2018/07/02

Obrador Eleito no México com 53%

Há dias que começam melhor do que outros e, por vezes, alguns desses começam de forma memorável.

Raramente, muito raramente, são segundas feiras.

Esta é uma excepcional excepção à regra.

Depois de duas vitórias consecutivas, nas presidenciais de 2006 e 2012, roubadas por duas imensas chapeladas, internacionalmente reconhecidas e mediaticamente abafadas pelas agências de desinformação ao serviço do capital, Andres Manuel López Obrador, candidato de centro-esquerda social-democrata foi eleito presidente do México para um mandato único de seis anos.

E sim, isto é uma possível reviravolta na sequência do golpismo que grassa pela américa latina, mesmo lembrando-nos nós das considerações tecidas pelos comunistas mexicanos em 2012 a propósito deste mesmo candidato «[...] em 2005 o EZLN lançou a «Sexta Declaração da Selva Lacandona», um movimento alternativo a esta esquerda dos de cima. Porque no México, alguns identificam Lopez Obrador como de esquerda, mas nós sabemos que ele representa os interesses monopolistas de Carlos Slim e da burguesia de Monterrey. Representa interesses do grande capital, não representa os interesses dos trabalhadores, apesar do discurso populista em defesa de políticas assistencialistas. Então, o ELZN disse que essa esquerda, a dos de cima, não representava os interesses dos trabalhadores, nem dos camponeses, nem das mulheres, nem do movimento indígena, nem do movimento lésbico-gay, nem dos trabalhadores subalternos, nem dos emigrantes, isto é, não representava a classe dos oprimidos e explorados».

E em cima da vitória cai-me no facebroncas uma cereja no topo do bolo, um link para um artigo imperdível. O Manuel "do violino" Rocha a escrever sobre o Chico Buarque.

Excelente forma de começar o dia.@Refer&ncia

Chico Buarque e a Revolução de Emoções
(Manuel Rocha in Avante!, 2018/06/21)

Das abundâncias que caracterizam o Brasil, a das canções é das mais indispensáveis. Muitas delas – e das mais belas, algumas – foram escritas por Francisco Buarque de Hollanda, o Chico Buarque que há várias décadas marca encontro com os públicos portugueses. Escreveu canções sozinho e em parceria, umas valendo por si, outras integrando dramaturgias e enredos de cinema. Cantou grande parte do que escreveu, e o modo de cantar tornou-se portador essencial e insubstituível das mensagens que – por fortuna da partilha do idioma – construíram muito da nossa noção de Brasil.

Brasil que é pátria de Rita, Bárbara, Beatriz, Carolina, Januária e Pedro (que era pedreiro), de Teresinha, Jorge Maravilha, Geni e tantos outros, que sendo nomes são condições – retratos de gente comum convertida em protagonista principal da grande aventura humana.



O canto de Chico Buarque, feito para ser incisivo, nunca abandonou a qualidade formal da criação, como quem constrói canções em parceria ideológica com Ernesto Guevara, o tal que dizia que hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás. Canções como Deus lhe Pague, Apesar de Você, Cálice, entre muitas outras, são irrepreensíveis manifestos políticos e estéticos – na música, na poesia, nos arranjos –, peças de arte total a enriquecer o património da luta pela justiça social, sem concessões ao «ligeirismo» ou ao panfleto onde la ternura algures se perdeu. Também Construção, Notícia de Jornal, Geni e o Zepelim e tantas mais, constituindo-se peças exemplares da arte de cantar histórias, são testemunho exemplar de tomada de consciência e consequente envolvimento na solução.

Do mesmo modo, o lirismo de Chico Buarque é o contrário do xarope sentimentalão – desgosto literal e estético – em que os amores são produtos de mercado nas transacções do coração; mas disso fale Carlos Drummond de Andrade, que tão bem disse a propósito da publicação de A Banda: «coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área da nossa vida particular: abrangem terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor.»

Chico em Portugal

Em 1980 o autor de Tanto Mar cantou na Festa do Avante!, acompanhado por Edu Lobo, Simone e MPB4, num concerto em que se sentiu claramente – como tantas vezes, na Festa – a força transformadora da vontade democrática. O Brasil vivia então os tempos finais da ditadura, a caminho da campanha directas, já!, e o canto combativo dos músicos brasileiros ganhou para as emoções da esperança o imenso público que se se juntou no anfiteatro da Ajuda.

O espectáculo não tinha por que correr mal. Mas se por artes do absurdo Chico Buarque não tivesse podido cantar, bastaria a cor do primeiro acorde de uma qualquer das suas canções para que milhares de vozes desfiassem os sons e as palavras que são a banda sonora da História do Brasil. Foi mesmo assim: cantou-se, aplaudiu-se, riu-se, chorou-se, reunidas que estavam as condições subjectivas e objectivas que possibilitaram uma revolução de emoções comprometidas com a transformação deste mundo.

A correlação de forças alterou-se profundamente desde aquela noite de há quase 40 anos, no Brasil como no mundo, nas voltas de sobe-e-desce que são as da montanha-russa da História. As preocupações de Meu Caro Amigo (a carta cantada que Chico Buarque enviou em 1976 a Augusto Boal, exilado em Portugal) voltaram à nossa vida, mas não nos apanharam desprevenidos – há já muito que Chico Buarque vinha avisando que está provado, quem espera nunca alcança. De regresso a Portugal, o compositor que vai fugindo de ser cantor fez desfilar nos coliseus muitas das mais belas canções. E toda a gente cantou sei também quanto é preciso, pá, navegar. Nunca deixámos de o fazer.

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