(Jorge Fonseca de Almeida, O Lado Oculto, 2019/04/27)
A corrupção política é por todo o mundo rejeitada pelos povos mas praticada em maior ou menor extensão pelos governantes. A luta contra a corrupção, sendo difícil e justa, é extremamente popular e muitas vezes assimilada a uma luta entre os deserdados honestos e os poderosos corruptos. Embora excessivamente simplista esta visão não deixa de ter um fundo verdadeiro.
Em sociedades de fraca ou nenhuma mobilidade e de baixos salários, como a portuguesa, a ascensão social levanta logo, muitas vezes legitimamente, suspeitas de corrupção.
Nos últimos anos a direita e a extrema-direita políticas descobriram que a luta contra a corrupção podia ser uma forma poderosa de manipulação de massas e de ataque às forças com maiores preocupações sociais e em que os níveis de corrupção são incomensuravelmente menores dos que existem em outras formações políticas.
Assim, pegando em situações reais ou criando casos fictícios através da mentira, da descontextualização dos acontecimentos, têm vindo a montar, um pouco por todo o mundo, campanhas contra os líderes de esquerda ou os dirigentes simplesmente nacionalistas.
Desde logo disseminaram uma regra simples: “quanto mais pobre o país, mais corruptos os dirigentes”, que hoje é seguida acriticamente por todos os órgãos de comunicação social. Assim, de uma assentada todos os dirigentes de países africanos ou asiáticos ou latino-americanos são, por definição, corruptos; e os dirigentes dos Estados mais ricos, europeus e norte-americanos, são honestos. Os países “inimigos” esses são sempre apontados como o cúmulo da corrupção.
O Índice de Percepção da Corrupção publicado pela Transparência Internacional tem sido um veículo de transmissão destas duas ideias que se pretendem inculcar nas mentes das populações dos países menos desenvolvidos: i) que os seus dirigentes são corruptos; ii) que os dirigentes dos países ricos são honestos.
Veja-se que entre os países considerados mais corruptos do quadro da Transparência Internacional está a Coreia do Norte, provavelmente um dos países com menos corrupção no mundo. Mesmo na Europa, Portugal é classificado como muito mais corrupto do que a França e a Alemanha.
Assim, a intervenção e ingerência estrangeira estaria justificada e deveria ser até apoiada, pois mais não seria do que uma boa ajuda aos povos para se livrarem de elites corruptas. Nada pode, contudo, estar mais longe da verdade.
Com esta tese fica dispensada a necessidade de provar o que se diz, podendo-se dar largas à mentira descarada, ao rumor mais absurdo, ao insulto mais vil. Tudo e mais um par de botas pode ser assacado à corrupção dos outros.
Esta regra serve para justificar as maiores ingerências, derrubar líderes nacionalistas que fazem frente às exigências americanas ou europeias, descartar líderes impopulares que apoiaram anteriormente, promover revoluções coloridas e armadas contra regimes legítimos.
Índice de percepção de Corrupção de 2013 Fonte: Transparência Internacional |
América Latina
Sem provas, mas com uma forte campanha de intoxicação, foi o Presidente Lula acusado e condenado. Outros como Maduro da Venezuela, Alan Garcia do Perú, Cristina Kirchner da Argentina e outros têm vindo a ser sistematicamente acusados de corrupção e desalojados do poder, sendo substituídos em eleições viciadas por forças muito conservadoras que mantém uma fachada de democracia mas instalam regimes musculados e de políticas antissociais.
No Brasil e no mundo prossegue uma campanha pela libertação do Presidente Lula, um verdadeiro preso político falsamente acusado de corrupção e impedido, por isso, de concorrer às eleições presidenciais do ano passado quando era o candidato com maior probabilidade de vencer. Esse impedimento abriu caminho à vitória, viciada, de Bolsonaro, um representante das forças mais conservadoras e antissociais do Brasil.
Vê-se como a manipulação do justo sentimento das pessoas contra a corrupção tem vindo a ser usada como uma arma poderosa nas mãos das forças mais conservadoras na luta política.
Recentemente, o ex-presidente peruano Alan Garcia foi também acusado de corrupção. Alan Garcia foi duas vezes Presidente do Perú eleito pela APRA, um partido de centro-esquerda que defende “la Justicia Social para superar la explotación, la miseria y las desigualdades que no se expliquen por el esfuerzo y la capacidad de cada uno, y reivindica la Soberanía Nacional ante toda forma de influencia externa o imperialismo que signifiquen abuso y dominación. La doctrina aprista afirma que sin Libertad y Democracia no son posibles ni el progreso ni la justicia, y por ello rechaza las dictaduras políticas y económicas” (site da APRA).
