Golpe de Washington na Bolívia: As Provas
(W.T. Whitney Jr., Global Research/O Lado Oculto, 2019/12/01)
O general Kaliman, que “sugeriu” a demissão de Morales, vive agora nos Estados Unidos e foi agraciado com um milhão de dólares; a CIA, a Embaixada norte-americana em La Paz e empresas contratadas minaram as redes sociais com vagas de fake news para provocarem a agitação social; dinheiro e armas com origem em Washington choveram em Santa Cruz, o epicentro fascista da conspiração; funcionários da Embaixada compraram votos rurais e coordenaram a acção com colegas do Brasil, Paraguai e Argentina; os conspiradores estiveram em contacto directo com os mesmos senadores dos Estados Unidos envolvidos nos golpes de Guaidó contra a Venezuela. Estes e outros factos, designadamente o papel da OEA, comprovam a condução norte-americana do recente golpe de Estado fascista na Bolívia.
O governo socialista do presidente boliviano Evo Morales foi afastado por golpe de Estado no dia 10 de Novembro. O governo dos Estados Unidos desenvolveu os preparativos e orquestrou as etapas finais. Esteve ao comando dos acontecimentos. No poder há quase 14 anos, Morales e o vice-presidente Alvaro Garcia Linera tinham vencido as eleições em 20 de Outubro e preparavam-se para iniciar um quarto mandato.
Seguidamente iremos apresentar as provas do crime dos Estados Unidos. Trata-se de dinheiro, influência nas Forças Armadas bolivianas e controlo norte-americano da Organização dos Estados Americanos (OEA).
1. Durante muitos anos, o Comité Cívico de Santa Cruz e a sua organização juvenil protofascista, União da Juventude, receberam financiamento da New Endowment for Democracy (NED) dos Estados Unidos. Segundo a analista Eva Golinger, outra organização norte-americana, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID) contribuiu com um total de 84 milhões de dólares para grupos bolivianos da oposição durante vários anos.
Funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em La Paz conspiraram e financiaram os “comités cívicos” dos quatro departamentos do Leste da Bolívia. Sustentados pela elite de origem europeia da região mais rica da Bolívia, esses grupos tornaram-se notados pelos ataques racistas. Inventaram um movimento separatista e tentaram assassinar Morales em 2008. Como resposta, o governo boliviano expulsou o embaixador norte-americano e as agências de combate à droga (DEA) e a USAID.
2. No passado dia 10 de Novembro foi o chefe das Forças Armadas bolivianas, Williams Kaliman Romero, quem “sugeriu” que Morales se demitisse. Foi o golpe fatal. Três dias depois o próprio Kaliman renunciou e mudou-se para os Estados Unidos. Sulkata M. Quilla, do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, afirma que Kaliman e outros chefes militares receberam um milhão de dólares; e que os principais chefes policiais foram gratificados com 500 mil dólares cada. Os beneficiários terão feito operações monetárias na província de Jujuy, sob os auspícios do governador Gerardo Morales. A história foi divulgada em primeira mão pelo website Tvmundus.com.ar.
3. O dinheiro correu livremente antes do exílio de Morales. O embaixador boliviano nas Nações Unidas, Sacha Llorenti – apoiante do presidente deposto – revelou que “membros leais da equipa de segurança de Morales lhe mostraram mensagens em que lhes eram oferecidos 50 mil dólares no caso de entregarem o presidente”.
4. De acordo com a respeitada jornalista argentina Stella Calloni, a primeira-dama dos Estados Unidos, Ivanka Trump, esteve em Jujuy nos dias 4 e 5 de Setembro ostensivamente para homenagear um pequeno grupo de mulheres empresárias. Foi acompanhada pelo secretário de Estado ajunto, John Sullivan, e uma equipa “de agentes federais”. Calloni informou que um comboio de mercadorias atravessou a província de Jujuy a caminho de Santa Cruz, o centro de conspiração contra Morales, transportando equipamento militar para grupos da oposição.
Existem especulações na comunicação social sobre a possibilidade de o governador de Jujuy, Gerardo Morales, ter facilitado a transferência de dinheiro dos Estados Unidos para Luis Fernando Camacho, milionário fascista, chefe do Comité Cívico de Santa Cruz e um dos chefes do golpe. Isso pode ter acontecido em Santa Cruz, que o governador de Jujuy visitou em 4 de Setembro; ou na própria província de Jujuy, onde Camacho apareceu mais tarde nesse dia ou no dia seguinte.
O papel da Escola das Américas e da OEA
5. Segundo o analista Jeb Sprague:
“Pelo menos seis dos principais golpistas são ex-alunos da infame Escola das Américas; o general Kaliman e outra figura de destaque serviram anteriormente como adidos militares e policiais da Bolívia em Washington.
Durante décadas, dirigentes militares latino-americanos receberam treino e formação doutrinária naquela escola do Exército dos Estados Unidos, agora designada Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação e Segurança.
Sprague afirma ainda que os principais comandantes da polícia que se rebelaram contra o presidente Morales frequentaram o programa de intercâmbio policial da América Latina, com sede em Washington, conhecido pela sigla espanhola APALA.
6. A Organização dos Estados Americanos teve um papel crucial no golpe. Ainda os votos estavam a ser contados, em 20 de Outubro, quando a OEA, depois de analisar os resultados preliminares, anunciou que existiam irregularidades. O governo dos Estados Unidos fez eco dessa posição e os protestos intensificaram-se nas ruas. A 24 de Outubro, o Supremo Tribunal Eleitoral proclamou a vitória de Morales e Linera à primeira volta. Os protestos estavam montados e avançaram. Sob pressão, o governo aceitou uma auditoria da OEA.
