2019/12/05

Um "Fundo Europeu para a Paz" para a vender armamento em Africa?

«Não se conhecem objectivos pacifistas no armazenamento e uso de armas letais» Não sou eu quem o diz, é um embaixador de um país da UE que, comandada pela dupla frança-alemanha, quer criar um fundo para financiar a venda de armamento aos países africanos onde tropas de países europeus mantêm governos neo-coloniais. E o mais interessante é ver como os critérios editoriais dos media corporativos "optam" por não noticiar as formas como o capital usa os nossos impostos socialmente pagos para engordar os lucros privados deles.

União Europeia Fornece Armas com Orçamento Paralelo
(Pilar Camacho, Bruxelas, O Lado Oculto, 2019/11/30)

Chamam-lhe “Fundo Europeu para a Paz”, mas o objectivo pretendido é o de Bruxelas fornecer armamento letal a exércitos de países africanos com um orçamento paralelo ao da União Europeia, mas sob supervisão comunitária. A ideia tem um ano e foi discutida ao nível de embaixadores no dia 27 de Novembro.



Sabe-se que a reunião decorreu de forma polémica porque há países que se opõem a mais este negócio de armas que, alegadamente destinadas a exércitos africanos, poderão facilmente ser canalizadas para o mercado negro, o abastecimento de milícias terroristas e grupos mercenários. A ideia, porém, tem amplas condições para avançar porque é patrocinada pela França e a Alemanha através do Serviço Europeu de Acção Externa, o “ministério” dos Negócios Estrangeiros da EU.

“As regras não abrangem…”

A ideia data de Junho de 2018 e nasceu no próprio Serviço Europeu de Acção Externa. Nessa altura ficou estabelecido que o “Fundo Europeu para Paz” será dotado com 10 500 milhões de euros que não serão obtidos no quadro do orçamento da União, ignorando-se a origem dos financiamentos. O facto lança ainda mais conjecturas quanto ao cariz pouco claro deste organismo. Prova disso é a declaração de Ranier Sabatucci, embaixador da União Europeia na União Africana, citado pelo website EUObserver:

“É um orçamento extra, não apenas porque se trata de empreendimentos caros mas porque as regras existentes e que regem os orçamentos da União Europeia não abrangem este tipo de operações”.

Um porta-voz do Serviço Europeu de Acção Externa recusou-se a responder quando lhe foi pedida uma declaração sobre o tipo de salvaguardas existentes para impedir que as armas transaccionadas cheguem às mãos de milícias ou ao mercado negro. “Não discuto pormenores do conteúdo da proposta”, disse.

De acordo com as informações que circulam a propósito do fundo e que foram objecto de discussão na reunião de embaixadores – embora tenha decorrido à porta fechada – sabe-se que este se dedicará à compra e fornecimento de armas para os exércitos africanos, designadamente os que estão envolvidos nas acções de “apoio” prestadas por contingentes neocoloniais ao serviço da União Europeia.

São diversos os países que duvidam da legitimidade e da transparência dos mecanismos do fundo “para a paz”, desde as empresas com as quais serão feitas as transacções até à definição dos destinos das armas, passando pelas salvaguardas para obstar a que seja canalizado mais armamento letal para o mercado negro que floresce em África. Nações como a Dinamarca, Malta, Holanda, Áustria e Irlanda estão entre as que se opõem a um investimento com a marca da União Europeia e que, tendo alegados pretextos de “paz”, servirá para alimentar confrontos armados e a morte de seres humanos. “Não se conhecem objectivos pacifistas no armazenamento e uso de armas letais”, comentou um embaixador de um país que manifestou reservas quanto ao projecto.

A Suécia é outro dos países que não está abertamente a favor, embora nos bastidores se afirme que, na origem dessa posição, estão questões de concorrência pois Estocolmo tem um volume de negócios superior a mil milhões de euros anuais no sector de armamento.

Acções “mais eficazes”

Segundo informações que circulam a propósito da reunião de dia 27, as negociações irão prosseguir também no período da próxima presidência, a exercer pela Croácia. Prevê-se que a operacionalidade do Fundo seja concretizada em 12 meses e decorra sob a direcção do espanhol Josep Borrell, o novo alto representante da política externa da União.

Este foi encarregado pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, de tornar a União Europeia mais eficaz nas relações externas, “fortalecendo a capacidade da União de agir autonomamente e promover os seus valores e interesses em todo o mundo”. Para já, pelo que se apura da agenda da recente reunião de embaixadores, dinamizando o fornecimento de armamento letal a exércitos estrangeiros.

A reunião de dia 27 decorreu com uma pressão suplementar devido à recente morte de 13 soldados franceses do destacamento colonial em serviço no Mali e que resultou de um acidente com dois helicópteros.

Na sequência dos acontecimentos, a França exige aos governos da União Europeia o envio de mais forças militares para os países do Sahel, onde estão 4500 efectivos gauleses alegadamente no combate ao terrorismo islâmico. Na prática, trata-se de suportar em Bamako um governo fiel aos interesses de Paris.

A União Europeia já tem em funcionamento o chamado “Mecanismo de Paz Africano”, uma força militar com cinco mil efectivos actuando, com o intuito de garantir os interesses económicos coloniais, em países como o Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger e Chade. Este “mecanismo” funciona com base no chamado “Fundo Africano para a Paz”, outra entidade com orçamento paralelo ao da União Europeia, igualmente sob supervisão comunitária. Segundo informações que circulam no Serviço Europeu de Acção Externa, a criação do “Fundo Europeu para a Paz” implicará a eliminação do “Fundo Africano”, embora não tenha sido possível confirmar oficialmente esta possibilidade.

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