Em três penadas: Duas centenas de Seres Humanos, com S's e H's muito grandes, fizeram-se ao mar para salvar vidas(1). Arriscaram as suas e salvaram cerca de catorze mil. Salvaram catorze mil homens, mulheres e crianças. Cada um destes heróis salvou setenta pessoas. Um punhado de Seres Humanos resgatou da morte certa, no mar que liga a costa do sofrimento à terra do pão e do mel, catorze mil vidas de outros tantos seres humanos.(2)(3)
Meses depois, um bando de animais raivosos processou em tribunal os Seres Humanos por estes não terem deixado morrer no mare nostrum mais 14 000 homens, mulheres e crianças.(4)(5)
A comunidade internacional ainda não prendeu os animais raivosos. O TPI ainda não os processou por crimes contra a humanidade, ainda nem sequer começou a investigar os mandantes. A Itália ainda não está debaixo de pesadas sanções por promover a indiferença perante a vida humana. Os italianos que votaram nos animais raivosos ainda não morreram amarelos de vergonha. E nós? Vamos ficar calados? A ver os Heróis arrastados pelos tribunais da ideologia dominante?
Raras são as pessoas que actualmente me inspiram profundo respeito e admiração, um Lula da Silva (6), um Julian Assange (7), e agora, mais que todos, o Miguel Duarte. O Miguel e os outros 199 heróis, todos, estes 200, estas 16 tripulações que entre Junho de 2016 e Agosto de 2017 puseram no mar 200 homens e mulheres, mulheres e homens que agora estão a ser culpabilizados por terem salvo vidas humanas. Salvar vidas não pode ser um crime.(8)
Nesta vergonhosa sucessão de actos estão bem representados os dois extremos da cadeia alimentar. De um lado, uma mão cheia de animais raivosos sem princípios ou moral, do outro, duas centenas de seres que todos os idosos gostariam de ter sido, todos os adultos gostariam de ser e todas as crianças ambicionam vir a ser quando um dia chegarem à juventude. Não encontro melhor e mais consensual exemplo de heróis que teremos de medalhar mais cedo do que mais tarde.(9)(10)
Ficava-nos bem, era bonito homenagear o que de melhor, mais solidário, mais generoso o país tem para dar.
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O Grito
(Nuno Ramos de Almeida, wort.lu, 2019/06/19)
Há muito que a política de Estado de muitos países europeus é o assassinato dos migrantes que tentam chegar à Europa.
São dezenas de milhares de pessoas que morrem todos os anos ao tentar atravessar o Mediterrâneo em busca de uma vida melhor. Essas crianças, homens e mulheres fogem de países devastados pela guerra e por uma economia mundial que dá quase tudo a muito poucos e retira ainda mais à maioria da população do mundo.
No planeta é normal exportar capitais, deslocalizar trabalho, comprar quotas de poluição em países pobres. O capital e o lucro são livres, mas os miseráveis do mundo devem ficar longe do mundo rico protegidos por muros crescentes e por mares tornados propositadamente assassinos.
O processo contra o jovem português Miguel Duarte e os seus companheiros da embarcação Iuventa, da ONG alemã Jugend Rettet, é supostamente pelo crime de “apoio à imigração ilegal”, mas na realidade o seu “crime” foi ter ajudado a salvar de uma morte certa por afogamento quase 14 mil pessoas. Há muito que a política de Estado de muitos países europeus é o assassinato por terceiros – sejam eles mares alterados ou ditaduras amigas no Terceiro Mundo – dos migrantes que tentam chegar à Europa.
Os governos fecham os olhos, mas os ativistas não. Dai a necessidade que o governo italiano, com o silêncio cumplice dos seus sócios europeus, tem de criminalizar a solidariedade. São estas poucas centenas de pessoas que com a sua vontade têm impedido este massacre escondido e silenciado.
Sirva este processo, o exemplo do Miguel e dos seus companheiros, como forma de abrir os olhos à população de uma Europa que não é capaz de dar a mão aos povos que muitas vezes levou para guerras sanguinárias. Como disse numa entrevista Miguel Duarte, “quando vejo uma pessoa a morrer afogada não lhe pergunto se tem passaporte. Tiro-a da água”.
Mas há outras perguntas que luxemburgueses e portugueses devem fazer, a mesma que levou ao ministro luxemburguês Dan Kersch ameaçar demitir-se, caso o Luxemburgo apoie mais uma vez uma ação militar dos EUA, desta vez contra o Irão. “Não, não e ainda não à guerra contra o Irão”, escreveu o luxemburguês no seu mural de Facebook.
Afeganistão, Líbia, Iraque, Síria e tantos outros países atacados com falsos pretextos são a demonstração que as intervenções humanitárias do Ocidente apenas servem para trocar déspotas, matar milhões de pessoas e mudar as petrolíferas que exploram esses países.
Na véspera de uma nova guerra, cabe também a todos nós fazer algo para a parar, para a tornar inadmissível e impedir que mais centenas de milhares morram a fugir para a Europa.
