O neofascismo ganha ímpeto pelo mundo fora. Ucrânia, Hungria, Polónia, Brasil são países onde, com a colaboração das direitas mais e menos democráticas, se implantaram governos neo-fascistas. Na Alemanha foi desmontada uma conspiração que contava já mais de duzentos neonazis infiltrados no exército. Um novo golpe de estado nas Honduras criou outro exército de "migrantes". Vais sendo tempo de compreender que o capital não olha a meios para maximizar a expropriação de mais valia. Se não consegue calar o trabalho democraticamente, privatiza a democracia e impõe democrataduras.
Rede Atlas numa gala da conspiração neoliberal globalista
(Franklin Frederick, O Lado Oculto, 2018/11/23)
O jornal canadiano CBC, na sua edição de 26 de outubro passado, publicou um artigo sobre a eleição do candidato Jair Bolsonaro no Brasil informando que:
"Para as empresas canadianas, a Presidência de Bolsonaro pode abrir novas oportunidades de investimento, especialmente nos sectores de recursos naturais, finanças e infraestrutura, já que ele prometeu cortar a regulamentação ambiental na floresta Amazónica e privatizar algumas das empresas públicas brasileiras".
Este é apenas um exemplo entre muitos de jornais estrangeiros exprimindo o júbilo das grandes companhias transnacionais com a eleição de Bolsonaro e do que ela representa: a possibilidade de exploração dos recursos naturais da Amazónia e das riquezas públicas do Brasil pelo grande capital internacional. Não importa que, no caso da Amazónia, isto signifique a destruição da última grande floresta tropical do mundo, com consequências imprevisíveis para o clima de todo o planeta. Não importa o que os povos indígenas da Amazónia venham a sofrer, que suas as terras sejam confiscadas, que seu modo de vida seja destruído. Não importa que milhares de espécies de plantas e animais possam desaparecer juntamente com a floresta. Afinal, para a ordem neoliberal, índios, florestas e biodiversidade são apenas aquilo que os economistas classificam como «externalidades», ou seja, não tem nenhum valor intrínseco e só passam a ter importância se integrados, de algum modo, no mercado internacional e possam gerar lucros.
Os Estados Unidos são o centro político e ideológico da ordem neoliberal e a partir de onde se organizam e articulam diversas instituições e redes empenhadas em difundir a ideologia neoliberal e desenvolver estratégias para impor em outros países administrações neocoloniais subservientes aos interesses do mercado. Uma das instituições fundamentais desta articulação internacional é a Atlas Economic Research Foundation , mais conhecida como Atlas Network ou Rede Atlas. O nome Atlas é uma homenagem à escritora norte-americana e ardente promotora do capitalismo ultraconservador Ayn Rand e a0 seu romance “Atlas Shrugged”, publicado em 1957.
Horrorizado com os caminhos sociais...
A história da Atlas Network começa no fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra inaugurou uma nova fase de políticas públicas que contrariavam profundamente os interesses da classe dominante. Esta nova fase deu origem, entre outros, ao Serviço Público de Saúde do Reino Unido – National Health Service – ainda hoje um dos maiores serviços públicos de saúde do mundo, em grande parte gratuito. Era o nascimento do Welfare State – Estado de Bem Estar Social. Apesar do Welfare State ter contribuído enormemente para o desenvolvimento da economia capitalista, os capitalistas conservadores sempre tentaram destrui-lo. A história do capitalismo tem muitos exemplos de capitalistas tentando destruir políticas sociais que, na verdade, eram fundamentais para a sobrevivência a longo prazo do próprio capitalismo. Muitos dos grandes capitalistas norte-americanos foram contra o New Deal implementado pelo Presidente Roosevelt para tirar os EUA da grande depressão de 1929 e chegaram, inclusivamente, a tentar organizar um golpe de estado para o apear do poder. A ordem neoliberal actual representa o triunfo definitivo desta classe capitalista ultraconservadora que lutou contra o New Deal e continua a lutar contra o Welfare State – com a agravante de que esta classe está em guerra hoje contra TODA a sociedade e contra o próprio planeta.
Anthony Fisher, fundador da Atlas Network, como muitos de seus contemporâneos, ficou horrorizado com os caminhos que a Inglaterra estava tomando ao promover, por exemplo, educação e saúde públicas gratuitos – onde já se viu!!! – e descobriu a solução para esta terrível situação na obra de Friedrich Hayek – “The Road to Serfdom” –“ O caminho para a Servidão”. Anthony Fisher tornou-se um ardente discípulo de Hayek e fundou, em 1955, o Institute of Economic Affairs – IEA - que contribuiu enormemente para a difusão das ideias de Hayek e teve um papel fundamental na criação de um clima favorável à eleição de Margaret Thatcher.
