O violador acabou mesmo por vencer no senado a nomeação para o supremo estado-unidense. Nem outra coisa seria de esperar, afinal trata-se de outro membro da nomenclatura, herdeiro dos previlégios monárquicos devidos aos todo-poderosos. Depois do simulacro de investigação do FBI que nem a violada ouviu, ao que não deve ser estranho o facto de essa instituição acoitar velhos colegas de Yale, o chorão misógino lá se alcandorou ao tacho para a vida. @Refer&ncia
Kavanaugh, o privilégio também chora
(António Santos in Avante!, 2018/10/05)
Num comício no Missouri, esta semana, Trump reafirmou que o Senado deveria confirmar a sua nomeação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal dos EUA porque o juiz, acusado de assédio sexual e tentativa de violação, «nasceu para o cargo». É, até ao momento, a mais concisa explicação para a fractura, sem precedente histórico, que a nomeação abriu na sociedade estado-unidense. Kavanaugh «nasceu para o cargo» porque pertence a uma casta de privilegiados a quem todos os abusos são permitidos e que, desde o berço, estão destinados à riqueza e ao poder. O sórdido espectáculo de televisão, raiva e lágrimas que Kavanaugh ofereceu à América no Comité Judiciário do Senado, ilustra bem a frustração desta casta (que não está acostumada a ser questionada, muito menos responsabilizada) com o encalacrar de uma nomeação que era sua por direito de nascença.
Nas chamadas «elites» desta casta, o assédio sexual é, desde que Yale é Yale, um ritual de passagem e tomada de posse do privilégio. Relatos de ataques sexuais assombram as mais prestigiadas instituições universitárias da «liga da hera» há quase 300 anos e nunca a palavra de uma mulher impediu a nomeação de um juiz do Supremo. Mas também nunca, em 300 anos, a classe dominante esteve tão dividida.
Burgueses serão burgueses
A estratégia dos democratas é conhecida de todos: cercar Trump de escândalos e litígios legais para derrotá-lo nas eleições de 2020 ou, caso seja necessário, removê-lo judicialmente antes disso. O problema é que a grande vingança democrata pelo caso Monica Lewinsky está a abrir brechas que não são apenas bipartidárias mas de classe. A erosão dos velhos consensos tácitos entre democratas e republicanos não deve ser subestimada: enquanto Kavanaugh recordava chorosamente no Senado o dia-a-dia da juventude milionária da casta do poder, revoltado por alguém lhe vir dizer agora, 36 anos mais tarde, que não podia fazer o que todos faziam, dezenas de milhares de mulheres protestavam nas ruas de todo o país contra a cultura do assédio e da violência sexual: a cultura de Kavanaugh e de toda a classe dominante.
A nomeação acabou por ser adiada e Trump cedeu às pressões democratas, autorizando uma investigação do FBI à conduta de Kavanaugh. A principal acusadora, Christine Blasey Ford, já veio a terreiro denunciar negligências graves na investigação, sugerindo que se pode tratar de uma operação de Trump para ilibar Kavanaugh.
Pode, contudo, ser demasiado tarde para ilibar a cultura machista do grande capital. «Deve ser assustador ser homem e jovem nesta altura» atirou Trump no mesmo comício, numa lógica de «rapazes serão rapazes». O presidente questionou-se ainda sobre «o que aconteceria» se toda a gente começasse a ter de pagar pelas «parvoíces» que comete durante a juventude. Cerca de 700 mil reclusos estado-unidenses, a maioria de famílias pobres, todos eles presos por crimes que cometeram durante a adolescência, poderiam responder a essa pergunta.
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