2018/03/06

Nova Rota da Seda

A rota terrestre a cor de laranja, amarelo e vermelho.
A rota marítima a Azul.
Porque é que a nova rota da seda aterroriza Washington
(A Arte da Omissão, 2016/10/17 [*])

Há quase seis anos, o Presidente Putin propôs à Alemanha a ‘criação de uma comunidade económica harmoniosa que se estendesse desde Lisboa a Vladivostok’.
Esta ideia representou um empório comercial imenso, unindo a Rússia e a UE, ou, nas palavras de Putin, “um mercado continental unificado com uma capacidade de triliões de dólares.”

Em poucas palavras: a integração euro-asiática (Eurásia). Washington entrou em pânico. O registo mostra como a visão de Putin – embora extremamente sedutora para as industriais alemães – acabou por descarrilar pela demolição controlada de Washington na Ucrânia.



Há três anos atrás, no Cazaquistão e depois na Indonésia, o presidente Xi Jinping (Presidente da República Popular da China – NdT) expandiu a visão de Putin, ao propor “One Belt, One Road (OBOR)”, (ver imagem em baixo), também conhecida como a Nova Rota da Seda, que melhoraria a integração geoeconómica da região Ásia-Pacífico, com uma vasta rede de auto-estradas, comboios de alta velocidade, oleodutos, portos e cabos de fibra óptica.

Em poucas palavras: uma versão ainda mais ambiciosa da integração da Eurásia, que beneficiaria dois terços da população mundial, a economia e o comércio. A diferença é que agora vem acompanhada com um imenso músculo financeiro ao apoiar-se no Fundo da Rota da Seda, no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, (AIIB), no Novo banco de Desenvolvimento do BRICS (NDB), na grande ofensiva comercial por toda a Eurásia, e na entrada oficial do yuan na reserva «SDR» do FMI.

Na recente cimeira dos G20 em Huangzhou, o presidente Xi demonstrou claramente como o OBOR é absolutamente central, nas visão chinesa, de como a globalização deve proceder. Pequim aposta que a esmagadora maioria das nações da Eurásia preferem investir e lucrar, num projecto de desenvolvimento económico “win-win” do que esbarrar num jogo estratégico do perde-perde entre os EUA e a China. E tal é, para o império do caos, uma anátema absoluta. Como aceitar que a China está a ganhar no século 21 / o novo grande jogo na Eurásia, através da construção de estradas da nova rota da seda?

E não se esqueça da rota da seda na Síria

Pouco notado no ocidente, como relatado pela RT, o G20 foi precedido de um Fórum Económico do Leste em Vladivostok. Essencialmente, foi mais uma celebração da integração da Eurásia com a Rússia, China, Japão e Coreia do Sul.

E essa prancha de integração em breve poderá fundir-se com a União Económica da Eurásia liderada pela Rússia – que em si é uma nova rota da seda russa.

Todas estas rotas levam à conectividade total. Tomemos, por exemplo, os comboios de carga que agora e com regularidade ligam Guangzhou, o centro-chave do sudeste da China, ao centro de logística do parque industrial Vorsino perto de Kaluga. Hoje a viagem leva apenas duas semanas – poupando nada menos do que um mês inteiro, se comparado com o transporte marítimo, e cerca de 80 por cento do custo se comparado com a carga aérea.

Esta é mais uma rota rodoviária de seda entre a China e a Europa via Rússia. Ainda uma outra, muito mais ambiciosa, será a expansão do comboio de alta velocidade transiberiano; a rota da seda siberiana.

Temos em seguida, a maior integração da China e Cazaquistão – que também é membro da União Económica Eurasiática. A via férrea Trans-Eurasia isenta de impostos, já está em vigor a partir de Chongqing em Sichuan através Cazaquistão, Rússia, Bielorrússia e Polónia até Duisburg na Alemanha. Pequim e Astana estão a desenvolver uma zona de comércio livre comum em Horgos. E, em paralelo, no mês passado começou a ser construída a zona de Cooperação Económica Transfronteiriça China-Mongólia, no valor de $ 135.000.000.

O Cazaquistão sonha com a ideia ambiciosa de um canal eurasiano do Cáspio ao Mar Negro. Cedo ou mais tarde as empresas de construção chinesas chegarão com um estudo de viabilidade.

A agenda praticamente invisível de Washington na Síria – embutida na obsessão do Pentágono em não permitir que qualquer cessar-fogo funcione, ou em evitar a queda dos seus “rebeldes moderados” em Alepo – é para quebrar mais um eixo da nova rota da seda. A China tem estado comercialmente ligada a Síria desde a rota de seda original, que serpenteava através de Palmira e Damasco. Antes da “primavera árabe” síria, os empresários sírios foram uma presença vital em Yiwu, no sul de Xangai, o maior centro de vendas por atacado de bens de consumo de no mundo, onde compravam todos os tipos de produtos a granel para revenderem no Levante.

