A "sociedade civil" que não travou o CETA parece ter acordado para o horror do tribunal das corporações imposto por esse mesmo CETA. Chama-se Investor-State Dispute Settlement (ISDS) em anglo-saxonês e serve para as corporações multarem as democracias quando estas não lhes andarem ao jeito. A par da chantagem com a especulação capitalista sobre as dividas soberanas este é mais um instrumento de sujeição do poder civil democrático ao poder financeiro. Porque interessa pensar neste instrumento neo-liberal-capitalista de sujeição das democracias á luz da reforma do capitalism deixo aqui duas opiniões recentemente vindas a lume no âmbito da luta europeia contra estes tribunais. O problema é que enquanto andamos a lutar contra estes tribunais o capital vai pensando noutra forma de sujeitar as leis dos estado soberanos ás "regras dos mercados". Conintuo a acreditar que a única solução é mesmo acabar com o Capitalismo, t o d o! @Refer&ncia
A “Justiça” mais injusta: ISDS, a arma exclusiva dos poderosos
(Ana Moreno, Público, 2019/01/18)
Até ao momento, o absurdo deste mecanismo é inversamente proporcional ao grau do seu conhecimento pelos cidadãos, que dele sofrem as brutais consequências.
Custa a acreditar que precisamente aos mais poderosos actores privados globais sejam outorgados direitos superiores, especiais e exclusivos, que lhes permitem exigir indemnizações multimilionárias sempre que consideram que medidas democraticamente adoptadas pelos Estados podem diminuir os seus lucros.
E não menos inconcebível parece que sejam precisamente os Estados a outorgar-lhes esses direitos e meios especiais, limitando o seu próprio poder legislativo e arriscando, em dimensão multimilionária, os recursos dos cidadãos.
Mas é exactamente isso que vem acontecendo de forma crescente e avassaladora através do ISDS (sigla em inglês do Investor-State Dispute Settlement), um instrumento de direito internacional privado, disponível exclusivamente para investidores estrangeiros processarem Estados e a que estes livremente se submetem, entre outros, através de acordos de investimento ou, por exemplo, da Carta da Energia, que Portugal também subscreveu.
A partir dos finais de 1960, o ISDS começou a ser incluído em acordos de investimento entre países, com o objectivo de proteger os investimentos privados em países ditatoriais ou corruptos. Nos primeiros 20 anos, os processos de ISDS foram raros; mas, a partir de 1990, o seu aumento foi vertiginoso, sendo hoje conhecidos mais de 560 casos a nível mundial. O que era uma excepção passou a ser um privilégio generalizado, incluído em acordos entre países democráticos onde rege o Estado de Direito – como aconteceu recentemente no acordo de comércio e investimento entre a União Europeia (UE) e o Canadá (mais conhecido por CETA).
A nível substancial, as empresas multinacionais passaram assim a beneficiar de direitos especiais e exclusivos, entre outros, através do conceito de “expropriação indirecta”. Este conceito não está ancorado na legislação nacional de muitos países, como, por exemplo, a Alemanha. Porém, recorrendo ao ISDS quando considerem que decisões legislativas dos Estados podem reduzir os seus lucros “legitimamente expectáveis”, os investidores estrangeiros – e apenas estes – podem transpor a justiça nacional e accionar essa justiça “superior”.
O inconcebível deste mecanismo não se limita, porém, à sua vertente substancial. Em termos processuais, a decisão não é tomada por um tribunal público e legitimado, mas por tribunais arbitrais privados, compostos por três árbitros escolhidos pelas partes – de entre um pequeno grupo de advogados ou juristas pagos com valores de $1000 à hora – e que podem assumir rotativamente o papel de acusação, defesa ou de decisão. As sessões são secretas (muitas vezes realizadas em quartos de hotel) e das decisões não há apelo possível, não existindo uma instância de recurso.
As custas de um processo ISDS são, em média, de oito milhões de euros – mesmo nos casos em que os Estados ganham os processos. Quando a decisão penaliza os Estados, o pagamento de indemnizações às grandes empresas chega aos milhares de milhões.
Mas o efeito dos ISDS vai mais longe ainda, pois a simples possibilidade de virem a ser processados por decisões regulatórias em defesa do consumidor ou do ambiente, dos direitos dos trabalhadores, etc., abre a porta ao chamado chilling effect, o efeito intimidatório sobre o próprio processo democrático.
