Sem Título
(António Abreu in Facebroncas, 2018/06/02)
José Manuel Jara, presidente da Direcção da CPA de Medicina foi barbaramente espancado na noite de 24 de abril de 1972, ao entrar numa reunião da RIA (Reunião Inter-Associações de Estudantes) que estava a decorrer nas instalações da AE do ISCEF, com entrada pela Rua Miguel Lupi.
Uma delegação da Pró-Associação de Medicina, que incluía Sita Vales e Ferreira Mendes, compareceu a essa reunião, e o Jara chegaria mais tarde por estar numa reunião com a Ordem dos Médicos. A ordem de trabalhos tinha como ponto único a luta contra a repressão. No começo da RIA a delegação da Associação de Ciências propôs como ponto prévio que a reunião tomasse uma posição face aos “provocadores”.
A delegação de Ciências adiantou que conhecia um provocador pidesco… e esse provocador pidesco era o Jara (!!!). Porque tinha acusado os dirigentes da AE de Ciências de ter abandonado os estudantes da sua escola, encerrada. Para espanto total de todos os estudantes de boa-fé que ali estavam, iniciou-se o “julgamento" sem a presença do "réu”.
A maquinação e a trama não se ficaram por aqui. Como esta questão não fosse suficiente" (?) para a "condenação" fizeram-se alegações falsas de intuito deliberadamente provocatório e não provadas sobre "outra conversa pessoal". O Jara tinha sido abordado na CPA de Medicina por uma estudante de Medicina, irmã de uma dirigente associativa de Ciências, que lhe mostrou um comunicado clandestino do PCP apelando ao 1º de Maio, e ele comentou ser um risco andar com ele e, ironicamente, afirmou ainda que não mostrassem “aos gajos de Ciências que não iriam gostar disso…”
Foi votada a sua expulsão da RIA por 3 votos a favor (Ciências, Técnico, e MAEESL - Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa), 2 votos contra do Instituto Industrial e da Pró-Associação da Faculdade de Letras e uma abstenção da Associação da Faculdade de Direito de Lisboa, que se distanciou do ocorrido (1).
A direcção da CPA de Medicina presente, através de Sita Vales e Ferreira Mendes, afirmaram imediatamente em declaração de voto que não estariam presentes na R.I.A. enquanto não fosse revogada a decisão.
Foi uma “deliberação” contra o presidente da CPA da Faculdade de Medicina que sempre tinha defendido o Movimento Associativo, que fora eleito democraticamente eleito pela grande maioria dos estudantes desta Faculdade, que sempre tinha merecido a confiança destes para cumprir as suas decisões maioritárias. Tentou-se um processo maquiavélico de o "queimar" inquisitorialmente.
Quando a força não se impunha pelas ideias, optaram por impor as ideias pela força, a murro…
Ao chegar a Económicas para a reunião da RIA, o Jara foi avisado pela Sita Vales e pelo Ferreira Mendes, ambos da CPA de Medicina, e por outros estudantes, que lhe estava preparada uma “espera”, o que provocou a interrupção da RIA e gerou uma escaramuça, pois logo acorreram a defendê-lo vários estudantes.
O José Manuel Jara explicaria perante a reunião, de facto um tribunal-farsa, que confirmava (e repetia) ter dito em conversa pessoal - aquilo que trágico-comicamente se considerou o delito - com um membro da Direcção da AE de Ciências que foi a uma reunião de estudantes de Medicina para aí denegrir a luta dos Estudantes de Coimbra (1968-1969). Ao que o Jara retorquiu ter sido essa uma luta de grande combatividade, com a direcção eleita pelos estudantes sempre presente nela, o que contrastava com o desaparecimento, em plena luta dos estudantes da Faculdade de Ciências, da sua direcção associativa que “tinha recolhido ao leito”.
Depois da parte "legal", o pessoal das direcções de Ciências, Técnico e MAEESL, passou à violência. Impediram a saída do Jara e em jeito de piquetes "policiais", em atitude agressiva rodearam os estudantes que o apoiavam, e que estavam em minoria.
Chovem provocações das mais mesquinhas! Entre os agressores destacam-se Pedro Ferraz de Abreu, e dirigentes da AEIST, da AE de Económicas (o mesmo que já agredira a Violante Saramago em episódio que aqui referi noutro post) e do MAEESL (2).
Tendo-se encerrado a Associação todos os presentes se deslocaram para o corredor da entrada. Crescia o clima de tensão. O Ferreira Mendes que apoiou e protegeu o colega foi agredido. Um membro da delegação do Instituto Industrial, Rui Baltazar, que se virou contra os agressores a defender o Jara foi também agredido, tendo-lhe sido quebrados os óculos cujas lentes quebradas lhe provocariam ferimentos na cara.