O historiador da economia Michael Hudson, no seu livro “ J is for Junk Economics”, descreve assim o pensamento de Hayek:
“ A obra de Friecrich Hayek ' O caminho para a Servidão' (1944) argumenta que o planeamento público para subsidiar necessidades básicas ou regular “o mercado” ( apropriadores de rendimentos, banqueiros e promotores de fraudes) para proteger consumidores e trabalhadores, conduz a regimes autocráticos socialistas ou fascistas. Os seus seguidores libertários insistem em que a regulamentação pelo governo viola os seus direitos pessoais de cobrar o que quer que o mercado aceite. A alternativa oligárquica deles ao governo é reduzir reformas democráticas atacando programas sociais (...) abolir o salário mínimo, a segurança social e outros serviços públicos; e privatizar a infraestrutura pública transformando-a numa oportunidade de extracção de receitas privadas quase feudais. O objectivo é livrar o 1% de impostos e eliminar a protecção ao consumidor e as reformas laborais realizadas no início do século XX.”
Noutra parte neste mesmo livro, Michael Hudson volta a referir-se a Hayek do seguinte modo:
“Se o objetivo é acabar com os sindicatos, diminuir ganhos salariais e reduzir a protecção nos locais de trabalho, a tática de relações públicas apropriada é a de tentar captar os trabalhadores, qualificando um tal programa como 'capitalismo laboral', como o General Pinochet fez no Chile depois do golpe militar em 1973; ou “capitalismo popular”, como fez a grande admiradora de Pinochet, Margaret Thatcher, depois da sua vitória nas eleições de 1979. Para confundir ainda mais a situação, os lobistas das privatizações criaram um falso vocabulário para complementar uma falsa história, definindo a regulamentação pelo poder público e a protecção do consumidor como “interferência” no mercado, como fez Friedrich Hayek em “O caminho para a Servidão”, como se o neoliberalismo não fosse ele próprio o caminho para uma nova servidão feudal.”
A pedido do próprio Hayek, Anthony Fisher, em 1981, começou a desenvolver a Atlas Economic Research Foundation , a Atlas Network, que rapidamente atingiria dimensões globais. Atualmente a Atlas Network tem 475 organizações filiadas distribuidas em mais de 90 países.
Onde a NATO também entra
A Atlas Network fornece cursos de treino em liderança, concede bolsas de estudo e apoia na criação de “think tanks” para difundir a ideologia do livre mercado e criar um ambiente favorável junto da opinião pública para as “reformas” neoliberais: privatizações e redução drástica da esfera democrática.
A outra instituição fundamental da Direita Internacional é o Atlantic Council (Conselho do Atlântico). Trata-se de uma associação entre grandes corporações em torno da NATO, a aliança militar do ocidente. Entre os membros do Atlantic Council, além da já citada NATO, estão os Departamentos da Força Aérea, Marinha, Exército e Defesa dos EUA e as Missões Diplomáticas dos EUA junto da União Europeia e da NATO. Também são membros do Atlantic Council o Ministério da Economia e Trabalho da Alemanha, grandes corporações como a Coca-Cola, Deutsche Bank, IBM e SAAB e instituições como a Ford Foundation, Cuba Policy Foundation e o Open Society Institute.
O Atlantic Council é a instituição que permite uma interacção permanente entre o maior poder militar do mundo e as grandes corporações que concentram em si grande parte do poder económico do ocidente, proporcionando aos seus membros os meios para trocas de informações e planeamento estratégico conjunto. O Atlantic Council zela para que os recursos naturais fundamentais para a economia ocidental – petróleo, minérios , sobretudo os raros como o nióbio, do qual o Brasil é o mair produtor – que por acaso não se encontrem no subsolo dos EUA ou de suas nações “amigas”, sejam colocados, por quaisquer meios, nas mãos das corporações transnacionais do ocidente. Na hipótese de um Estado tentar utilizar suas riquezas naturais para o seu próprio desenvolvimento e não para que alguma corporação transnacional que possa explorá-los e tenha lucro com elas, é sempre muito eficaz contar com o poder da NATO para “ajudar” a convencer este Estado a mudar de política – ou de governo.
Um exemplo interessante de cooperação com o Atlantic Council é o da Nestlé, a maior empresa de alimentação e maior engarrafadora de água do mundo, que realiza a cada ano, sempre num país diferente, o seu prestigiado Forum “Creating Shared Value”. Em 2011 este evento aconteceu em Washington, em parceria com o Atlantic Council, limitando-se o programa a discussões sobre as oportunidades de negócios na América Latina e em África, ou seja, justamente onde se concentram grande parte dos recursos naturais disponíveis no planeta. Em 2013, o “Creating Shared Value” da Nestlé aconteceu em Cartagena, na Colômbia. Em Maio deste ano a Colômbia foi o primeiro país latino-americano a tornar-se “parceiro global” da NATO. Este exemplo mostra a interacção entre o Atlantic Council, uma grande corporação e a NATO no cerco às riquezas naturais da América Latina.