A OEA divulgou as suas conclusões em 10 de Novembro, antes da data esperada. Afirmou que não podia “validar os resultados desta eleição”, solicitando “outro processo eleitoral e novas autoridades eleitorais”.
Este foi o ponto de inflexão. Morales convocou novas eleições, mas pouco depois o general Kaliman forçou-o a renunciar.
As conclusões da OEA foram falsas. Walter Mebane e colegas da Universidade de Michigan examinaram as estatísticas da votação e concluíram que os votos fraudulentos detectados não foram decisivos para o resultado. O Centro para a Investigação Económica e Política, com sede em Washington, realizou o seu próprio estudo pormenorizado e chegou à mesma conclusão.
A OEA surgiu como uma entidade ao serviço dos Estados Unidos. Com sede em Washington, foi formatada sob os auspícios norte-americanos em 1948 com o objectivo de “proteger” a América Latina e as Caraíbas do comunismo. Mais recentemente, sob a orientação do seu actual secretário-geral, Luís Almagro, a OEA encabeçou os esforços dos Estados Unidos para derrubar o governo venezuelano progressista do presidente Nicolás Maduro.
Paradoxalmente, em Maio de 2019 Almagro dera o aval a Morales para disputar o quarto mandato.
7. Outros indícios de que os Estados Unidos estiveram envolvidos na preparação do golpe são os seguintes:
Antes das eleições de 20 de Outubro, o presidente Morales acusou os funcionários da Embaixada dos Estados Unidos de subornarem populações de regiões rurais para que o rejeitassem na consulta. Por exemplo, deslocaram-se à região de Yungas, em 16 de Outubro, para pagarem a produtores de coca descontentes;
De acordo com Bolpress.com, a Coordenadora Nacional Militar, uma organização de oficiais na reserva, recebeu e distribuiu dinheiro enviado dos Estados Unidos para fomentar uma crise social antes de 20 de Outubro. Washington usou igualmente a sua Embaixada em La Paz e a igreja evangélica como fachadas para esconder as suas actividades. Mariane Scott e Rolf A. Olson, funcionários da Embaixada, reuniram-se com colegas das embaixadas do Brasil, Paraguai e Argentina para coordenar os esforços de desestabilização e canalizar financiamentos norte-americanos para forças bolivianas de oposição;
Remessas de armas dos Estados Unidos chegaram ao porto chileno de Iquique em trânsito para a Coordenadora Nacional Militar da Bolívia;
Mão da CIA na enxurrada de fake news
O Departamento de Estado norte-americano alocou 100 mil dólares para permitir que uma empresa designada “Estratégias CLS” montasse uma campanha de desinformação através das redes sociais;
A estação da CIA em La Paz assumiu o controlo da rede Whatsapp na Bolívia para disseminar informações falsas. Também foram lançados mais de 68 mil tweets anti-Morales;
Em meados de Outubro, o “consultor político” George Eli Birnbaun viajou de Washington para Santa Cruz com uma equipa de militares e civis. O seu trabalho foi o de apoiar a candidatura presidencial preferida dos Estados Unidos, a de Oscar Ortiz, e desestabilizar politicamente o país após as eleições. Assessoraram a organização juvenil do Comité Cívico de Santa Cruz – uma tropa de choque fascista – e supervisionaram a actividade da “organização não-governamental” Standing Rivers, financiada pelos Estados Unidos para se dedicar à disseminação de desinformação.
Os suspeitos do costume
Dezasseis gravações áudio de conversas pré-eleitorais entre os conspiradores foram tornadas públicas através de fugas de informação e surgiram na internet. Várias das vozes aludiram a contactos com a Embaixada dos Estados Unidos e com os senadores norte-americanos Ted Cruz, Robert Menendez e Marco Rubio. Jeb Sprague revelou que quatro dos conspiradores militares ouvidos nessas gravações frequentaram a Escola das Américas.
Este texto concentra-se apenas na apresentação de provas. Numa investigação criminal, as provas são determinantes para determinar a culpa ou a inocência. Considerações subjectivas e contextuais são de menor importância perante os factos e preferimos não as fazer. Os dados factuais, porém, têm muita relevância e podem ser tipificados de acordo com as seguintes categorias:
1. Na Bolívia decorria uma experiência de índole socialista com evidentes sinais de êxito, um bom exemplo que os capitalistas de todo o mundo não estavam dispostos a aceitar;
2. Um povo outrora mantido como refém pelos poderes coloniais conseguiu conquistar situações de independência e soberania e, nesse sentido, esforçou-se por tirar proveito próprio de grande parte das suas riquezas naturais, especialmente o lítio;
3. Durante toda a sua existência, o governo da Bolívia dirigido por um presidente indígena enfrentou preconceitos anti-índígenas, operações racistas e conspirações de índole xenófoba e classista;
4. Durante todo esse tempo o governo foi alvo de hostilidade, conspiração e actos episódicos de violência promovidos pelas elites neoliberais de origem colonial.
As provas são claras, portanto. Revelam a mão controladora dos Estados Unidos em mais este golpe de Estado. O governo dos Estados Unidos tem grandes responsabilidades no que aconteceu. Destacaram-se instigadores bolivianos, como era essencial, mas os conspiradores norte-americanos integraram-nos nos seus próprios processos políticos.
Em mais este caso, o governo dos Estados Unidos, como é hábito, violou o direito internacional, a ética democrática, o respeito pela vida humana e a mais elementar decência. Para sufocar a resistência popular, o governo dos Estados Unidos não vai agora conter-se de maneira alguma. Só as forças que o povo consiga encontrar em si próprio poderão fazer-lhe frente.
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