A pouca horas de abrirem as urnas mantenho a esperança no grande povo brasileiro e no seu candidato natural, o democrata, honesto competente e socialmente preocupado Fernando Haddad.
Espero bem que o titulo da opinião abaixo não se verifique uma professia.
Como se elege um fascista
(Daniel Oliveira, in Expresso, 05/10/2018)
O erro da ditadura foi torturar e não matar.” “O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um cobarde.” “Deveriam ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.” “Seria incapaz de amar um filho homossexual.” Dirigindo-se a uma deputada: “Não te estupro porque você não merece.” “Mulher deve ganhar salário menor porque engravida.” “Nem para procriador o afrodescendente serve mais.” “Parlamentar não deve andar de ónibus.” Como ficaram os brasileiros anestesiados, a ponto de poderem eleger como presidente o autor destas alarvidades?
Um homem que nem sequer está livre de acusações de corrupção. O PT tem culpas. Por não ter livrado o Brasil da dependência das matérias-primas, o que tornou a crise inevitável. Mas foi com ele que assistimos ao maior salto económico e social da história do Brasil. Por não ter feito a reforma política e ter mantido todo o sistema dependente da compra e venda de deputados, incluindo os seus. Mas foi ele que fez as leis que facilitaram o combate à corrupção, mal de sempre no Brasil. Por não ter percebido que as primeiras manifestações, em 2013, não eram uma contrariedade mas uma oportunidade para mudanças mais profundas. Preferiu entregar o protesto à direita.
O PT falhou, falhou, falhou. Mas não foi o PT que fez Bolsonaro. Foi o golpe. Os que fizeram cair Dilma, criando um ambiente de exceção constitucional, não tinham ninguém para pôr no seu lugar. Só o caos. Com o mais popular dos candidatos preso, e a oposição ao PT amarrada ao mais impopular governo da história, Bolsonaro ficou sozinho no descontentamento. Foi à direita tradicional, sobretudo ao PSDB, que foi buscar os votos. Não foi ao PT.
O grotesco Jair Bolsonaro não é o representante da fúria popular contra a elite. Tem 40% de apoio entre os mais ricos, 38% entre quem tem curso superior e 37% no sul. Tudo acima da sua média. Entre quem recebe mais de 10 salários mínimos o índice de rejeição do candidato do PT chega aos 57%, o de Bolsonaro fica-se pelos 37%. Nos eleitores com menos de dois salários mínimos acontece o oposto: Bolsonaro tem uma rejeição de 48% e Haddad de 20%. Se só votassem homens com mais de cinco salários mínimos Bolsonaro seria eleito na primeira volta com mais de 50% dos votos. Se só votassem mulheres pobres ficava nos 10%.
Numa entrevista que fiz a Gregório Duvivier, o humorista da “Porta dos Fundos” defendeu que a irritação da classe média com o PT se deve a uma perda relativa de estatuto. Enquanto ficava no mesmo lugar, viu os ricos ficarem mais ricos e distantes e milhões a saírem da miséria e a aproximarem-se. Não se vencem eleições no Brasil com a classe média ressentida, mas sempre foi com ela que os fascistas ganharam músculo. Para porem os pobres na ordem.
Graças à popularidade de Lula, Fernando Haddad irá à segunda volta. Terá de se confrontar com uma ideia instalada pelos media: que os extremos se tocam. Como se o prefeito que encheu São Paulo de ciclovias e transportes públicos fosse comparável à besta que grita que vai fuzilar os opositores.
Esta normalização de Bolsonaro revela que, para a elite económica, política e mediática brasileira, mais vale um fascista do que um democrata que queira redistribuir rendimento. Só na segunda volta saberemos até que ponto o classismo, e não a democracia, continua a ser a marca identitária de quem manda no Brasil.
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