2017/01/25

Os arquivos da pide estão na Torre do Tombo

Já andava à procura deste texto hà uns anos ... como reapareceu, desta vez no café central, aqui fica ele para referência futura

Afirma o (mais que) insuspeito Sousa e Castro(1):

A TODOS OS MEUS AMIGOS DO FB PEÇO O EMPENHO EM LEREM O QUE SEGUE E DIVULGAREM SE ACHAREM JUSTO. É QUE JÁ NÃO É ADMISSIVEL TANTA MENTIRA E DEMAGOGIA.

Quando a 26 de Abril de 1974, finalmente as Forças Armadas tomaram a sede da Pide/Dgs na rua António Maria Cardoso em Lisboa e ocuparam o forte de Caxias libertando os presos políticos, um dos factos que constataram foi que na sede, os agentes da Pide acossados pela Revolução, haviam queimado substanciais quantidades de documentos, não numa incineradora que tivessem para o efeito, mas numa singela lareira revelando logo ali, o estado da arte a que tinha chegado a policia politica da ditadura.

Como não foi possível identificar na totalidade os documentos queimados, sabendo-se todavia que na maior parte eram listas de colaboradores e informadores e de redes pessoais de informadores que eram exclusivo dos agentes mais graduados da polícia politica, inspectores e subinspectores, é absolutamente razoável presumir que alguns desses documentos conteriam algum documento relacionado com as polícias politicas congéneres inclusive com a CIA.

Acrescente-se todavia, que nessa altura, 90% dos efectivos e da actividade da Pide /Dgs, realizava-se nos três teatros de operações militares em África a benefício das Forças Armadas Portuguesas, especialmente o Exército, com quem colaboravam estritamente, não só no domínio da pesquisa coberta das informações, como em actividades extra fronteiras, e até em contactos com os movimentos ditos de Libertação.

Na Metrópole, isto é em território Nacional Europeu, tanto a sede como a prisão de Caxias, foram ocupadas em permanência pelas Forças Armadas, quer unidades do Exército, quer da Armada, incluindo a prisão de Alcoentre, onde milhares de agentes e informadores, foram “ depositados” com o intuito de serem julgados.

A ocupação, guarda e defesa dessas instalações, manteve-se ininterruptamente nas mãos dos militares até 1982 (fim do Conselho da Revolução), embora com a substituição das guarnições logo após os acontecimentos político-militares de 25 de Novembro de 1975.

Ao organizarem a guarda das instalações e arquivos os militares, através de uma cadeia hierárquica conhecida, formaram uma comissão, chamada Serviço de Coordenação para a Extinção da Pide/Dgs e LP [Legião Portuguesa]. Nela aceitaram integrar elementos dos vários partidos e forças políticas, que reivindicavam um passado de luta antifascista, entre outras, o PCP, o PS, a Luar, o MRPP etc. Esses elementos são conhecidos e grande parte, creio eu, ainda hoje é viva, felizmente. Entre eles estava um membro do comité central do PCP; o sr. Oneto ligado ao PS; o dr. Caldeira do PS e hoje da fundação Mário Soares e outros cidadãos ligados às forças que referi.

Estas forças, particularmente o PCP, que tinham aliás os correlativos simpatizantes no seio das Forças Armadas da altura, procuraram numa primeira fase e rapidamente, indagar das listas de colaboradores e informadores por forma a puderem rapidamente sanearem das suas fileiras e exercerem alguns ajustes de contas. Digo particularmente o PCP, que obviamente teve chocantes surpresas.

Mas a questão essencial, é que este heterogéneo grupo político civil que passou a fazer companhia aos militares, exerciam uma vigilância mútua de tal ordem, que é absolutamente delirante pensar, nas colunas de Berliets (camiões) que a coberto da noite carregaram toneladas de documentos e se puseram a caminho da União Soviética, numa operação Jamesbondiana sem paralelo cá no burgo!!!!!.

É aliás ofensivo para a guarnição e chefias militares presentes e responsáveis à época a admissão de uma operação dessa natureza.

Esta delirante visão, sem o mínimo de consistência e prova real, faz ainda hoje as delícias conspirativas de alguns escribas jornalísticos e do Facebook e mais grave é partilhada por gente que se diz historiadora, alguma com altas responsabilidades académicas…

A verdade, é que tirando alguns recuerdos pessoais, entre os quais algumas armas, os processos de lideres políticos da oposição à ditadura como os de Soares e Cunhal, e eventualmente algumas fotocópias de documentos que a análise superficial de alguns desses zelosos civis partidários poderiam considerar informação útil para este ou aquele partido, os arquivos da polícia politica da ditadura podem considerar-se incólumes e foram entregues por mim em 1982 para seguirem para a Torre do Tombo, após um grupo de deputados ter alvitrado que eles ficassem na AR!!!!

O embuste da fuga de informação relevante e com peso político, sobretudo em termos internacionais, uma espécie de wikileaks avant-garde, põe a nu oportunismos serôdios e a ignorância completa do processo histórico relacionado com o fim da ditadura.

Por altura do 25 de Abril de 1974, a polícia política portuguesa, estava praticamente proscrita das redes de informação normais das democracias ocidentais, incluindo a CIA e como é óbvio, não tinha qualquer contacto com as polícias políticas do Bloco Comunista e ainda menos com a China.

Acresce a esta realidade o indigente estado da arte dessa polícia, por mim verificado, durante os sete anos em que fui responsável pelo desmantelamento do seu aparelho, em que foi confrangedor, verificar os aspectos artesanais e arcaicos do seu funcionamento. Sem embargo de admitir contactos estritamente pessoais de alguns inspectores, que não do director, major Silva Pais, com elementos de alguns serviços secretos europeus (França e Inglaterra). O resto é fantasia pura.

Relembro que os efectivos, os melhores agentes e 90% do esforço da polícia política se verificava em África e aí sim, com resultados palpáveis, entre os quais os assassinatos de Eduardo Mondlane e Amílcar Cabral. Acções aliás bem negativas para o interesse estratégico português como hoje é fácil constatar.

Por último queria reafirmar que a todos os agentes e informadores confirmados, foi dado oportunidade de um julgamento justo e equitativo, por mim exigido em Conselho da Revolução e que o General Ramalho Eanes através dos meios Judiciais do Exército proporcionou (cinco tribunais militares), queria dizer ainda que esses processos judiciais estão salvaguardados no Arquivo Histórico militar, sendo Portugal, talvez o único caso no mundo, onde os arquivos da polícia política de uma ditadura foram essencialmente preservados e o julgamento que os democratas fizeram sobre essa polícia política estão salvaguardados.

Isto sim devia ser valorizado e merecer o estudo de quem perde tempo com especulações e demagogias.

(1) Rodrigo Manuel Lopes de Sousa e Castro é um antigo militar português. Militar de carreira, integra em 1973 a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, na clandestinidade. Participa na elaboração do documento O Movimento das Forças Armadas e a Nação, verdadeiro programa político do Movimento dos Capitães, bem como na organização e desencadeamento da operação militar de 25 de Abril de 1974, a designada Revolução dos Cravos, que culmina com o derrube do regime ditatorial, de 48 anos, de Salazar/Caetano. Coube-lhe o levantamento das forças militares a Norte, que na ordem de batalha dão corpo ao Agrupamento November. Durante o Verão de 1975 é um dos subscritores originais do Documento dos Nove e faz parte, por via disso, do Grupo dos Nove.

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