Eram entre 30 e 40 indivíduos, com atitudes do mais refinado gangsterismo. Choveram murros e pontapés sobre o Jara que não respondeu às agressões e avançou para a saída. As várias dezenas de valentaços cercam-no e passaram a uma nova tortura ainda mais vergonhosa.
Empurram-no para o centro, onde estava o Ferraz de Abreu que lhe foi dizendo "Hás-de confessar que és um provocador!” “Hás-de falar senão comes", "hás-de confessar que és um provocador”, "estás aqui se for preciso até às 6 da manhã a levar até te esmigalharmos", "se for preciso até te matamos", "fala", etc.,etc.
Com um lábio rebentado, teve que receber tratamento no banco do Hospital de Santa Maria.
Os esbirros só desistiram porque instantaneamente tomaram consciência da inutilidade dos seus actos… Durou uma hora a exibição de vandalismo dumas dezenas de agressores, dois deles "estudantes" de Medicina, o Pedro Paulo e o João Moreira.
Nos dias seguintes realizaram-se plenários de estudantes em Medicina, no Técnico e na Faculdade de Letras que condenaram as agressões e exigiram a reintegração do Jara na RIA. Em Medicina, os dois agressores desta escola foram expulsos num plenário com cerca de 700 estudantes. No IST, a tropa de choque agressora tentou perturbar a RGA mas foi dissuadida disso, apenas pela presença física de estudantes comunistas e simpatizantes. Os valentões recuaram em boa ordem… (3).
Os caceteiros insistiram na campanha através de publicações suas (4).
Depois de uma tentativa gorada de “reintegrar” o Jara na RIA, numa reunião onde até foram buscar a Livrelco, para empatarem a votação, a RIA não voltaria a reunir a não ser depois do 25 de Abril. A correlação de forças, entretanto, passara a ser outra e já não interessava aos caceteiros viabilizar o funcionamento da RIA, particularmente num período de ascenso das lutas estudantis que, em resposta à política do governo, praticamente paralisou a universidade e institutos de ensino “médio”. O fascismo beneficiou disso.
Mas o Jara continuaria a ser alvo de uma campanha provocatória com atitudes e pinturas de paredes, WCs e cartazes contra si em termos perfeitamente ignóbeis durante bastante tempo.
E impediram-no de entrar na cantina da Cidade Universitária.
Nunca nenhum dos agressores, após 46 anos, pediu desculpa ao Jara
Se desenvolvi num debate recente sobre o movimento estudantil o tema desta agressão ao Jara, fi-lo, e aqui o repito, como tributo à sua coragem, reconhecendo o sofrimento que este episódio provocou na sua vida. E porque, por ter feito uma esclarecedora intervenção televisiva há dias contra a eutanásia, eu ter sentido novos uivos e mandíbulas a quererem mordê-lo como há 46 anos.
Mas o Jara é uma pessoa de coragem e não verga.
(1) Comunicado da direcção da AEFDL, “Provocação e luta de tendências”, sem data, mas seguramente de Maio de 1972.
(2) Não referimos, propositadamente, mais de uma dezena dos agressores, identificados por testemunhos de presentes na cena.
(3) Comunicado da direcção da Comissão Pró- Associação (CPA) da Faculdade de Medicina, de 25/4/72; um outro, também da CPA da FML, sem data mas provavelmente de 27/4/72; outro ainda assinado pela CPA sobre as resoluções da AG de Medicina, sem data mas provavelmente do mesmo dia, depois da AG.
(4) Binómio da AEIST, de 29/4/72 com um comunicado da ainda direcção da AEIST, que não pode deixar de referir que foi derrotada na Assembleia Geral Eleitoral de 26/4; Improp da AEFCL, também de 29/4/72, que é um verdadeiro case study, de uma ideologia caceteira, altamente sectária, com uma fraseologia delirante; de um “grupo de colaboradores da CPA de Medicina”, em que se incluíam os dois já referidos espancadores de Jara, de 3/5/72, já expulsos, por isso da CPA de Medicina; um “comunicado federativo” nº 5 assinado “As Associações de Estudantes de Lisboa”, sem as especificar, porque casos houve em que as direcções unitárias substituíram as esquerdistas e com a data de 1 e Maio de 1972 (assim mesmo, por extenso…); um comunicado do MAEESL datado de Maio de 1972.1972
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