2018/12/02

Os Problemas dos Grandes Timoneirismos

Sobre um texto do António Jorge que encontrei aqui, não pude furtar-me a uma conversa de pé de orelha. Ficam aqui os dois, a conversa e o texto, para futuras Refer&ncias.

Caro António Jorge, concordando com o pano de fundo do seu texto, permita-me continuar a discordar da sua leitura dos culpados mais e menos distantes.

Aqueles a quem apelida de traidores, os que se alcandoraram ao poder no XX congresso do PCUS, foram os sobreviventes do poder que se alcandorou à chefia, do partido e do estado, depois do afastamento da liderança leninista em 1924-26. Isto é "O" facto. Para ilustrar "O" facto, proponho a imagem acima e os números que dela se extraem: dos 25 membros do CC Bolchevique em 1917, 4 morreram na guerra civil e 9 de causas naturais. Os restantes 12 morreram às mãos do poder liderado pelo grande-líder.

No plano das interpretações d"O" facto, podemos discordar e defender diferentes teses, mas sobre a realidade d"O" facto não pode haver lugar a discussões. Tenham eles sobrevivido por serem os legítimos, e desejados, herdeiros e potenciais continuadores do recém-defunto poder, ou tenham eles sobrevivido por, quais ratos escondidos nas paredes do partido, nunca terem manifestado a sua oposição aos quase 30 anos de grande-timoneirismo, "O" facto é que eram eles, os sobreviventes, que estavam fisicamente presentes na câmara-ardente onde o caixão com o grande timoneiro aguardava um herdeiro. Escolha uma destas ou descreva-me uma terceira.

Entrevejam-se, nesta discrição, as catacumbas onde, já em 1956, estariam enterrados os Materialismos Histórico e Dialéctico, a Revolução de Outubro e o Movimento Comunista Internacional para conseguirmos personalizar tão individualizadamente os herdeiros do poder régio, naquela que já fora uma democracia do proletariado, com todo o poder descentralizado nos sovietes.

Voltemos a"O" facto. Após 30 anos de grande-timoneirismo, em 1956, na câmara ardente, estavam presentes duas linhas sucessórias: de um lado, "O Béria de serviço", terceiro em trinta anos, que tinha ajudado o grande-timoneiro a "julgar" e enterrar os últimos opositores, ex-camaradas de partido, do outro lado da urna, os opositores ao "Béria de serviço",  sobreviventes que pretendiam, tão só, furtar-se a seguir o caminho dos seus camaradas, feitos desaparecidos ao longo dos último trinta anos. Alcandoraram-se ao poder régio, que de soviético já pouco teria, os vivos, acredito que para bem de muitos, tanto dentro como fora da URSS, apesar de tudo.

Os que se lhe seguiram não foram melhores.

Quanto à atribuição da queda do leste socialista à traição d"O" seu Presidente e Secretário Geral (Eleito? Nomeado? Herdeiro?), vou aos canhenhos dos dois filósofos, constatar que um sistema de produção, só é derrotado por outro, que ofereça maior produtividade. Isto de acordo com a economia politica marxista. E que os conjunturais lideres são emanações das massas, através de processos estruturais, isto a acreditar nas teses do materialismo histórico.

Assim sendo, isto é, seguindo os livros que de sagrado nada têm, note-mo-lo, das três uma: ou a) damos um pontapé na política económica marxista e no materialismo histórico, tudo de uma vez, bebé, água, banheira vai tudo pela janela fora e voltamos a acreditar nas histórias como sucessões de déspotas (mais ou menos) Iluminados, arcaicamente eleitos por deus ou, mais contemporaneamente, infiltrados pela omnipresente CIA; ou b) aceitamos que "aquilo" era um regime qualquer, passível de ser destruído pela traição de um condottieri, e também, por esta via, nos vergamos à anti-comunista ideologia dominante; ou c) assumimos que algo de muito errado se passava no reino da Dinamarca, para que em 60 anos não tivéssemos conseguido atingir níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do Capitalismo. Destas três, só a última me parece minimamente útil para trabalho futuro, para nos ajudar a não repetir erros e, pelo contrário, encontrar soluções para as pergunta que temos de começar já hoje a fazer: onde é que errámos, o que é que fizemos mal, como é que um sistema baseado na propriedade colectiva dos meios de produção "não conseguiu" oferecer níveis de produtividade qualitativamente superiores à selva do imperialismo predador em que a humanidade sobrevive? Como é que da próxima vez vamos conseguir?

