Em dois dias foram dois textos a apontar o medo como principal causa dos afloramentos fascizantes que por esse mundo despontam. O primeiro, do Domingos Lopes, aqui em baixo, mais centrado no Brasil, o segundo, do Manuel Loff, mais alicerçado na história contemporânea, ambos apontam o medo para explicar o mesmo fenómeno: como é que um fascista incompetente arrastou 40 milhões de brasileiros com um discurso de ódio, violência e morte.
Ambos concluem ser o medo, o medo sem objeto, o medo de tudo, da diferença, da pobreza, do outro, do crime, do vizinho, da droga, do desconhecido, do terrorismo. Foi aliçerçado em todos estes medos, acirrando uns contra os outros, culpando o diferente, o outro, o vizinho, o desconhecido que o fascista incompetente arrastou 40 milhões de votos.
Acredito. Mas acho que podemos, e devemos, ir um bocadinho mais fundo. Quem criou e alimentou os medos? Quem criou a crise politica e institucional? Quem deu o golpe? Quem foram os corruptos que apontaram o dedo à única não corrupta? Onde andou a Globo nas vésperas, durante e depois do golpe? Quem andou com o fascista incompetente ao colo antes e durante a campanha? Quem alimenta a miséria, mãe de todos os medos? A ignorância, filha da barriga vazia? Quem? Ou o quê?
E já agora. Quem confia no voto electrónico? Quem garante que o número escrito na RAM não é "aleatóriamente" enviezado relativamente ao que eu primo no teclado por três linhazitas de código malandradrecas, perdidas algures no controlador do teclado e auto-eliminadas quando se fecha a urna?
Quem não tem medo do medo? E de Bolsonaro?
(Domingos Lopes, in Público, 2018/10/05)
Jair Bolsonaro sabe que ao defender este “programa” convoca o medo para a partir dele pôr o Brasil na ordem ditatorial e na paz dos cemitérios.
O medo existe para condicionar ou impor aos outros um determinado comportamento. Uma sociedade onde o medo impera não é uma sociedade em que os seus membros se sentem livres. Uma ditadura impõe-se pelo medo que provoca nos cidadãos. O medo é como um colete que se cola ao corpo e o aperta a lembrar-lhe o que não pode fazer.
As ditaduras não permitem que se exprimam as opiniões, que se organizem as correntes politicas, que os cidadãos se manifestem. Se não fosse o medo que impõem, as ditaduras pouco tempo durariam.
Nem todas as ditaduras foram ou são iguais. Umas são mais sanguinárias, outras menos. Foi assim com Salazar, com Franco ou com os militares brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos, bolivianos no poder que, através das famigeradas operações Condor, impuseram a ignomínia e o terror, assassinando milhares e milhares de adversários políticos, torturando-os barbaramente e fazendo desaparecer os adversários. O medo foi a arma de Pinochet, Geisel, Bordaberry e Videla.
Todos deviam ter medo e acatar os tiranos. A sua tirania para impor o medo lançava ao mar, amarrados de pés e mãos, os compatriotas que não se vergavam ao medo.
Jair Bolsonaro veio, em plena crise do país, defender que no Brasil não houve ditadura militar, o que constitui realmente a defesa clara do regime do terror que amaldiçoou o país.
Mas Bolsonaro já tinha dito algo que assustava: defendeu que não é pelo voto que se resolvem os problemas do Brasil, mas sim com a morte de mais de 30.000, mesmo que haja inocentes; defendeu o uso indiscriminado de armas, a esterilização dos pobres, a perseguição dos homossexuais, a misoginia do tipo Daesh, a aplicação da pena de morte.
Bolsonaro utilizou a violência bíblica – a condenação eterna ao fogo eterno – para ameaçar destruir a ferro e fogo a podridão na sociedade brasileira, criando uma certa confusão acerca dos alvos, mas percebendo-se que seriam Lula e os seus seguidores. Até o pobre da favela impregnado de fé pode seguir o cruzado da moral.
Jair Bolsonaro sabe que ao defender este “programa” convoca o medo para a partir dele pôr o Brasil na ordem ditatorial e na paz dos cemitérios.
Bolsonaro, por experiencia do seu militarismo, sabe que apela ao medo para acabar com o que chama a “gritaria”, isto é, a liberdade e a democracia.
Na verdade, com medo, só há medo. O medo existe para meter medo, para paralisar, para que se não respire.
Se o candidato diz que a ditadura não foi ditadura é porque a defende. Bolsonaro entrou em cena, no momento certo, para defender o que seria impossível noutras circunstâncias. Aproveitando-se de um clima de corrupção que vem do alto da sociedade, quer aparecer como salvador, como justiceiro, mesmo quando proclama que sonega impostos. Invoca uma espécie de moral dos pastores evangélicos para proclamar a violência. Defende os setores mais retrógrados do capitalismo – os terratenentes, os donos das minas e os donos da indústria armamentista, daí a defesa da arma à cabeceira de cada brasileiro.
Quando defende a esterilização dos pobres para combater a criminalidade e a miséria, tenta fazer confundir alta corrupção (Lava-Jato) com a criminalidade dos bairros, servindo-se daquela para justificar a “necessidade de varrer” o Brasil do que apelida de podridão e acertando armas aos pobres que não podem ter filhos, ao contrário dos ricos, por isso, cortaria em todos os apoios sociais familiares. Tal como Salazar defende que o povo não está preparado para receber educação e não se vai educar.
Bolsonaro sonha acabar com a gritaria e impor o medo e fazer do Brasil um país onde os ricos e setores da classe média alta possam andar e dormir armados para poder matar e substituir a justiça dos tribunais pela justiça privada.
Bolsonaro quer fazer do medo a sua arma. Já assegura que não respeitará as eleições, se não ganhar. Para ele, o homem é o lobo do homem. Pobre é para esterilizar. Rico é para comprar arma. Voto não resolve nada. Mulher é para calar. Só trinta mil mortos resolverão o problema. Quem não tem medo?
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