Os casos de ISDS são pouco conhecidos, em parte por se processarem à porta fechada. O da Philip Morris International contra o Uruguai por políticas anti-tabaco, ou da empresa sueca Vattenfall contra o governo alemão pela decisão de abandonar a energia nuclear (exigindo uma indemnização de 4,7 mil milhões de euros) são apenas exemplos pontuais. Em Portugal, os accionistas da EDP anunciaram recentemente que iriam, via ISDS, contestar uma redução das chamadas “rendas excessivas”, no valor de 285 milhões de euros.
A gritante injustiça deste sistema paralelo e exclusivo já levou o Parlamento Europeu (PE) a tomar uma posição clara contra o ISDS e o tribunal europeu pronunciou-se sobre a falta de conformidade do ISDS com o direito europeu, a nível de processos entre os Estados-membros. Até a Comissão Europeia, defensora do sistema, acabou por adoptar um sistema cosmeticamente melhorado no CETA, em troca de o conseguir passar no PE.
O tribunal das corporações
(Tiago Mota Saraiva, Jornal I, 2019/01/21)
Chama-se Investor-State Dispute Settlement e tem vindo a notabilizar-se pelas ações interpostas contra decisões políticas nacionais de defesa das populações em áreas como tabaco, clima ou setor financeiro. É importante estarmos mais atentos ao que se trama fora de Portugal.
Após o desastre nuclear de Fukushima, em 2011, o parlamento alemão decidiu acelerar o processo de diminuição de dependência da energia nuclear, projetando para 2022 o fim da sua utilização. Imagine que as empresas interessadas podiam apresentar uma ação num tribunal supranacional pedindo uma indemnização de 4700 milhões de euros pelas receitas que previam ganhar.
Em 1997, o Canadá proibiu a utilização de um aditivo tóxico na gasolina que contém uma neurotoxina usada para melhorar o comportamento do automóvel. Imagine que uma multinacional de aditivos se sente lesada e, apesar de perder todas as ações realizadas no âmbito dos tribunais canadianos, vence uma ação contra o Estado colocada num tribunal supranacional, obrigando-o a pagar uma indemnização de cerca de 10 milhões de euros e a repor a autorização do aditivo nocivo para a saúde.
No fim da década de 90, a banca checa viveu uma grave crise de insolvência. O Estado entendeu intervir nos bancos em que detinha participações, declarando que os bancos privados eram um problema dos seus acionistas. Imagine que uma grande multinacional detentora de uma pequena parte de um banco privado insolvente coloca uma ação contra o Estado pelo facto de esse banco não ter tido tratamento equivalente aos bancos com participação pública, garantindo uma indemnização superior a 200 milhões de euros.
Estes três casos aconteceram. O tribunal supranacional existe e chama-se Investor-State Dispute Settlement (ISDS). Foi concebido para garantir que as grandes corporações possam processar os Estados além do que está estabelecido nas leis nacionais e tem vindo a notabilizar-se pelas ações interpostas contra decisões políticas nacionais de defesa das populações nas áreas do controlo do tabaco, clima, setor financeiro, exploração mineira, saúde, energia, poluição, água, trabalho, uso de toxinas e políticas de desenvolvimento. Os procedimentos do ISDS não pretendem ser ou parecer isentos. Não raras vezes, os três juízes nomeados para apreciar cada caso foram, ou serão, advogados de multinacionais. Não há qualquer limite para o valor das indemnizações, nem o Estado pode recorrer para outro tribunal da decisão do ISDS.
Apesar de nos primeiros 30 anos do ISDS terem sido colocadas apenas 50 ações conhecidas, nos últimos cinco foram apresentadas mais de 300. A taxa de sucesso e rentabilidade para as multinacionais é particularmente interessante. Até hoje, os contribuintes já tiveram de pagar mais de 2500 milhões de euros de indemnizações e aguarda-se decisão sobre casos cujo valor somado ascende aos 60 mil milhões de euros.
Porque é que nunca ouviu falar disto? Será que Portugal está fora da sua tutela? Não. Os acordos transnacionais assinados pela UE implicam que os Estados-membros a aceitem. Aliás, os acionistas da EDP anunciaram recentemente a sua intenção de avançar para a arbitragem internacional do ISDS por causa da “taxa das renováveis” inscrita no OE/2017. Fala-se em 285 milhões de euros de indemnização, valor constante num imprudente despacho assinado pelo ex-secretário de Estado da Energia Jorge Sanches relativo à sobrecompensação.
Esta semana é lançada uma petição europeia, “Direitos para as pessoas, regras para as multinacionais”, em que se apela a que a UE se retire de todos os acordos de comércio e investimento que obriguem à aceitação das regras do ISDS. É importante estarmos mais atentos ao que se trama fora de Portugal.
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