(1)«Um total de 16 tripulações com mais de 200 membros - voluntário de diversos países da UE - trabalharam a bordo do IUVENTA entre Junho de 2016 e Agosto de 2017» «A total of 16 crews with more than 200 crew members – volunteers from several EU countries – worked on board the IUVENTA between June 2016 and August 2017.» (https://solidarity-at-sea.org/crew/)
(2) «JUGEND RETTET is a network of young people who have organized themselves to fight against dying in the Mediterranean. We bought a ship, the IUVENTA, and have already saved more than 14,000 people from distress. In this way, we are countering the humanitarian catastrophe and collective European failure.» https://jugendrettet.org/en/
(3) «Miguel Duarte juntou-se, em 2016, à Jugend Rettet, uma organização alemã que, juntamente com outras organizações não-governamentais, foi responsável pelo resgate de 14 mil pessoas que embarcavam na Líbia com destino à Europa. Em 2017, o Ministério Público italiano arrestou o navio Iuventa, onde Miguel fazia as missões e, um ano depois, como o PÚBLICO noticiava, o activista foi notificado, juntamente com outros nove membros da tripulação, de que tinham sido constituídos arguidos e estavam sob investigação por auxílio à imigração ilegal.»(https://www.publico.pt/2019/06/17/p3/noticia/miguel-duarte-1876705)
(4) «CRIMINALISATION OF SEA RESCUE -The aim of European migration policy is to close the humanitarian corridor. In order to achieve this, the NGOs active in the Mediterranean will be kept from rescue operations. The situation escalated in a campaign of slander and criminalisation, which falsely accused us of co-operation with smugglers. As a rescue organisation, we observe the instructions of the responsible authority, the Maritime Rescue Coordination Centre, in Italy. Our rescue missions are based on international maritime law and are based on internationally recognised humanitarian principles. The Italian prosecutor's office uses statements and accusations from right-wing circles with the intention of sealing off fortress Europe even more brutally at its external borders. Dubious evidence from the sphere of the right-wing extremist Identitarian movement is used in the politically motivated campaign against the NGOs.
(5)«On the 1st of August, the Italian Maritime Rescue Coordination Centre (MRCC) ordered the IUVENTA to Lampedusa. Subsequently, it was seized by Italian authorities. The day before, we refused to sign the so-called Code of Conduct of the Italian government, which would have forced us to break international maritime law.» (https://jugendrettet.org/en/)
(6)«[...]Solidária com Julian Assange, por exemplo. Solidária com o Homem que teve a coragem de denunciar crimes de guerra e que por isso pode ser extraditado para um país totalitário, com pena de morte, prisão perpétua, onde dois partidos alternam no poder vai para mais de 150 anos e os presidentes nomeados têm menos votos do que os derrotados em eleições consecutivamente manchadas por chapeladas.(https://referenciasemmais.blogspot.com/2019/06/tempos-de-luta-e-solidariedade.html)
(7)«[...] Solidária também com Lula da Silva. Solidária com Homem que liderou o Brasil de país terceiro mundista a potência emergente dos BRIC, liderou governos que arrancaram milhões à pobreza(11) e por isso foi condenado sem provas por um juiz que instruiu o processo, julgou o condenado e, veio agora a saber-se, comandou os procuradores quando estes procediam às investigações.» (https://referenciasemmais.blogspot.com/2019/06/tempos-de-luta-e-solidariedade.html)
(8) «Nada de que se arrependa: “salvar vidas não pode ser um crime”, sublinha [Miguel Duarte], revelando que esse é também o slogan da campanha de angariação de fundos para defender os 10 arguidos do processo, lançada esta semana pela Humans Before Borders, plataforma de ação e sensibilização relativamente ao tratamento desumano e ilegal que os migrantes estão a receber ao tentarem atravessar o Mediterrâneo. » (http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2019-06-15-MiguelDuarte-o-portugues-acusado-de-ajuda-a-imigracao-ilegal-salvar-vidas-nao-pode-ser-um-crime)
(9) «A missão dos agentes de socorro em teatros de guerra constitui um genuíno testemunho da luta pelos tão maltratados e hipocritamente propagandeados Direitos Humanos. » (https://www.abrilabril.pt/internacional/herois-sem-rosto)
(10) «Miguel Duarte participou no salvamento de milhares de refugiados no Mar Mediterrâneo. Agora, juntamente com outros nove tripulantes do barco de resgate Iuventa, é arguido em Itália numa investigação de auxílio à imigração ilegal, enfrentando até 20 anos de prisão e custos legais com a defesa estimados nos 500 mil euros. Lançou neste mês o crowdfunding "Salvar vidas não é um crime" para angariar fundos para a sua defesa e para sensibilizar a opinião pública para o drama que se vive no mediterrâneo central» (https://www.noticiasmagazine.pt/2019/o-miguel-salvou-milhares-de-vidas-agora-e-ele-que-precisa-de-ajuda/)
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