Sobre traidores e traições, acredito que "O" facto ponha fim às polémicas sobre os idos de 56 e a leitura dos canhenhos à luz da realidade e da experiência, ajude a abrir portas para explicar consistentemente a queda do leste socialista.

Passemos às implicações d"O" facto.

Considerando os dois grandes exemplos de revoluções com pernas para andar, a russa e a chinesa, creio que temos de discutir, debater, investigar e aprender as formas de preservar a democracia do proletariado, depois da tomada do poder. Temos tempo. Como diz e concordo, não se prevêem revoluções mundiais para os próximos cinco a 10 anos anos, mas temos de fazer por elas, humanité oblige, e não podemos cometer os mesmos cataclísmicos erros das grandes revoluções do século XX, nomeadamente decepar os sempre poucos e mal formados quadros revolucionários nos altares dos voluntarismos e dos grandes timoneiros.

É possível aprender, já hoje, com a rica herança do passado. Aprender a não repetir os erros, os cultos das personalidades, as personificações do poder, os revisionismos da dialéctica materialista, os abandonos do método cientifico a favor de leituras e acções voluntaristas. Aprender com os bons exemplos: com a democracia de proximidade cubana, por exemplo, muito centrada no poder local, nos representantes de base, liderada por uma vanguarda com vastos conhecimentos teóricos e uma prática estritamente leninista. Cuba tem conseguido sobreviver a um bloqueio de cinquenta anos a 200 km da costa do império, e, curiosamente, teve até ao momento menos de meia dúzia de camaradas "dissidentes" que continuam vivinhos da silva e a "dissidir" como muito bem entendem, uns na ilha e outros em Miami, com toda a sua irrelevância.

Quanto ao trabalho a fazer para que as próximas revoluções ofereçam níveis de produtividade qualitativamente superiores aos do imperialismo predador, até podemos procurar caminhos nos canhenhos dos filósofos. A economia politica marxista aponta a crescente emancipação dos deserdados, dos explorados, dos produtores, a crescente emancipação do trabalho, como pedra de toque para os qualitativamente superiores ganhos de produtividade dos sistemas de produção tradicionalmente considerados no ocidente: o proletário do capitalismo é qualitativamente mais livre do que o servo do feudalismo e este mais livre do que o escravo do esclavagismo. O comunismo terá assim de oferecer uma maior liberdade em todas as suas vertentes, de movimentos, de intervenção, de espaço para a criatividade, para o livre debate, para o ser e o estar, enfim um espaço de democracia do proletariado. Este parece-me um tema a precisar de aprofundamento numa época em que a humanidade está prestes a libertar-se do trabalho repetitivo para se poder dedicar apenas ao criativo. Ou não.


Um segundo "pontapé na gramática" é o, da minha perspectiva internacionalista, desnecessário remoque aos EUA e Israel. Conjunturalmente, até posso concordar no que respeita à cabeça do império. Já está em decadência, a cabeça, em rota isolacionista, a cabeça, mas os estertores do corpo ainda fazem e farão mossa por muitos e maus anos. Já no respeitante ao sionismo, nem isso. Como potência económica ou financeira é irrelevante. Como representante do imperialismo, fica muito atrás da União Europeia, como agressiva potência militar, não chega aos calcanhares da NATO. De relevante, para o capital belicista, só tem o facto de ser a, reconhecidamente ilegal e internacionalmente criminosa, potência ocupante da Palestina. Sim, e claro está, e ainda a relevância dos milhões de dólares que investe na compra dos congressistas, dos senadores e do imperador eleito na capital do império. Se precisássemos de nomear geografias por esse mundo fora, outras veríamos estarem a ganhar relevância e mereceriam uma cuidada análise do movimento comunista internacional, mas prefiro continuar a olhar para a China como um caso ainda não irremediavelmente perdido, é menos deprimente.