No dia em que seria preso Alan Garcia suicidou-se deixando uma carta, cheia de dignidade, que vale a pena transcrever:
“Cumpri a missão de conduzir o aprismo ao poder em duas ocasiões e impulsionámos outra vez a sua força social. Eu acho que essa foi a missão da minha existência, tendo raízes no sangue desse movimento.
Por essa razão e por causa dos reveses do poder, os nossos oponentes optaram pela estratégia de me criminalizar por mais de trinta anos. Mas eles nunca encontraram nada e eu derrotei-os novamente, porque eles nunca encontrarão mais do que suas especulações e frustrações.
Nestes tempos de rumores e ódios repetidos que as maiorias crêem serem verdadeiros, eu vi como se utilizam de procedimentos para humilhar, causar vexame e não para encontrar verdades.
Por muitos anos me coloquei acima dos insultos, me defendi e a homenagem dos meus inimigos foi argumentar que Alan García era esperto o suficiente para que eles não pudessem provar asua calúnia.
Não havia contas, nem subornos, nem riqueza. A história tem mais valor do que qualquer riqueza material. Nunca existirá preço suficiente para quebrar meu orgulho como membro aprista e peruano. Por isso que eu repeti: outros vendem, eu não.
Cumpri o meu dever na minha política e nas obras feitas em favor do povo, tendo alcançado as metas que outros países ou governos não conseguiram, não tenho que aceitar humilhações. Já vi outros desfilarem algemados guardando sua existência miserável, mas Alan García não precisa de sofrer essas injustiças e circos.
Por essa razão, deixo aos meus filhos a dignidade das minhas decisões; aos meus colegas, um sinal de orgulho. E meu cadáver como sinal de desprezo para os meus adversários porque já cumpri a missão que impus a mim mesmo.
Que Deus, a quem eu vou com dignidade, proteja os de bom coração e os mais humildes” (transcrita do site brasileiro Portal Vermelho)".
Em Portugal
Também em Portugal têm surgido muitos casos de corrupção envolvendo políticos de direita e centro-esquerda, sendo o mais mediático o do ex-primeiro ministro José Sócrates. Neste caso, muito mediatizado no tempo do Governo Passos Coelho, foi nítida a sua politização.
Mais recentemente surgiram na comunicação social casos de outro tipo, ie, completamente forjados atacando Presidentes de Câmara da CDU e familiares de dirigentes políticos do PCP. Embora a sua montagem tenha tido uma enorme difusão, o seu desmentido, apesar de cabal, não teve a mesma cobertura, deixando propositadamente em alguma opinião pública uma ideia errada sobre o sucedido.
A lentidão da Justiça, as leis mal feitas, a complacência com a incompetência do Ministério Público, as sistemáticas violações do segredo de Justiça, permitem em Portugal o julgamento na praça pública e a calúnia injustificada, mas amplamente publicitada.
Estão criadas todas as condições materiais: muitos casos reais de corrupção, Justiça ineficaz, julgamentos na praça pública, para a manipulação do tema da corrupção pela extrema-direita. Quem serão os próximos alvos?
Combater a Corrupção
Quer isto dizer que a corrupção não existe e que se trata tudo de uma manipulação da opinião pública? Seguramente que não.
A corrupção é um fenómeno corrosivo da coesão social, viciador da democracia, que impede a correcta alocação dos recursos públicos e os desvia para servir interesses privados ilegítimos.
É, pois, necessário combater a corrupção com vigor e denodo. São precisas mais leis, mais recursos policiais, mais recursos do Ministério Público, mais sensibilização dos juízes e da sociedade em geral. Simultaneamente é preciso mais celeridade no julgamento dos casos, para que se não arrastem por anos e se não crie a sensação de impunidade.
É também preciso evitar a manipulação do tema, as falsas acusações, a difusão de rumores. A exploração e a manipulação do combate à corrupção é uma arma tão poderosa que pode levar, como se vê na América Latina, à perversão da democracia, ao afastamento de actores fundamentais e à ascensão de uma extrema-direita antissocial.
É preciso estar alerta.
Sem comentários:
Enviar um comentário
O seu comentário ficará disponível após verificação. Tentaremos ser breves.