O “lago norte-americano“

Neocons e neoliberais de Washington estão totalmente paralisados, em termos de formulação de uma resposta – ou pelo menos de uma contra proposta – à integração da Eurásia. Alguns QI mais sólidos, podem pelo menos, entender que a “ameaça” da China para os EUA assenta no poder económico. Verifique-se a profunda hostilidade de Washington ao Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB). No entanto, os lobbies dos USA não conseguiram impedir que alguns aliados, como a Alemanha, Grã-Bretanha, Austrália e Coreia do Sul se juntassem.

De seguida, tivemos a corrida louca para aprovar o TPP – acordo em que a China foi excluída e que era para ser a cereja em cima do bolo da política económica para o plano global de Obama. No entanto, o «TPP», tal como está, está moribundo.

O que a conjuntura geopolítica actual explicita, é que a Marinha dos EUA está disposta a ir sem tabus e impedir que a China domine estrategicamente no Pacífico, enquanto o TPP é implantado como uma arma para impedir que a China domine economicamente a Ásia-Pacífico.

Com a dinâmica para a Ásia configurada como uma ferramenta para “deter a agressão chinesa”, os excepcionalistas têm demonstrado graficamente como são incapazes de admitir que todo o jogo é sobre a geopolítica da cadeia de fornecimento. Os EUA não precisam de controlar a China; o que precisa, é da chave da conexão industrial financeira e comercial, para os nós cruciais em toda a Ásia, para (re) construírem a sua economia.

Bons tempos, os de Março de 1949, quando MacArthur podia vangloriar-se, “o Pacífico é agora um lago anglo-saxão”. Mesmo após o fim da Guerra Fria, o Pacífico era de facto um lago americano; os EUA violaram à fartazana o espaço aéreo e naval chinês.

Agora, temos a Escola de Guerra do Exército dos EUA a perder o sono com os mísseis chineses sofisticados capazes de negarem o acesso da sua Marinha ao Mar do Sul da China. Um lago americano? Não mais.

O cerne da questão é que a China tem feito uma aposta excelente na construção de infra-estruturas – que se traduz em conectividade de primeira classe para todos – como os bens comuns reais e globais do século 21, muito mais importante do que a “segurança”. Afinal uma grande parte da infra-estrutura global ainda precisa de ser construída. Enquanto a China recarrega o seu papel como o maior exportador mundial de infra-estruturas – desde transportes ferroviários de alta velocidade a telecomunicações de baixo custo – a nação “indispensável” está presa a militares vaidosos, perplexos e obcecados com contenção.

Dividir para reinar esses rivais “hostis”

Bem, as coisas não mudaram muito, desde o « “Grand Chessboard” » do Dr. Zbig Brzezinski, que sonhava no final de 1990 com uma fragmentação chinesa vinda de dentro, e da Estratégia de Segurança Nacional de Obama em 2015, que não passam de retóricas inúteis e nostálgicas de controle sobre a Rússia, China e Irão.

Assim, a cesta de mitos anexados, como a “liberdade de navegação” – eufemismo de Washington para controlar permanentemente as rotas marítimas que constituem a cadeia de fornecimento da China – como a apoteose da “agressão da China” incessantemente fundida com “Agressão da Rússia”; afinal de contas, a parceria estratégica Pequim-Moscovo orientada para a integração da Eurásia, tem de ser cortada a qualquer custo. Mas porquê? Porque a hegemonia global dos EUA deve ser sempre entendida como uma força irremovível da natureza, tal como a morte e os impostos.

Vinte e quatro anos depois do Guia de Planeamento de Defesa do Pentágono, prevalece a mesma mentalidade;

“O nosso primeiro objectivo é impedir o ressurgimento de um novo rival … para evitar que qualquer potência hostil domine uma região cujos recursos, sob um controle consolidado, serão suficiente para gerar energia global. Essas regiões incluem a Europa Ocidental, Ásia Oriental, o território da antiga União Soviética e o sudoeste da Ásia “.

Oops. Mesmo agora, o Dr. Zbig do “Grand Chessboard” está apavorado. Como parar estas rotas sangrentas de seda com as “ameaças existenciais” do Pentágono. Dividir para reinar – o que mais?

Para um Brzezinski confuso, os EUA deveriam “moldar uma política em que pelo menos um dos dois Estados potencialmente ameaçadores, se tornasse num parceiro na busca da estabilidade regional e global. Actualmente, é mais provável que se exceda com a Rússia, mas, a longo prazo poderá virar-se para a China “.

Tenham um agradável pesadelo.

[*] Tradução do artigo de Pepe Escobar, “Why the New Silk Roads terrify Washington” em 7 de Outubro de 2016

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