Brasil e Argentina
A eleição de Bolsonaro no Brasil foi mais um importante passo desta estratégia global de apropriação dos recursos naturais e riquezas públicas da America Latina pelas grandes corporações.
Mas é na Argentina que podemos ver, com mais clareza, tanto a interacção entre a Atlas Network e o Atlanic Council como o resultado concreto da implementação da política económica defendida por estas instituições.
A Fundación Pensar na Argentina é um dos “think tanks” filiados e apoiados pela Atlas Network. O partido PRO pelo qual se elegeu o Presidente Mauricio Macri, em 2015, é praticamente um desdobramento da Fundación Pensar; e membros desta instituição foram indicados para ocupar cargos importantes no seu Governo. Em Setembro deste ano, o Atlantic Council outorgou seu Prémio “Global Citizen Award” ao Presidente Macri “pelos seus incansáveis esforços em renovar o papel da Argentina como um crucial actor do cenário global”. Como informou o Atlantic Council, “o Prémio foi concedido ao Presidente Macri pelo seu empenhamento em colocar a Argentina num caminho sustentável, realizando a promessa de um futuro próspero para o povo argentino. (...) Nos seus três anos de governo como Presidente, a Argentina voltou a ser um actor-chave na região e uma liderança mundial (...)”
Esta é a propaganda do Atlantic Council sobre a Argentina e o Governo Macri. Mas a verdade é bem outra, e todo o poder conjunto da Atlas Network, do Atlantic Council e da subserviente grande imprensa global não conseguiram esconder do mundo o desastre argentino. Ao completar 721 dias de Governo, a Coordinadora contra la Represión Policial e Institucional – Correpi – da Argentina publicou um relatório denunciando pelo menos 725 mortes causadas pela violência exercida pelo Estado Argentino, um morto em cada 24 horas do novo governo. O relatório do Correpi qualificou o governo do Presidente Macri como um dos mais repressivos da história da Argentina, um feito impressionante considerando que a Argentina sofreu uma dais mais violentas ditaduras militares da América Latina.
A situação atual da Argentina é de contracção económica e inflação alta, com abusivos aumentos de preço do gás e da eletricidade, desemprego massivo no sector público, cortes no orçamento para a saúde, educação e ciência e uma desvalorização de mais de 50% do peso em relação ao dolar. Por tudo isso, o governo Macri tem enfrentado enorme resistència da população, greves e manifestações nas ruas, tendo de recorrer ao FMI para um empréstimo que, porém, não trouxe para a Argentina os prometidos investimentos e a economia não se recuperou. Mas vários bens públicos já foram privatizados e outros aguardam o mesmo destino. E enquanto o descontentamento popular e as manifestações nas ruas aumentam, a resposta do governo Macri foi aumentar a repressão, ordenando por decreto, em Julho deste ano, que as forças armadas possam intervir na segurança interna, algo que não tinha acontecido desde o fim da ditadura militar. Mas esta é a verdade sobre o “Global Citizen” do Atlantic Council e o grande exemplo de liderança da Atlas Network, Presidente Mauricio Macri. Depois de três anos do seu governo a Argentina esta literalmente à beira do caos.
Como as forças por detrás de Macri são as mesmas que estão por detrás do recém-eleito Presidente Bolsonaro, podemos esperar para o Brasil um futuro semelhante ao da Argentina. Um Governo mais preocupado em vender suas riquezas e em oprimir o seu povo do que em construir uma nação.
Vamos ser claros: a ordem neoliberal internacional, que tanto fez para eleger seu candidato Bolsonaro no Brasil, almeja submeter toda a sociedade aos ditames do mercado; e seu objetivo final é a transferência da riqueza mundial para as mãos de menos de 1% de população, os multimilionários que compõe o verdadeiro centro do poder neoliberal. Para o restante – todos nós – apesar das retóricas afirmações em contrário, não sobra muito, nem a nossa humanidade, pois apenas os que encarnam e defendem os ideais neoliberais tem o direito de serem considerados «humanos» e “racionais”. Os que se opõem, que resistem, que apontam outros caminhos, são roubados da sua humanidade e do uso da razão, desqualificados e demonizados, para serem mais facilmente combatidos e exterminados.
Lutar contra a ordem neoliberal é lutar pela nossa humanidade, pela integridade de nossa sociedade e pelo futuro do próprio planeta.
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