«A intensificação do uso da água e da terra, predominando os regimes de monocultura, assentes na exploração do trabalho precário e de baixos salários, apenas favorece o processo de acumulação capitalista na agricultura e o seu contributo para a centralização de capital, em que a terra não cumpre a sua função social.»
Alqueva - indispensável mudar de rumo
(José Maria Pós-de-Mina in AbrilAbril, 2018/03/01)
A situação dramática vivida no país e na região, como consequência da seca, impõe que Alqueva esteja ao serviço dos interesses do Alentejo e do país. Torna-se indispensável e chegou a hora de mudar de rumo e de orientação sobre Alqueva.
Em 17 de Fevereiro de 2018, realizou-se uma cerimónia em Beja, com a presença dos ministros da Agricultura e do Ambiente, tendo por objecto a assinatura de um protocolo, entre a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA) e empresas do grupo Águas de Portugal, que define uma colaboração entre estas empresas para a criação de condições para uma melhor ligação entre as infra-estruturas hidráulicas da região e para a melhoria do abastecimento de água às populações.
Também em Fevereiro mas em 2013, mais precisamente no dia 15, a Assembleia da República rejeitava, com os votos contra do PSD e CDS e a abstenção do PS uma proposta do PCP para que se avaliasse a «possibilidade de ligação do sistema de Alqueva à Barragem do Monte da Rocha, como forma de alargar a garantia de abastecimento pública para consumo humano a outras comunidades do distrito de Beja, assim como para viabilização do seu perímetro de rega». A ligação Alqueva ao Monte da Rocha é uma das acções contempladas no protocolo que referimos, prevendo-se a sua concretização em 2021.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, assim escreveu o poeta e assim o demonstra a realidade. A mesma força política, o Partido Socialista, que em 2013 não subscrevia a necessidade de ligação entre Alqueva e o Monte da Rocha, faz por aparecer agora como o paladino da solução.
A história do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva é, pois, a história de avanços e recuos, de lutas constantes das populações e das autarquias locais em sua defesa, e da atitude consequente e persistente do PCP para que o Alqueva se concretizasse e fossem aproveitadas todas as suas possibilidades.
A decisão de iniciar o Alqueva, vem na sequência das transformações de Abril, sendo depois o governo de Mário Soares que iniciou o processo de travagem das obras, concretizada pelo Governo de Iniciativa Presidencial de Nobre da Costa.
E foram sucessivos governos de PS, PSD e CDS que foram adiando o inevitável, até que por resultado da luta e das evidências da sua necessidade se avançou com as obras do empreendimento.
O presente e o futuro de Alqueva
Entendemos Alqueva, nas suas múltiplas dimensões, como um empreendimento de fins múltiplos, assumindo-se como uma reserva estratégica de água que, conforme o comprovou o actual período de seca e o comprovam as medidas que se pretendem tomar, cumpriu um importante papel de menorização dos efeitos adversos da falta de água.
A recente iniciativa que a Direcção Regional do Alentejo do PCP promoveu em Évora sob o tema «Seca – Consequências e Caminhos» evidenciou a utilidade da existência de uma rede de infra-estruturas hidráulicas na região que, numa lógica de complementaridade, permitam o armazenamento da água para que seja usada quando e onde for necessária.
Sendo importante esta função, como ficou claramente comprovado, Alqueva tem de ser muito mais do que isso. Tem de ser um empreendimento ao serviço do desenvolvimento da região e do País, sobretudo na vertente agrícola, incluindo também, como é óbvio, a vertente energética, devendo ser o abastecimento de água às populações a prioridade na utilização deste recurso.
O modelo de exploração que tem vindo a ser adoptado está invertido em relação ao necessário para que contribua efectivamente para o desenvolvimento da região, para a melhoria da capacidade produtiva da agricultura: enquanto instrumento de resposta à capacidade de se assegurar a soberania alimentar; enquanto elemento de valorização do trabalho, com a criação de empregos com direitos; enquanto forma de dinamizar a economia local, regional e nacional.
A intensificação do uso da água e da terra, predominando os regimes de monocultura, assentes na exploração do trabalho precário e de baixos salários, apenas favorece o processo de acumulação capitalista na agricultura e o seu contributo para a centralização de capital, em que a terra não cumpre a sua função social.
A uma necessária e imprescindível Reserva Estratégica de Água, como deve ser o Alqueva, deve corresponder uma Reserva Estratégica de Terras que, assente na prioridade em produções agrícolas que diversifiquem a base económica, criem valor acrescentado, não adoptem uma lógica depredadora dos recursos naturais, favoreçam e dinamizem o relevante papel da agricultura familiar e reconheçam que sem trabalhadores agrícolas não pode haver agricultura.
A situação torna indispensável a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento para a Zona de Influência de Alqueva, com o contributo das entidades da região, quer na sua elaboração quer na sua aplicação, como o PCP defende e propõe, pelo menos, desde 2002.
A situação dramática que se tem vivido no país e em parte da região, como consequência do actual período de seca, deve servir para que se tome consciência da necessária rotura com a política que tem vindo a ser seguida. Alqueva pode e deve dar um contributo essencial para uma política que sirva os interesses do Alentejo mas também do país, que sirva e promova a produção nacional mas que valorize o papel dos trabalhadores e o papel da agricultura familiar.
Para que não se reconheça demasiado tarde, o que agora se torna indispensável, chegou a hora de mudar de rumo e de orientação sobre Alqueva.
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