2017/10/14

Obrigado, Passos Coelho

Obrigado, Passos Coelho
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 13/10/2017)

Tem sido comovente ler os vários artigos de opinião de colunistas que choram a partida de Passos Coelho. Colunistas que dizem que o País lhe deve a sua sobrevivência. Apesar de ser hoje sabido que, nas negociações com a troika, o governo aproveitou o embalo para medidas austeritárias que nem sequer nos eram exigidas por Bruxelas, num aproveitamento de uma situação de fragilidade para impor uma agenda que se sabia ultraminoritária. Apesar de sabermos que foi por convicção para lá da troika e que se não o tivesse feito ter-se-iam salvado pelo menos alguns empregos, algumas empresas, algumas partidas para o estrangeiro. Apesar de sabermos que Passos desejou a intervenção externa e até fez tudo para a facilitar e com ela poder chegar ao poder. Pelo que fez ao país, não devemos qualquer agradecimento a Passos Coelho. Mas a narrativa do salvador incompreendido é fundamental para evitar que as suas bandeiras caiam por evidente falta de sucessores políticos.

A agenda radical que Passos Coelho acabou por impor ao seu partido e ao país tem os seus cultores e não corresponde à tradição histórica do PSD. Ela tem crescido entre jovens vanguardistas apostados em vencer o que consideram ser o “status quo” socialista, a que nós chamamos apenas de Estado Social e que tem um fortíssimo apoio popular. Jovens que foram promovidos e protegidos por intelectuais que trocaram a revolução maoísta pela revolução liberal-conservadora, sem, nessa troca, terem perdido nenhum mau hábito antigo.



O seu órgão central é, como se sabe, o “Observador”, um projeto que apesar de defender as vantagens da economia de mercado depende do mecenato ideológico. O estilo radical casa a intolerância cultural que degenerou no trumpismo com experiências sociais e económicas que apenas foram testadas em ditaduras como o Chile. A moda do marxismo radical dos anos 70 foi substituída pela moda liberal-conservadora do início do século. Reagan ocupou o lugar de Mao no coração da elite enfadada. Sabemos para onde pende o disparate vendo para onde segue, sempre com a mesma rígida ortodoxia, José Manuel Fernandes.

Nenhum dos órfãos mediáticos de Passos alguma vez foi um passista. Eles não têm as suas raízes no PSD. Os mais velhos vêm da extrema-esquerda, os mais novos da academia e do sector financeiro. A carne assada nas campanhas internas é-lhes absolutamente estranha. O PSD profundo há de lhes causar um enorme tédio. Mas Passos foi o homem certo no lugar certo. Intelectualmente virgem, era fácil de moldar a umas ideias simples e salvíficas e fascinar-se com a tarefa de construir um país novo sobre as ruínas de estruturas caducas. As estruturas lá continuam todas, como não poderia deixar de ser num país pequeno e num capitalismo inevitavelmente dependente do Estado, a destruição é que não foi pequena.

Agora, despedem-se do jogo político. Mesmo que a pressão de poderes não eleitos em Bruxelas obrigue a cedências, a vitória de Passos significou a derrota das ideias que decidiu representar. Ninguém no PSD quer ser confundido com o seu legado. Ninguém quer sequer, mais uma vez, dizer que é de direita. Privatização voltou a soar mal, liberalização voltou a ser uma palavra feia.

A melhor forma de derrotar, no plano das ideias, o neoliberalismo é experimentá-lo. É mais ou menos como o socialismo real: quando toca na vida das pessoas é que se torna feio. E é por isso mesmo que nenhum afilhado de Passos Coelho avança para a liderança do PSD.

Nos próximos meses, nos próximos anos, o “Observador” e os seus avatares espalhados pela imprensa vão voltar ao tempo da blogosfera: a falar para os convertidos. É por isso natural que chorem a partida do homem que lhes deu acesso ao poder de Estado, tornando o seu radicalismo ideológico numa coisa vagamente respeitável. Claro que o poder das suas ideias vai continuar a fazer-se sentir através das instituições privadas que as patrocinam e do forte domínio mediático e académico que, como no passado aconteceu com a esquerda, foram conquistando. Mas, no combate político-partidário, não têm protagonista. Por isso junto a minha voz às deles: obrigado Passos Coelho, foste a vacina de que precisávamos para recentrar a vida política.

Nos próximos meses, nos próximos anos, o “Observador” e os seus avatares espalhados pela imprensa vão voltar ao tempo da blogosfera: a falar para os convertidos. É por isso natural que chorem a partida do homem que lhes deu acesso ao poder de Estado, tornando o seu radicalismo ideológico numa coisa vagamente respeitável. Claro que o poder das suas ideias vai continuar a fazer-se sentir através das instituições privadas que as patrocinam e do forte domínio mediático e académico que, como no passado aconteceu com a esquerda, foram conquistando. Mas, no combate político-partidário, não têm protagonista. Por isso junto a minha voz às deles: obrigado Passos Coelho, foste a vacina de que precisávamos para recentrar a vida política.

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