Orbán, Trump, Bolsonaro: como chegámos até aqui?
(Manuel Loff, in Público, 2018/10/06)
Mais do que em quaisquer outros recursos do Estado, é nos aparelhos securitários que a extrema-direita se quer infiltrar
Bolsonaro sairá amanhã à frente na corrida para a 2.ª volta das eleições brasileiras – e eu sou dos que temo que seja mesmo eleito no próximo dia 28. Os Le Pen pai e filha já chegaram duas vezes à 2.ª volta das presidenciais francesas. Trump foi eleito presidente da maior economia e do maior arsenal de armas do mundo. A extrema-direita tem 15%-25% dos votos em meia Europa e, só na UE, dirige ou participa em governos de coligação de dez países (da Itália e Bélgica à Hungria e Polónia).
Há pelo menos 25 anos que este processo está em curso. Desde que a direita radical começou a assaltar o poder nos países pós-comunistas, que Berlusconi chegou ao governo aliado com a extrema-direita e que os EUA passaram a ter presidentes como Bush Jr. e Trump, que se discute se o clamor racista, xenófobo e o discurso do ódio e do Estado policial (e/ou da sociedade em armas) que se foi banalizando são ou não a versão séc. XXI do fascismo. Agora que também o Brasil pode somar-se à lista, perguntemo-nos como chegámos até aqui.
Antes de mais, o ponto a que chegámos é um estádio já avançado da transição autoritária por que está a passar o Ocidente pela segunda vez nos últimos cem anos (desde o fim da I Guerra Mundial). Ela segue efectivamente alguns dos passos que seguiu nos anos 1920 e 30: não pela via do golpe militar que rompia bruscamente com o regime mas pela via da transição legal para a ditadura. Sintoma central dessa transição é a degradação generalizada da qualidade do sistema democrático, adoptando, antes de mais, formas de reforço do poder executivo que violam constituições, atacam políticas sociais que se julgava terem-se tornado ganhos definitivos e violam tratados internacionais (suspendendo, como a França ou a Grã-Bretanha, a aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos) e que são incompatíveis com a democracia. Não há fascismo sem emergência, sem que a maioria da sociedade acredite que vive em estado de emergência – social e económica por causa de uma crise, securitária por causa daquilo que lhe explicam ser uma guerra (contra “o terror”, por exemplo, ou, como no Brasil, contra “o crime”). É nesta emergência tornada permanente, e que parece não terminar nunca, que, ao mesmo tempo que se fragiliza ao extremo a vida dos mais pobres, dos sem poder, o Estado adopta medidas securitárias “extraordinárias”, concedendo poderes discricionários às polícias e aos serviços de informação, sem controlo judicial e democrático (tortura, invasão de domicílio, vigilância não autorizada...). O Estado e os media banalizaram um discurso autoritário contra a democracia (disfarçado, contudo, de preocupação com a “protecção da democracia”) que defende que a lei não protege os cidadãos, e por isso há que revogar direitos e liberdades cívicas dos “suspeitos” de pôr em causa a “segurança”, mas, dessa forma, generalizando a todos os cidadãos a retirada desses direitos e dessas garantias. O discurso da paranóia securitária, não só culpabiliza minorias étnicas e grupos sociais inteiros (que podem ir dos muçulmanos em países ocidentais aos pobres e favelados no Brasil, suspeitos de parasitarem o Estado e de serem ameaças potenciais de roubo e violência), como justifica suspender, na prática, a democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário
O seu comentário ficará disponível após verificação. Tentaremos ser breves.