O patronato mais ultramontano voltou ao discurso dos pobres empresários que não podem explorar à vontade e se vêem obrigados a fechar portas. Desta vez, é, outra vez, a múmia ferraz da costa, morto, enterrado e ressuscitado ao terceiro dia a vir bolsar mais umas enormidades através daquele veiculo do patronato incompetente que dá pelo nome de fórum para não sei o quê à custa de quem trabalha. Ficam aqui uns factos que o contradizem, para futura refer&ncia.
A disputa do tempo é um luxo?
(Vicente Ferreira in Ladrões de Bicicletas, 2019/01/09)
Na nota de conjuntura do último mês, o Fórum para a Competitividade, liderado por Pedro Ferraz da Costa, defendeu que “a semana das 35 horas [em Portugal] é uma raridade na União Europeia e no mundo, sendo claramente um luxo de país rico, com actividades muito concentradas nos serviços”. Embora seja verdade que Ferraz da Costa nos tem habituado a declarações polémicas sobre o assunto, que raramente sobrevivem ao confronto com os factos, esta merece alguma atenção.
Os dados disponíveis mostram-nos que o número de horas trabalhadas (por trabalhador) em Portugal é superior à média da OCDE, estando bem acima de países como a Alemanha, França ou Holanda. É nos países do Sul da Europa (Portugal, Itália, Espanha, etc.) que se trabalham mais horas anualmente, o que refuta alguns preconceitos sobre o empenho dos trabalhadores destes países face aos do Norte.
Um estudo recente do Observatório das Desigualdades (ISCTE) aponta no mesmo sentido. Em Portugal, os trabalhadores trabalham mais horas do que os dos países do norte da Europa (Alemanha, Holanda, etc.), além de terem direito a menos dias de férias (22 dias úteis, ao passo que os holandeses têm 25 e os alemães têm 30). A conclusão a retirar destes estudos é evidente: em Portugal, já se trabalha demasiadas horas por ano, pelo que qualquer proposta de aumento do horário de trabalho semanal vai no sentido errado.
Além disso, a nota do Fórum para a Competitividade continua a partir da ideia de que aumentar o número de horas trabalhadas seria positivo para a produtividade da economia portuguesa, algo que já foi refutado várias vezes neste blog (ver aqui ou aqui, por exemplo). O problema da baixa produtividade do trabalho em Portugal deve-se a outros fatores, como o atraso da estrutura produtiva, a concentração das atividades na produção de baixo valor acrescentado ou os baixos índices de investimento em investigação e inovação. Naturalmente, nenhum destes problemas se revolve aumentando o número de horas trabalhadas.
A nota do Fórum para a Competitividade não reflete, por isso, nenhum projeto sério para o país, mas antes uma visão austeritária e punitiva do trabalho, de péssima memória por cá. O horário de 35 horas semanais praticado pelo Estado é um bom princípio, que deveria ser seguido no setor privado, sobretudo numa altura em que se recupera a discussão sobre a possibilidade de trabalharmos muito menos horas, de forma a distribuir melhor o trabalho necessário, reduzir o desemprego e os efeitos nocivos de jornadas de trabalho longas (ao nível, por exemplo, da saúde mental, dos hábitos de socialização, ou mesmo do combate às alterações climáticas).
Na verdade, a ideia já fora avançada por Keynes em 1930, quando propôs que no século XXI, o avanço tecnológico poderia tornar possível um horário de trabalho de 15 horas por semana – isto é, 3 horas por dia. Embora possa parecer utópica, a verdade é que parece existir uma tendência histórica para a diminuição da jornada de trabalho nas economias capitalistas, fruto sobretudo das resistências sociais, embora sujeita a diferentes respostas dos empregadores (que promovem a flexibilização da jornada laboral através de instrumentos como o banco de horas, o trabalho por turnos, a apropriação do tempo livre dos trabalhadores, etc.). Não é, por isso, impossível imaginar um futuro em que possamos reduzir a parte do nosso dia que passamos a trabalhar. Tudo depende da forma como os ganhos da tecnologia são distribuídos pela sociedade e de como queremos organizar socialmente o nosso tempo. As escolhas coletivas continuam a ser determinantes na disputa do tempo.
Conhecem o Ferra(braz) da Costa?
(Vítor Lima, in Facebook, página Democracia e Dívida, 03/01/2019)
• É um homem coerente, pois já era ultra-reacionário quando estudante, antes do 25 de Abril e, continuou a sê-lo mas acrescentando o ressaibo, a saudade dos bons tempos do fascismo. Como primeiro líder da CIP, representou o entulho empresarial português cuja característica, única na Europa, é ser aquele que apresenta menos habilitações do que os trabalhadores. Daí a aposta no baixo salário, no baixo investimento (excepto quanto a carros de luxo, como bons saloios) e a baixa produtividade… de onde resulta ser Portugal o país mais atrasado da Europa Ocidental. (Ver declarações de Ferraz da Costa aqui).
• Fala pouco mas diz sempre barbaridades. Na Europa há muitos países com horários inferiores a 35 h e que não são ricos – Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Hungria, Rep. Checa, Roménia e Croácia.
• Um patrãozeco português paga anualmente 25709 (pps)* contra uma média europeia de 36221 e, 35919 em Espanha ou 49711 na Bélgica, por exemplo… onde até se trabalham menos horas.
Se em Portugal o trabalho é mais barato e para jornadas de trabalho superiores é porque o empresariato é um conjunto de incapazes rascas, geradores de subdesenvolvimento.
• Não diz o Ferra(braz) que, segundo inquérito da Deco, 42% dos trabalhadores trabalha mais de 40h/semana; e que 64% do total não recebe pelas horas extraordinárias. Nem diz que o patronato – em conluio com os governos – deve de contribuições para a Seg Social, o equivalente a 12 meses do total das pensões… coisa inconcebível na Europa civilizada.
Se houvesse uma imprensa decente, tê-lo-iam confrontado com estas questões, não?
(*) PPS – Paridade de poder de compra. Para os menos conhecedores dos temas económicos podem consultar o conceito Aqui.
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