Agora que a discussão sobre o aumento do salário mínimo nacional para os seiscentos euros passou para a concertação social importa começar a desmontar o discurso patronal sobre os custos de trabalho.
Adivinhando futuras discussões fica já aqui o fundamental do artigo da Ana Oliveira no abrilabril, sem prejuízo de logo em seguida lhe arranjar poiso permanente para futuras referencias.
«As preocupações do patronato com o impacto da subida do salário mínimo nacional nas empresas revelam-se uma fraude quando os confrontamos com o real impacto dos salários nas contas das empresas: para as micro e pequenas empresas, os salários mais TSU representam 12% do total dos gastos líquidos; para as grandes empresas representam apenas 8,5%. E, já agora, para os grandes retalhistas no sector alimentar – com elevada concentração de trabalhadores a auferir o salário mínimo nacional, os custos com os trabalhadores representam apenas 7% do total dos seus gastos (dados da Central de Balanços, Banco de Portugal).»
Aumento do salário mínimo nacional é um imperativo social
(Ana Oliveira, in abrilabril 2017/11/24)
Há umas semanas atrás, ao jornal Público, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) dizia que não via necessidade de um novo aumento do salário mínimo em Portugal. Os mais de 850 mil trabalhadores – a maioria dos quais nas empresas representadas por aquela associação patronal – são obrigados a discordar.
É que depois de descontar, em média, 234 euros em renda (ou prestação do crédito à habitação), 34 euros em transportes para o trabalho, 52 euros em medicamentos e serviços médicos, e 23 euros em comunicações, não chegam a sobrar 200 euros para um trabalhador que receba o actual salário mínimo nacional (SMN) para poder alimentar-se e vestir-se durante todo o mês, e para todas as outras demais despesas.
Tal significa que as famílias, que vivem com apenas um salário mínimo, gastam menos de 30 euros em carne por mês, famílias com dois salários mínimos gastam menos de 40, e que umas e outras se alimentam sobretudo com pão, massa e arroz (dados do Inquérito às Despesas das Famílias 2015-2016, INE).
O facto de mais de 80% de todos os novos contratos de trabalho serem pagos com o salário mínimo, e o desaparecimento de vários escalões das tabelas salariais (pela sua não atualização e pela recusa do patronato em negociar acordos coletivos de trabalho), tem conduzido a que sejam cada vez mais os trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo nacional.
E apesar dos números do Instituto Nacional de Estatística (INE) não refletirem a real dimensão do problema (devido à forma de cálculo da linha de pobreza, que a fixa nos 322 euros), a verdade é que todos os trabalhadores que sobrevivem com o atual salário mínimo enfrentam incalculáveis dificuldades económicas.
O aumento do salário mínimo é, por isso e desde logo, um imperativo social: garantir que todos os trabalhadores tenham um salário digno para si e para as suas famílias, impedindo que haja trabalhadores em situações de pobreza (seja ela visível nos números do INE ou não).
Mas é também um imperativo económico.
Desde logo, porque o aumento do salário mínimo para os 600 euros significa que os trabalhadores que hoje o auferem disporiam de mais 511 milhões de euros por ano para consumo imediato (cálculos com base nas Contas Nacionais, INE), nomeadamente em sectores como o alimentar e alguns serviços. Este aumento tem também um efeito de alavanca para o investimento e para os restantes sectores da economia nacional.
As aparentes preocupações do patronato com o impacto da subida do salário mínimo nacional nas empresas caiem rapidamente em «saco roto» quando as confrontamos com o real impacto que os gastos com pessoal têm nas contas das empresas: para as micro e pequenas empresas, as remunerações com os trabalhadores representam 12% do total dos seus gastos líquidos; para as grandes empresas representam apenas 8,5%.
E, já agora, para os grandes retalhistas no sector alimentar – com elevada concentração de trabalhadores a auferir o salário mínimo nacional, os custos com os trabalhadores representam apenas 7% do total dos seus gastos (dados da Central de Balanços, Banco de Portugal).
É por isso bastante visível que o aumento do salário mínimo não iria conduzir à destruição das pequenas empresas – como de facto não aconteceu após os dois aumentos do SMN recentes –, como os patrões e a direita insistem em afirmar com o mero intuito de impedir o aumento do salário mínimo, a revisão salarial em sede de negociação coletiva ou, de uma forma geral, impedir qualquer reposição dos direitos laborais.
A verdade é que isso nunca aconteceu, pelo contrário, aí temos a demonstração de como nos dois últimos anos o aumento do SMN deu um importante contributo para o crescimento económico e a criação de mais emprego.
Mas o aumento do salário mínimo para os 600 euros – que é necessário fazer-se acompanhar pelo aumento generalizado dos restantes salários – é também fundamental para mitigar as profundas desigualdades entre os rendimentos do capital e os rendimentos do trabalho.
A quota parte do rendimento nacional que fica com os trabalhadores atingiu mínimos históricos desde os anos 60, e embora os avanços conseguidos com a nova situação política nacional tenham permitido recuperar ligeiramente dos anos do Governo do PSD e CDS, não se observam ainda alterações de fundo.
Para tal tem contribuído decisivamente o esmagamento dos salários (com variações das remunerações por trabalhador abaixo dos aumentos da produtividade e da inflação), o aumento dos horários de trabalho e a sua desregulação, menos contratação coletiva e desregulação das relações laborais por via de uma legislação do trabalho a favor dos patrões.
A luta pelo aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros é indispensável e uma luta de todos, desde logo a partir das empresas, dos sectores profissionais e na ação reivindicativa geral. Pela dignidade de quem trabalha e as suas respetivas famílias, mas também por uma distribuição do rendimento menos injusta e pelo desenvolvimento económico e social do país.
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