Já poucos se lembrarão das praças de jorna onde, pelos nasceres do sol desses alentejos, se apresentavam os jornaleiros, diariamente, para serem contados e escolhidos e aceitarem ou não a jorna por que trabalhariam até ao pôr do sol.
E a casa do conto? A praça de jorna dos estivadores? Ainda ontem uma amiga narrava como o pai por lá passou meia vida, todos os dias, uns contado outros não. Gostava de dizer que tudo isso é passado, mas não é. Hoje, a casa do conto cabe no telemóvel onde o jornaleiro recebe o SMS, com a convocação para o turno da estiva, e com ela o contrato com despedimento garantido no fim do turno. Hoje, como há cem anos.
Hoje, com os 90 estivadores do porto de Setúbal, precários vai para vinte anos, em greve pela contratação coletiva, a policia de intervenção alugada pelo governo aos patrões mafiosos, protegeu a entrada no porto dos amarelos fura greves, protegeu o autocarro de vidros fumados que escondia os cobardes amarelos, fura greves, que fizeram dois turnos de caras tapadas, escondidas envergonhadas com a vergonha da miséria amarela. Ninguém sabe quem são, todos sabemos o que são: miseráveis amarelos fura greves. O lôdo chegou aos cais de Setúbal. A casa do conto continua de boa saúde no porto de Setúbal.
Gostei de ver a a CGTP ao lado de quem luta , como sempre, gostei de ver o PCP solidaridário, sempre, sempre ao lado do trabalho, daí não esperávamos outra coisa. Gostei de ver dois deputados, das esquerdas claro, sentados no chão com os grevistas. Em jeito de desculpa vejo a esquerda do PS ao lado de quem trabalha. Sabe bem, mas pergunto-me se quando tiverem maioria absoluta vou ver a Isabel Moreira lado do trabalho ou se ficam todos, como de costume, ao lado do governo que alugou a polícia de intervenção para proteger os amarelos fura greves. Por agora aqui fica a crónica do resquício de esquerda que ainda respira na bancada do governo. Só para futura @Refer&cia
Nem mais um contrato diário
(Isabel Moreira, in Expresso, 2018/11/17)
Ricardo tem 33 anos e trabalha há uma década no Porto de Setúbal. No entanto, dez anos de trabalho não são considerados um emprego permanente. Para os empregadores, Ricardo continua a ser um “trabalhador eventual”, cuja função seria suprimir necessidades temporárias.
Conta à TSF que vive de contratos diários. “Todos os dias somos escalados por turno. Cada turno que efetuamos é um contrato novo”. O primeiro turno diário corresponde a oito horas de trabalho, o segundo corresponde a sete. Muitas vezes, Ricardo faz ambos no mesmo dia.
O caso de Ricardo está muito longe de ser único. Corresponde à situação de 90% dos trabalhadores do Porto de Setúbal, de acordo com o Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística (SEAL).”
(Fonte: TSF)
Esta violência laboral justifica a greve da SEAL, a qual quase paralisou o Porto de Setúbal. O efeito é esse porque os trabalhadores precários, tratados como espécie de escravos ao dia, como gente com funções alegadamente não permanentes, afinal são absolutamente indispensáveis ao movimento do Porto de Setúbal.
Não me interessa entrar na história toda, que pode ser lida nas notícias, não me interessa saber se a ACT acordou agora, interessa-me isto:
É intolerável que em 2018 cheire a Estado Novo. Estes trabalhadores são evidentemente essenciais à empresa, têm funções permanentes e não sabem o que seja um contrato de trabalho com os direitos a ele associados. Acordam na incerteza. Sabem que vão trabalhar. Não sabem por quantas horas, a que valor, qual a duração do abuso. Nada os acode numa situação de doença. O seu “mínimo de existência” é grosseiramente validado pela entidade empregadora entre o nascer do sol e a noite escura.
Se há matéria a que a esquerda não pode ser indiferente é esta.
Estes trabalhadores têm de ver a sua situação de facto reconhecida, têm de ter segurança no emprego, absoluta liberdade sindical e direito ao trabalho digno, com retribuição justa, pondo fim a esta “praça da jorna” ou “praça da vergonha”.
Conseguem imaginar a situação relatada pela TSF?
“Todos os dias somos escalados por turno. Cada turno que efetuamos é um contrato novo”. O primeiro turno diário corresponde a oito horas de trabalho, o segundo corresponde a sete. Muitas vezes, Ricardo faz ambos no mesmo dia”.
É, pois, de louvar que os trabalhadores se recusem a trabalhar enquanto a entidade empregadora – a empresa Operestiva – não assinar contratos de trabalho permanentes com todos os precários (parece que perante as consequências da paralisação, houve uma proposta manhosa de dar trabalho a uns quantos).
Solidariedade no combate é isso.
Solidariedade pelo combate deve ser toda.
Nem mais um contrato diário.
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