2019/04/30

Os EUA e a mudança de regime na Venezuela

Os EUA e a mudança de regime na Venezuela
(Carlos Fazio, in O Diário.info, 2019/04/19)

A conspiração imperialista contra a Venezuela utiliza um amplo leque de meios: militares, económicos, mediáticos, políticos, culturais. É uma guerra de “quarta geração.” Criou e preparou os seus próprios fantoches. Inflige ao povo venezuelano todas as dificuldades e violências. Mas essa constante agressão, que teve início ainda Chávez não tinha assumido o poder, ainda não quebrou a resistência bolivariana, que exige e merece toda a solidariedade do mundo.

No quadro de uma guerra global de classes de expansionista e agressiva nos últimos 20 anos, durante quatro presidências sucessivas de democratas e republicanos na Casa Branca: William Clinton, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump, a diplomacia de guerra dos EUA tem vindo a impulsionar uma política de mudança de regime na Venezuela contra os governos constitucionais e legítimos de Hugo Chávez e Nicolas Maduro.



Acções abertas e clandestinas dos EUA inscrevem-se na dominação de espectro completo, um conceito concebido pelo Pentágono antes dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, que envolve uma política combinada, em que as componentes militar, política, económica, jurídica/para-institucional, mediática e cultural têm objectivos comuns e complementares. Uma vez que o âmbito é geográfico, espacial, social e cultural, para impor a dominação é necessário fabricar o consentimento. Ou seja, colocar na sociedade determinados sentidos comuns que, de tanto repetidos, se incorporam no imaginário colectivo e introduzem, como única, a visão de mundo do poder hegemónico. Isso implica o treino e manipulação ideológica (doutrinação) de um grupo e/ou uma opinião pública legitimadoras do modelo.

São chave para a fabricação de consenso as imagens e narrativa dos meios de comunicação de massa, com os seus mitos, meias verdades, mentiras e falsidades. Apelando à psicologia de massas e à propaganda negra impõem na sociedade a cultura do medo. A fabricação social do temor inclui a construção de inimigos internos.

Manuais do Pentágono atribuem grande importância à luta ideológica no campo da informação e ao papel dos meios de comunicação e redes sociais (Internet e telefones móveis) como armas estratégicas e políticas para gerar violência e caos planificado. Um desses documentos indica que as guerras modernas têm lugar em espaços que vão para além dos simples elementos físicos do campo de batalha. Um dos mais importantes são os meios nos quais ocorrerá a disputa da narrativa. A percepção é tão importante para o seu sucesso quanto o próprio evento. No final do dia, a percepção do que aconteceu é mais importante do que o que realmente aconteceu.

A percepção pode ser criada com base em uma notícia falsa e ser imposta às massas por meio de campanhas de operações psicológicas nos media e/ou nas redes de Internet (guerra social em rede), ou através de grupos de reflexão (Think-tank), centros académicos, fundações, ONGs e intelectuais orgânicos, a partir de matrizes de opinião elaboradas por especialistas em informações e militares. As campanhas de intoxicação (des)informativa exploram preconceitos e vulnerabilidades psicológicas, económicas e políticas da população de um país objectivo, e gerem um guião propagandístico desestabilizador, com eixo em denúncias de corrupção e repressão, rotulando o regime de turno como uma ditadura e acenando como bandeiras a defesa dos direitos humanos, a liberdade de imprensa e a ajuda humanitária.

Antes de Hugo Chávez chegar ao Governo em 2 de Fevereiro de 1999 já tinha sido começada a construir a sua lenda negra, e os meios de comunicação hegemónicos classistas e racistas venezuelanos referiam-se a ele como El Mono Chávez, Gorila rojo, um negro em Miraflores, e aos seus seguidores chamaram hordas chavistas.

Depois, e a par de a Agência Central de Inteligência (CIA) criar a organização sérvia Otpor (Resistência) e treinar os seus membros nas técnicas do golpe suave com o objectivo de derrubar Slobodan Milosevic na ex-Jugoslávia, foi sendo forjado o golpe de Estado de 2002 na Venezuela. Como parte de uma guerra não convencional e assimétrica de quarta de geração, utilizou a Internet e os meios de comunicação de massa (Venevision, Globovision, Rádio Caracas Televisión e entre outros os jornais Tal Cual, El Nacional e El universal), para promover matrizes de opinião antichavistas e projectar informação manipulada, distorcida e falsificada, com a intenção de desacreditar o governo bolivariano.

Fracassado o golpe, o lockout (bloqueio patronal) de corporações empresariais da Venezuela agrupados em Fedecámaras e Conindustria, e a sabotagem da gerontocracia da PDVSA (entidade petroleira estatal). Em 24 de Março de 2004, testemunhando perante o Comitê de Serviços Armados da Câmara dos Representantes dos EUA, o general James T. Hill, chefe do Comando Sul do Pentágono, cunhou a designação de populismo radical em clara referência a Hugo Chávez. O termo foi de imediato usado com fins de propaganda maciça e foi adaptado no México a Andrés Manuel Lopez Obrador, o messias tropical (E. Krauze dixit).

Em Dezembro seguinte triunfava a revolução laranja de factura norte-americana na Ucrânia e, em 2005, com financiamento do Washington, eram enviados para o Centro de Acção e Estratégias Não Violentas Aplicadas (lona), da Universidade de Belgrado, na Sérvia, cinco líderes estudantis da Venezuela para formação nas políticas de mudança de regime segundo as técnicas insurreccionais das revoluções coloridas e golpes suaves de Gene Sharp. Entre eles figuravam Yon Goicoechea, Freddy Guevara e Juan Guaidó.

