar que é pecado fico com a certeza de estar mais uma vez do lado certo da barricada. @Refer&ncia
Sem Titulo
(Uma Página de Uma Rede Social, 2018/05/25)
"É pecado." Bastava que o Prof. Doutor Cavaco Silva, a malta do CDS e seus acólitos dissessem isso, quando falam sobre eutanásia. Não é pela falta de investimento em cuidados de saúde, nomeadamente em cuidados paliativos, que a direita conservadora se opõe à eutanásia - até porque a direita foi e ainda é contra o SNS universal e tendencialmente gratuito. Se dependesse da direita, os cuidados paliativos de boa qualidade só estariam disponíveis para ricos.
É mesmo pela doutrina judaico-cristã, que determina que só Deus tem o poder para decidir sobre questões de vida e de morte, e que o sofrimento é valorizado como elemento de redenção. É por isso que Cavaco, Cristas & Companhia são contra a eutanásia. Não é por compaixão nem por respeito da vida, é por fundamentalismo religioso.
Os projectos de lei que despenalizam a eutanásia têm várias medidas que travam qualquer perigo de banalização desta medida: exigem a repetida e expressa autorização do indivíduo, exigem vários pareceres médicos para determinar o sofrimento físico e a irreversibilidade da sua condição de saúde, exigem a avaliação psicológica que determina que o indivíduo está lúcido, consciente e em plena posse das suas faculdades mentais e, por fim, no último momento, o indivíduo tem de voltar a declarar que é mesmo essa a sua vontade.
A campanha que a direita conservadora tem desenvolvido contra estes projectos de lei é infame e intelectualmente desonesta, deliberadamente mentindo aos cidadãos, transmitindo-lhes o medo de que o Estado poderá passar a matar cidadãos às escondidas, contra a sua vontade.
As pessoas que têm tentado fomentar esta cultura de medo estão a mentir. Elas não querem que o indivíduo tenha autonomia para decidir sobre a sua própria vida, nem tampouco querem debater o tema de forma intelectualmente honesta, até porque os seus motivos são religiosos - e não intelectuais. Elas acreditam que a vida não pertence ao indivíduo, mas sim a Deus. Aliás, estas pessoas são tão radicalmente contra o debate intelectualmente honesto sobre este tema que até moveram uma acção concertada para banir do Facebook a página "Movimento Direito a Morrer com Dignidade", que contava com milhares de seguidores e alojava um vídeo com centenas de milhares de visualizações. E conseguiram, a página foi mesmo banida, o que mostra claramente a abertura que os fundamentalistas religiosos têm para o debate democrático e plural.
Já vimos os argumentos dessas pessoas noutros combates políticos ligados a questões de direitos, liberdades e garantias: na despenalização da interrupção voluntária da gravidez, CDS & Companhia diziam que eram contra porque o número de abortos dispararia, com as mulheres a abortar como passatempo. Aconteceu o oposto. O número de abortos diminuiu e nunca mais morreu uma única mulher em clínicas de aborto clandestinas.
No casamento entre pessoas do mesmo sexo, os fundamentalistas religiosos diziam que isso seria o primeiro passo para o fim da civilização, para pessoas quererem casar com animais e para mais um conjunto de absurdos verdadeiramente inqualificáveis.
Agora, na despenalização da eutanásia, os fundamentalistas voltam a recorrer à hiperbolização para criar medo, alegando que o Estado começará a matar pessoas às escondidas, contra a sua vontade.
Tudo isso é mentira. Estas pessoas estão a mentir. Elas são contra a eutanásia por fundamentalismo religioso, e nada mais. "É pecado". Bastava dizerem isso.
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