Deixe-me terminar agradecendo-lhe o seu excelente texto, claro, sintético, necessário. Continuamos a discordar sobre os afloramentos dos estalinismos e os voluntarismos acusatórios, mas concordo consigo em tudo o resto.

Repensar a política na fase da economia de casino do capitalismo de feição neo-liberal dominante e da globalização... a Ocidente. Análise de um marxista!
(António Jorge, Facebook, 2018/12/01)

- Em primeiro lugar, dizer aos mais ousados e revolucionários de que não existem condições nem no plano objectivo, nem subjectivo, para se poder pensar em fazer revoluções... e acreditar ainda na possibilidade de na nossa época, chegarmos ao socialismo real - o do povo.

- Para e até que isso aconteça, em primeiro lugar, terão de ocorrer no Mundo, alterações importantes e de ruptura internacional que permitam o surgimento de novas políticas, sociais e culturais, e o nascer de um novo paradigma civilizacional de compreensão e vontade da humanidade, só possível de se voltar atingir pela desalienação das massas acumulada ao longo de muitas décadas de propaganda do poder e domínio da direita neo-liberal.

- A humanidade precisa reconstruir de novo o que ruiu, com o fim da Ex. União Soviética... uma vanguarda política internacional poderosa, que permita o direito de poderem despontar novas revoluções libertadoras, claro que em função da realidade de cada povo ou nação ou mesmo continente, e a serem protegidas e defendidas da chantagem, ameaças e intervenções militares mesmo... para assassinarem as tentativas dos povos que querem sair da sujeição e do poder imperial, militar e financeiro, USA/sionista, que tudo condiciona e oprime em função dos seus interesses perversos.

- Devemos... isso sim, é manter uma atitude revolucionária nos nossos actos e comportamentos para o desenvolvimento e aprofundamento da sociedade democrática em que vivemos, e que apesar de perversa e injusta socialmente, temos de defender por falta de condições alternativas.
Intervir na luta e esclarecimento contra a alienação e desorientação das massas, sujeitas à influência perversa das políticas de direita e da comunicação social da mentira e da crendice organizada e dirigida subtilmente pelo poder anglo-saxónico-sionista e da sua cultura secular dominante, que se faz sentir à escala global.

- O quanto pior melhor, não será nunca solução, pelo que devemos lutar sempre por transformações para melhorar a qualidade de vida e de trabalho na sociedade em que vivemos, com determinação e entusiasmo.
As condições políticas mudam,.. não só com o tempo, mas também com o somatório das grandes e pequenas lutas, ao nível local, nacional e internacional.

- Não podemos é parar e esperar pelo que há-de vir ou não vir nunca... precisamos entender o tempo presente para saber lutar pelo futuro.
O fim da ex-União Soviética, criou um vazio político e de segurança no plano geral mundial com o quase desaparecimento do movimento comunista internacional, traído desde o XX Congresso do PCUS em 1956, pelo reformismo e traição aos princípios socialistas e revolucionários e que desembocou na traição de Gorbatchev em 1989, e que fez implodir a URSS, ficando o imperialismo senhor do Mundo e acreditar no fim da história... e que como se pode ver... a história ainda não chegou nem chegará nunca ao fim.

Precisamos entender o presente e saber que novas revoluções ou grandes rupturas políticas e sociais, não serão cópias do passado... a revolução de outubro é principalmente obra da classe operária... as novas revoluções são revoluções... pós revolução industrial... serão consequência da atitude dos homens e das mulheres progressistas deste tempo, que trabalham e vivem a realidade contemporânea da luta, e já dentro da revolução técnica e cientifica.

Avante pelo homem novo e a Mulher do Futuro!

António Jorge - Ex. sindicalista do Movimento Sindical Unitário

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