A combinação das técnicas de uma revolução colorida (golpe suave) com as da guerra não convencional (golpe duro), mergulhou Venezuela numa guerra híbrida.

Desde 2005, a partir da experiência acumulada após os erros tácticos cometidos no breve espaço de tempo decorrido desde a chegada de Hugo Chávez ao governo: golpe de Estado, lockout patronal, sabotagem petroleira, guerra mediática e outros ardis desestabilizadores para uma mudança de regime na Venezuela, a Agência Central de inteligência e o Pentágono tinham no terreno, não obstante, os recursos humanos necessários para desenvolver uma guerra híbrida contra a revolução bolivariana: a combinação de manifestações de massas estudantis para uma revolução colorida (golpe suave) com milícias armadas para uma guerra não convencional (golpe duro).

Dois anos mais tarde, Yon Goicoechea, Freddy Guevara, Carlos Graffe, David Smolansky e Juan Guaidó, os estudantes treinados na Sérvia e autonomeados de Geração de 2007, eram elogiados pelo então embaixador dos EUA em Caracas, William Brownfield, como líderes emergentes que desafiavam o chavismo.

Até então, os cinco activistas e outros estudantes também recrutados na Universidade Católica Andrés Bello - cujo reitor era o jesuíta Luis Ugalde, uma das principais fontes dos libelos antichavistas de Enrique Krauze - tinham assistido aos cursos de formação em mudança de regime de Gene Sharp no Instituto Fletcher na Universidade Tufts, em Boston, EUA.

O movimento estudantil tinha reunido fundos do Instituto Cato dos irmãos Koch em Washington, DC, do Institute for Open Society de George Soros, da Fundação Konrad Adenauer do partido democrata-cristão alemão (da senhora Merkel) e da Fundação FAES, do neofranquista José María Aznar, e eram os quadros que deviam impulsionar na Venezuela a chamada revolução calêndula, similar das revoluções rosa (Geórgia, 2003), laranja (Ucrânia, 2004) e tulipa (Quirguistão, 2005).

Com essa tarefa, Goicoechea, Guevara, Guaidó et al participaram em 2007 nas violentas manifestações de rua (guarimbas) antigovernamentais a pretexto da não-renovação da concessão de espaço radioeléctrico a Radio Caracas Television (RCTV), por esgotamento do seu prazo legal (essa estação privada tinha participado activamente no golpe de Estado de 2002, apelando inclusivamente ao assassínio de Hugo Chávez em clara violação da Constituição).

Nessa conjuntura o movimento estudantil mãos brancas levou às ruas venezuelanas as tácticas indirectas do paradoxal caos sistémico organizado e dirigido pelo Instituto Albert Einstein de Gene Sharp e o grupo Otpor usando mesmo um logotipo semelhante ao da organização sérvia, que incluía a palavra Resistência e uma mão (símbolo também usado por Felipe Calderon na sua campanha eleitoral de 2006 contra Andrés Manuel López Obrador, sob o lema AMLO, um perigo para o México).

Com outro elemento relacionado com todas as revoluções de cores: a guerra de quarta geração, que inclui como armas operacionais e estratégicas acções psicológicas clandestinas e campanhas de (des)informação televisionadas, bem como a guerra social em rede (via plataformas como Facebook e Twitter ) como a forma mais eficiente de disseminar e viralizar a mensagem para a administração das percepções e o controlo invisível da sociedade-alvo.

Perante os reiterados fracassos dos seus planos desestabilizadores, em Novembro de 2010, já com Barack Obama na Casa Branca e com a bênção do ex-embaixador dos EUA em Caracas, Otto Reich - perito do reaganismo em propaganda negra e implicado no tráfico de cocaína do escândalo Irangate para financiar a contra nicaraguense adversa ao governo sandinista -, círculos dos serviços de informações dos EUA organizaram uma reunião de activistas estudantis venezuelanos num hotel na Cidade do México.

Nesse encontro, denominado Fiesta Mexicana, participaram membros da Geração 2007 (Goicoechea, Guevara, Smolansky, Guaidó) e dirigentes estudantis como Gaby Arellano, Daniel Ceballos e Amilcar Fernandez, além de dois generais aposentados. Da reunião, que contou com o apoio político do ex-presidente do México, Vicente Fox, surgiu um plano para derrubar o presidente Chávez gerando o caos através de prolongados espasmos de violência de rua.

Com o objectivo de gerar um golpe suave na Venezuela, a conspiração Fiesta Mexicana seria combinada a partir de 2012 com o desenvolvimento de uma infraestrutura de apoio clandestino e toda formação de um grupo subversivo capaz de realizar uma guerra de guerrilha (rural e urbana), executar acções terroristas e sabotagens estratégicas contra as forças do governo e infraestruturas críticas, difundir propaganda, traficar contrabando e reunir informações, de acordo com o manual de guerra não convencional do Pentágono (Special Forces Unconventional Warfare, também conhecido como TC 18-01).

A partir de então a combinação das técnicas de uma revolução colorida (golpe suave) com as da guerra não convencional (golpe duro), mergulhou a Venezuela numa guerra híbrida até aos dias de hoje, cujo objectivo é fragmentar o Estado e derrubar o governo constitucional e legítimo de Nicolás Maduro. Com a Casa Branca (primeiro Obama, depois Trump) exercendo a liderança velada.

Fonte: https://www.lahaine.org/mundo.php/eeuu-y-el-cambio-de
https://www.lahaine.org/mundo.php/eeuu-y-el-cambio-de-1

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